Amado Titio Rafael:
Não vou esquecer nunca o seu sorriso maravilhoso e a sua bonomia em brincar não só comigo como com toda a rapaziada da região. Tenho na lembrança todos os momentos de alegria e nenhum de tristeza, porque, perto de você, tudo era harmonia e felicidade.
No entanto, a minha partida, fiquei sabendo, aborreceu-o muito e você ficou, durante muito tempo, sem ir à igreja, esquecido até dos amiguinhos da Cruzada Eucarística. Depois, restou-lhe uma sombra de certa melancolia, quando passou a pôr reparo mais atento em cada miséria humana que atingisse as pessoas de seu vasto relacionamento.
Você era pouco mais velho do que eu, mas cuidava de tantos pequerruchos com a sua atitude sempre positiva, que nem mesmo saberia dizer ao certo quantos dependiam de sua amabilidade para prosseguirem evoluindo em sua jornada existencial.
No entanto, a minha morte teve uma conseqüência imprevisível e surpreendente, porque você estendeu o seu interesse em auxiliar, pondo de lado a antiga aspiração de fazer Direito, tendo buscado o seu amado Curso de Assistente Social, para dedicar-se mais de perto aos anseios de seu espírito.
Daqui onde estou, tão pouco elevado no sentido da moralidade superior, não tenho recomendação alguma a fazer-lhe, tantas são as propriedades benéficas de sua personalidade. Sei que você não é espírita nem admite muitos dos preceitos da doutrina, especialmente os que envolvem os pontos mais polêmicos da comprovação da existência da vida após a morte. De fato, esta mesma composição, ao chegar ao seu conhecimento, talvez não lhe desperte de imediato nenhuma reação positiva no sentido de perceber que é aquele seu sobrinho que partiu tão cedo quem lhe escreve. Mas nem por isso vou esfalfar-me em lhe dar provas concretas de que se trata deste que digo que sou.
Então, poderá sobrar-lhe uma única questão fundamental: se o correspondente admite que o destinatário não acate a premissa inicial de que tudo que escreve provenha da espiritualidade como esfera além da carne, como é que vai desenvolvendo, mesmo assim, o seu trabalho redacional, que mais não virá a ser senão de total inutilidade?
Eis aí o fulcro do problema para mim, porque estou a dizer-lhe claramente que a sua postura moral compartilha dos ideais mais nobres do cristianismo que flui das lições do Nazareno, o que é suficiente para vir a ser recebido no etéreo com pompas de vencedor, que o mais se descobrirá aqui mesmo por força da realidade circunstante. Agora, eu me empenho em lhe levar esta palavra de confiança, de agradecimento, em nome de quantos se viram sob o seu manto protetor, e de fé em que a sua vida se coroará de felicidade, porque nada existe no mundo mais satisfatório para os espíritos do que a realização dos objetivos da encarnação. Quanto a isso, posso afiançar-lhe, você está na linha de frente dos mais categorizados feitores da vontade do Senhor.
Para finalizar, saiba, Rafael, que não teria vindo elogiá-lo tão fragorosamente se não soubesse que, entre as suas qualidades, desponta a da modéstia, ao lado da humildade, e que não desejo envergonhá-lo perante a consciência, que lhe prega mais parcimônia no trato de suas próprias conquistas, sempre lutando por perceber, antes de mais nada, como é que poderia ter feito mais e melhor, em função de tornar o destino dos semelhantes ainda mais fecundo.
Aceite um comovido abraço deste seu pobre sobrinho, perante a riqueza de suas vibrações de amor e solidariedade humana.
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