Olhando superficialmente, o referendo realizado em 2005 para
saber a opinião do povo sobre o porte e a posse de armas ser ou não proibido no
Brasil era apenas mais uma etapa do processo democrático sendo posta em
andamento e a proposta vencedora seria colocada em prática. Digo “seria” porque
todos nós sabemos como o referido processo acabou, até porque referendo não
implica necessariamente em acatar o resultado por mais majoritário que seja,
como aconteceria caso se tratasse de um plebiscito.
Entretanto, hoje, muitos anos brigando, protestando e
apoiando toda e qualquer medida que vise revogar o desarmamento opressor
imposto pela ditadura disfarçada de democracia que tomou conta da cena em 1985,
eu me faço a pergunta: afinal, pra que serviu aquela merda? Qual a necessidade
sequer daquele referendo ter sido realizado? Não somos uma sociedade livre, que
deveria ser composta por pessoas de diferentes credos religiosos, etnias,
convicções filosóficas, opções sexuais e demais escolhas que fizessem cada um
pra suas próprias vidas, cada um dentro de seu espaço e quem não estivesse de
acordo com algo que buscasse outro que lhe fizesse melhor?
Hoje, mais maduro, observador e politicamente mais
consciente, observo a realização da pesquisa de forma diferente da anterior.
Simplesmente, ele não precisava ter acontecido. Não há, nunca houve e nunca vai
haver, do ponto de vista democrático, qualquer necessidade para que se pergunte
se alguma parcela da população é a favor ou não do porte e da posse de armas de
fogo, tanto quanto não tem nada a ver fazer um referendo para se saber se a
feijoada deve ser extinta, se o carnaval tem de ser banido ou qualquer outro
assunto. Por quê? Porque, ao menos na teoria, vivemos num país livre, onde toda
opção deve ser respeitada, inclusive a de se possuir ou não armas de fogo para
a própria defesa. Quem não se sentir seguro com elas ou simplesmente, por
qualquer motivo que seja, não quiser tê-las, simplesmente não as tenha. Mas não
foi isso que aconteceu, um lado simplesmente tinha que vencer, se sobrepor a
outro, como se o que mais importasse não fosse simplesmente o desarmamento,
mas, simplesmente, que houvesse uma forma de que, num país onde se é derrotado
em um sem número de aspectos, se fosse vitorioso em um, não importando o quão desnecessária
fosse essa “competição”.
A grande verdade, não estamos contentes tendo o que queremos
ou precisamos, não nos contentamos em cuidar apenas de nossas próprias vidas. O
grande problema do nosso povo é ter que meter o nariz nos problemas dos outros
para esquecer que sua existência é um amontoado de problemas não resolvidos.
Percebi isso em muitas ocasiões, mas o que me chamou a atenção sobre a questão
debatida foi uma ocasião em particular quando, há alguns meses, estava
conversando com alguns amigos no trabalho sobre o filme “a última tentação de
Cristo”, de Martin Scorcese e, ao comentar com um funcionário mais jovem sobre
a obra, ele me perguntou: “e este filme não foi proibido”? Me perguntei, “mas
por que deveria ser, só por que expõe um ponto de vista diferente sobre uma
determinado assunto”?
É apenas um exemplo, mas, automaticamente, meu raciocínio me
levou a uma conclusão inevitável, que estamos mais preocupados em impor nossos
pontos de vista, em colocar em prática a forma como queremos que eles sejam
postos em prática, em vez de simplesmente buscarmos um nicho cultural,
político, religioso ou filosófico em que possamos nos encaixar, cada um no seu
canto, independente daquilo que é defendido por este ou aquele grupo. E, muitas
vezes, algo que parece ser extremamente simples pode acabar se estendendo de
tal forma a ponto de prejudicar interesses de alguns, que, no caso do desarmamento,
representam uma maioria esmagadora que não quer perder seu direito à defesa,
quando seria muito mais simples se quem apreciasse este direito pudesse ter
suas armas e quem quisesse abrir mão deste mesmo direito, simplesmente vivesse
de acordo com o que acha melhor. E que, em ambos os casos, se vivesse de acordo
com suas escolhas e possíveis consequências delas.
Mantenhamos o foco...