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Artigos-->A HETERONÍMIA OU A ALMA COMO MULTIPLICIDADE -- 28/10/2000 - 02:08 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




A HETERONÍMIA OU A ALMA COMO MULTIPLICIDADE EM FERNANDO PESSOA







João Ferreira





O problema da dupla e da múltipla personalidade tornou-se um tema comum na psicologia e na literatura desde o final do século XIX. Gostaríamos de o focalizar hoje no pensamento e na poesia de Fernando Pessoa, famoso inventor da heteronímia literária, ou seja, da escrita sob a capa de diferentes nomes representando várias personalidades literárias no seio da psiquê de uma só pessoa.

A gênese da heteronímia foi profundamente explicada pelo próprio Fernando Pessoa numa carta a Adolfo Casais Monteiro , datada de 13 de janeiro de 1935. Também datado de 1935, deixara um manuscrito onde se conta a gênese dos heterônimos. Na carta a Casais Monteiro fala dos outros eus, da gênese e da justificação da heteronímia. Na abertura do texto da gênese dos heterônimos Fernando Pessoa diz textualmente: “Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades científicas, sonhos meus rigorosamente reconstruídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas[...] Esta tendência[...] desenvolveu-se[...] tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito . Hoje já não tenho personalidade. Quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha ”. Na carta a Adolfo Casais Monteiro diz: “A origem dos meus heterônimos é o fundo traço de histeria que existe em mim.

Indo da tendência para a multiplicidade para a criação literária, Fernando Pessoa salvou a heteronímia através da escrita de belíssimos poemas assinados por Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Alexander Search e pelo próprio Fernando Pessoa, além do livro do desassossego de Bernardo Soares, uma valiosa obra de reflexão filosófica .

Para entendermos melhor o estado de espírito que levou à formulação da teoria do heterônimos, seria útil, ler alguns textos pessoanos e uma base explicativa da psicologia analítica que fala da multiplicidade da alma e da fragmentação. Eis uma pequena contribuição para isso.



A – TEXTOS DE FERNANDO PESSOA SOBRE A MULTIPLICIDADE DA ALMA



I - Não sei quem sou nem que alma tenho



Um dos princípios mais claros na formulação da multiplicidade da alma em Fernando Pessoa está em alguns textos de Páginas íntimas e de auto-interpretação.

É célebre este texto:

“Não sei quem sou, que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros). Sinto crenças que não tenho Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.

Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com imensos espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas”(FERNANDO PESSOA- Obra Poética e em Prosa.Vol. II. Porto: Lello & Irmão, 1986, p.1013).



II - Sê plural com o universo (Ib. II, p. 1014).



III - Criei em mim várias personalidades



“Criei em mim várias personalidades”- escreve ainda Fernando Pessoa. “Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu, imediatamente logo ao aparecer sonhado, encarna numa outra pessoa que possa sonhá-lo e eu não.

Para criar, destruí-me Tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena única onde passam vários autores representando várias peças” (FERNANDO PESSOA, Obra Poética e em Prosa, vol. II.Porto, Lello & Irmão, 1986, p. 1014).



B- A MULTIPLICIDADE DA ALMA VISTA PELA PSICOLOGIA



O livro “Jung. O Poeta da alma” de Amnéris Maroni (São Paulo: Summus Editorial, s.d.) dedica um capítulo à temática “A alma como multiplicidade”. Recortamos:

“Na psicologia analítica, a alma é múltipla um todo divisível e mais ou menos dividido.. Segundo Jung, embora as partes separadas estejam ligadas entre si, são contudo relativamente independentes, a tal ponto que certas partes da alma jamais aparecem associadas ao eu, ou a ele se associam apenas raramente. São essas partes da alma que o autor denominou de complexos autônomos ou fragmentos psíquicos desprendidos. Em um artigo de 1929, “Problemas da Psicoterapia Moderna”[...], Jung definiu o complexo como pequena psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria. De acordo com esta teoria, o complexo do eu é apenas um, dentre vários, e constitui o centro da consciência humana. Os outros complexos aparecem associados, mais ou menos frequentemente, ao complexo do eu, e, deste modo, se tornam conscientes, mas às vezes esses complexos não se associam ao eu. Os complexos autônomos da psique são a base dos sonhos, visões, alucinações patológicas e idéias delirantes,etc.

Os complexos de tonalidade afetiva redescobertos por Jung, via método de associação, colocam em questão o poistulado ingênuo da unidade da consciência que é identificada com a psiquê e da supremacia da vontade. Em um artigo de 1907, “A psicologia da demência precoce”, Jung enfatizou a relação entre afeto, corpo e complexos. Uma forte tonalidade afetiva sempre acompanha os complexos de grande envergadura e vice-versa, e os afetos fortes sempre escondem um complexo de grande envergadura. Toda a constelação de complexos implica um estado perturbador de consciência: as intenções da vontade são dificultadas, quando não impossibilitadas e a própria memória é às vezes profundamente afetada. Pensamento e ação são constantemente perturbados e por vezes distorcidos por um forte complexo. Quando isso ocorre, o complexo do eu deixa, por assim dizer, de constituir a totalidade da personalidade. Daí se deduz que o complexo é um fator psíquico que em termos de energia possui um valor que supera às vezes o da intenção consciente.

Para Jung, um complexo ativo nos coloca por algum tempo em um estado de não-liberdade, de pensamentos obsessivos e ações compulsivas para os quais, sob certas circunstâncias, o conceito jurídico de imputabilidade limitada(sic) seria o único válido. Os complexos não dão apenas provas impressionantes, indicativas da divisibilidade da psique, mas também uma demonstração da relativa independência e autonomia dessas partes.”

(Ib. pp.91-92).

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