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Contos-->A CASA NO ALTO DA MONTANHA (integral) -- 04/09/2003 - 20:30 (Edmar Guedes Corrêa****) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CASA NO ALTO DA MONTANHA



I

Santa Paula era um pequeno lugarejo a vinte quilômetros de Juiz de Fora. Habitantes mesmo não chegavam nem a cem. Contudo, por ser um lugarejo pequeno, quase todos se conheciam. E não havia quem não soubesse de quem fulano era parente. Na verdade, Santa Paula era o que poderíamos chamar de uma verdadeira comunidade.
E era naquela comunidade que tudo que se passava, tornava-se conhecido de todos.
Não muito distante de Santa Paula havia uma casa no alto da montanha. A casa pertencera a uma família querida no distrito. O antigo proprietário, Sr. Francisco, vendera o imóvel e foi embora para a cidade. A casa permanecera fechada e o novo proprietário nunca havia sido visto. Ninguém sabia quem e como ele era.
Com o passar das semanas, a curiosidade daquele povoado aumentava. A cada dia surgia um novo boato sobre o misterioso proprietário daquele pedaço de terra. E a cada boato, crescia mais o desejo de saber quem ele era. Não havia quem, ao passar pela estrada em frente ao imóvel, não olhasse com atenção para a construção na expectativa de algum movimento suspeito indicasse a presença do novo proprietário.
Após dois meses, fechada, sem que se visse o menor sinal de presença humana no local, alguns moradores chegaram a cogitar a organização de uma expedição para ter certeza de que o novo proprietário não havia aparecido.
O plano só não foi adiante porque o idealizador da idéia caíra doente de forma misteriosa. E o plano teve que ser adiado por tempo indeterminado.
Certo dia um morador do local chegou com a notícia de que havia visto um veiculo saindo da propriedade. Essa notícia aguçou ainda mais a curiosidade dos moradores de Santa Paula. Se por algum motivo o novo proprietário não queria aparecer para não chamar a atenção, sua atitude estava justamente tendo o efeito contrário.
Em qualquer rodinha de conversa, o assunto era o mesmo: o misterioso dono da casa no alto do morro.
Mais algumas semanas se passaram sem que surgissem novidades. O povo do lugarejo não agüentava mais de tanta curiosidade.
Numa segunda-feira, um morador relatou que vira na noite anterior um carro chegando à propriedade por volta da meia noite.
-- Achei aquilo muito estranho. Por quê alguém ia chegar num lugar daqueles a uma hora daquelas? – comentou o morador. – O estranho é que passei por lá na manhã seguinte e não vi mais o carro e nem sinal de gente no local.
A notícia correra solta. Ao final do dia todos já sabiam da novidade.
Esperava-se que em breve o novo proprietário fosse das as caras. Não era possível que uma hora tivesse que vir à Santa Paula para comprar alguma coisa.
Nada do novo proprietário aparecer.
O antigo proprietário também não voltara ao distrito para fornecer pistas sobre o novo proprietário. Desde que se fora para a cidade, ninguém mais tivera notícias dele. Isso tudo compunha um mistério dos mais intrigantes.
Talvez tudo não passasse de coincidências. E principalmente falta do que falar daquele povo mexeriqueiro de Santa Paula. É de conhecimento público que os moradores de pequenos lugarejos são os que inventam as mais absurdas histórias. E o pior de tudo é que acreditam nelas.
Nesse caso, porém, temos que admitir um quê de mistério. Parece haver algo de estranho nisso tudo. E confesso que até eu estava intrigado com tudo isso.
Quatro dias depois que foi avistado um veículo na propriedade da colina, outro morador de Santa Paula viu marcas recentes de pneu na entrada da propriedade. Pelos detalhes das marcas, não havia dúvida de que foram deixadas na noite anterior.
A pergunta que ocorria a todos os cantos era uma só: por que o novo proprietário só aparecia tarde da noite e voltava antes de amanhecer?
A curiosidade do povoado chegou a tal ponto que uma segunda expedição foi organizada.
Alguns moradores resolveram partir ao anoitecer e ficar de guarda durante algumas noites para tentar descobrir que mistério rondava naqueles acontecimentos. Queriam tentar ver o rosto desse morador e pegar a placa do carro para obter informações em Juiz de Fora. Alguém na cidade haveria de saber algo sobre o proprietário do veículo. Não haviam visto ainda a pessoa, mas tinham certeza que era um homem.
No sábado à noite, pouco depois das onze horas, o grupo partiu. Era formado por três homens. Levam a tiracolo num embornal uma garrafa de café forte, alguns pedaços de bolo caseiro e lanternas.
Poucos metros da fazenda, os homens se esconderam e ficaram de vigília. Para passar o tempo tomavam café e contavam causos.
Aguardaram até as três e meia da manhã e nada de aparecer alguém. Concluíram que se ele não havia aparecido até aquele horário, certamente não viria mais. E aquela noite estava perdida.
Para não perder a empreitada, por completo, um dos homens propôs a chegada até a residência para investigar o interior.
Foi o que fizeram.

II

A empreitada por sua vez foi frustrante. As janelas estavam bem fechadas e não era possível a visão do interior da casa. Nem mesmo por alguma fresta ou pelo buraco da fechadura era possível ver um milímetro se quer. Simplesmente não se ver nada.
Som algum vinha do interior. Parecia que realmente não havia viva alma ali. Do lado de fora também não havia marcas de pegadas. Era como se não aparecesse gente ali a pelo menos três ou quatro dias.
Um dos integrantes do grupo até propôs arrombar uma das portas e invadir a casa; mas os demais se opuseram. Eram homens de bem e pessoas corretas. Além do mais, até onde sabiam, não havia motivos para se invadir a casa de um desconhecido. Por isso, acabaram voltando para casa com a promessa de regressarem na noite seguinte.
Por volta da uma hora o carro apareceu. Era um carro preto. Não se podia identificar o modelo e a marca, mas a placa foi anotada. Ainda bem que alguém se lembrou de levar uma caneta.
Ficaram aguardando para ver quantas pessoas saiam do carro. Mas quando o carro estacionou, desceu somente um homem carregando um pacote. Via-se que carrega algo frágil, provavelmente alimentos.
Estava muito escuro e não deu para ver a fisionomia daquele homem. Pela silhueta via-se que aparentava ser um homem alto, forte e de meia idade.
Após descer do carro, o homem adentrou a casa.
Havia um grande silêncio. Os homens pensaram em se aproximar na tentativa de ouvir alguma coisa, todavia preferiram não se arriscar. As informações obtidas eram suficientes para descobrir alguma. Agora poderiam ir para casa.
Não foram. Por dois a um foi decidido que aguardariam para ver até que horas o dono da casa ficaria ali. Alguma coisa de extraordinário poderia acontecer e ajudar na elucidação do caso.
O silêncio foi quebrado pelo som de música vindo do interior da casa. Não se sabia a que compositor pertencia, mas não restava a menor dúvida de que era de um daqueles cujas músicas são tocadas em casamentos. Não havia som de voz, somente instrumentos.
Uma coisa que chamou a atenção daqueles homens a espreita foi o alto volume do som. Por que o som ligado naquela altura? Aquele homem seria meio surdo? Ou era apenas uma questão de gosto? Muito estranho.
Aguardaram até as três e quarenta da manhã quando o carro partiu. Não se entendia como alguém poderia chegar a uma e partir depois de três horas e meia. Por que não esperar o dia amanhecer? Era como se a pessoa não quisesse ser vista por ninguém.
O mistério só ganhou mais força. Naquela manhã mesmo o integrante mais velho do grupo, Seu Vicente, partiu para Juiz de Fora com o intento de obter informações acerca do proprietário do veículo cujo número da placa estava em seu poder. Enquanto isso, os demais ficaram responsáveis de ir a casa e dar mais uma olhada.
A única certeza que os moradores se Santa Paula tinham era de que havia algo de errado com o novo proprietário daquele pedaço de terra. E algo dizia que o mistério seria elucidado naquele mesmo dia.

III

Enquanto o Sr. Vicente fazia suas buscas por Juiz de Fora, os outros dois foram fazer suas buscas no próprio local.
O sol brilhava forte quando partiram. Haviam acabado de almoçar ainda há pouco. Não sabiam ao certo bem o que procurar e como procurar, mas isso não os desanimava em nada. No fundo, sabiam que acabariam encontrando alguma coisa.
A primeira providência foi dar uma volta pela casa para ter certeza de que não havia ninguém na residência. O que foi constatado de imediato pelo silêncio imperante no local.
Do lado de fora não encontraram nada relevante. Não havia nada que pudesse fornecer uma pista sobre o misterioso dono do imóvel. Uma única coisa chamou a atenção daqueles dois homens. Num depósito de lixo, alguns metros acima, encontraram objetos de uso pessoal feminino. E até onde sabiam, só havia aparecido ali um homem. Além disso, encontrar talheres, copos e pratos descartáveis em quantidade considerável não avançava em nada as investigações. De que adiantava saber que duas ou mais pessoas haviam estado ali, se continuavam sem saber quem era?
-- Continuamos como começamos – disse o Sr. Francisco.
-- É verdade! – exclamou o outro. – Só nos resta fazer uma coisa: arrombar uma porta ou uma janela e entrar na casa.
-- Mas isso é ilegal!
-- E por acaso o que estamos fazendo é legal?
-- É mesmo! Mas não trouxemos ferramentas.
-- Ali naquele depósito – apontou – deve ter um pé-de-cabra ou algo parecido – disse o Sr. Zé Pedro. – Vá lá e ver o que acha enquanto eu vejo a melhor maneira de entrar na casa sem fazer muito estrago.
E assim fizeram.
-- Você tinha razão! – exclamou o Sr. Francisco.
-- A janela da cozinha possui uma fechadura simples. Com cuidado conseguiremos arrombá-la sem fazer estragos. Depois e só darmos um jeitinho e o dono nem vai dar conta de que foi forçada – explicou o Sr. Zé Pedro, tomando o pé-de-cabra das mãos do amigo.
Em questão de minutos a janela estava aberta.
-- Não te disse que seria fácil!
Deram uma olhada pela cozinha antes de entrar. Mais uma vez não havia sinal de presença humana naquela casa.
Entraram.
A primeira providência foi andar a passos leves em direção aos quartos. Era necessário ter certeza de que não havia o menor perigo. E isso foi feito em poucos instantes.
-- Não há perigo! Não tem ninguém! – exclamou o Sr. Zé Pedro.
-- Vamos dar uma olhada na sala. Talvez possamos encontrar alguma pista. – sugeriu o outro.
Não havia muita coisa na sala. Nas paredes alguns quadros antigos. Eles ainda estavam no mesmo lugar muito antes da casa ser vendida. No lugar do antigo sofá, havia outro em estado seminovo; e onde jazia uma enorme estante de livros, encontrava-se tão somente uma mesa com um aparelho de TV em cima. Além disso, as antigas cortinas ainda protegiam as janelas.
Via-se que o proprietário não se importava muito com a mobília da casa, pois o mesmo se aplicava a outros cômodos da casa. E isto facilitava a busca. Apesar de não encontrarem nada do que procuravam.
E quanto mais procuravam, mais intrigados aqueles dois homens ficavam. Não havia nada de suspeito na casa. Essa era a verdade. Tudo era tão normal como em qualquer outra residência.
Nos quartos jaziam em cada uma cama e um guarda-roupa embutido. No quarto de casal, havia também uma mesa e um criado mudo. Nada mais além. Ao que parece tudo havia pertencido ao antigo dono. Até mesmo alguns jogos de cama davam a impressão de não serem usados a muito tempo.
O Sr. Zé Pedro procurou nas gavetas alguma fotografia ou documentos do novo proprietário. Mas nada encontrou. Estavam praticamente vazias. Havia somente um par de laços de fita cor de rosa. Aquilo lhe causou estranheza. “Para que esses laços de fita?”, pensou ao examiná-las. Todavia, guardou-as no mesmo lugar em que as encontrara.
-- Parece que vamos continuar sem saber quem é esse sujeito – gritou o Sr. Francisco do outro quarto.
-- É verdade! – respondeu o outro.
-- Espero que o Vicente tenha mais sorte em Juiz de Fora.
-- Não sei não!
-- A impressão que tenho é de que essa pessoa não quer ser identificada de jeito nenhum.
-- Eu tenho essa mesma impressão! – exclamou o Sr. Zé Pedro. – Acho que vamos continuar sem saber quem é o dono dessa casa.
-- Será?
-- É capaz, compadre. E o melhor que temos a fazer é ir embora – disse, indo em direção à cozinha, por onde entraram.
Os dois homens deram uma última olhada para certificar se não haviam deixado nada fora do lugar.
-- Essa casa não tem um sótão? – perguntou o Sr. Francisco.
-- É verdade! Você tem razão. Cheguei a descer até lá uma vez, quando fomos naquela pescaria pouco antes do natal.
-- Eu me lembro do seu João comentar que guardava suas tralhas lá – comentou o Sr. Francisco. – Mas onde é a entrada?
-- Mas lá não deve ter nada! Vamos encontrar é muita tranqueira e ratos lá embaixo.
-- Já que estamos aqui, não custa dar uma olhada.
-- Isso é verdade – concluiu o outro. -- A entrada é aqui pela cozinha. Naquela porta – disse apontando.
Dirigiram até a porta.
-- Está trancada – comentou o Sr. Francisco, após tentar abri-la. – E a fechadura foi trocada há pouco tempo. Ainda está novinha.
-- Só me faltava essa! Mas deve ter uma chave em algum lugar.
-- Há umas chaves dependuradas atrás da porta daquele armário em cima da pia. -- lembrou o amigo.
-- Então vá lá buscar, homem! – pediu o Sr. Zé Pedro.
Não era possível saber o que seria encontrado lá embaixo, mas a intuição daquele homem e a troca da fechadura da porta abriam uma possibilidade. Ninguém troca uma fechadura e deixa uma porta muita bem trancada sem motivos aparente.


IV

-- Tem uma porrada de chaves aqui. Como vou saber qual que abre essa porta?
-- Traga todas, homem! – bradou o Sr. Zé Pedro.
O homem pegou as chaves que encontrou e as levou.
Havia chaves de diversos tipos e tamanhos. Algumas estavam enferrujadas, outras, porém, pareciam que foram feitas a poucos dias.
Não foi difícil encontrar a chave da porta. Via-se que a fechadura fora trocada recentemente.
O Sr. Francisco deu duas voltas na fechadura e num instante a porta entreabriu. A claridade invadiu o espaço e então puderam ver a escadaria que levava ao piso inferior.
Não era possível enxergar o final da escadaria. Por isso procuraram o interruptor. O qual foi encontrado ao lado esquerdo da parede.
Ao acenderem a luz, descobriu-se que ao final da escada havia outra porta. Os homens desceram as escadas. Era uma porta de ferro e fora colocada recentemente.
-- Estranho! Esta porta não estava aqui antes – comentou o Sr. Zé Pedro.
-- Eu não sei, porque nunca desci até aqui.
-- Mas nem precisa. Está na cara que esta porta foi fixada não faz muito tempo.
-- É mesmo – anuiu o Sr. Francisco. – Mas que diabos este homem esconde atrás dessa porta? – perguntou em seguida.
-- Eu sabia que tinha algo de estranho nisso tudo. Agora eu tenho certeza que, ao abrirmos esta porta, o mistério vai ser solucionado.
Além da fechadura, ainda existiam dois tricôs tão fortes que seria incapaz a qualquer ser humano arrombar aquela porta. Não se sabia o que estava do outro lado, mas fosse o que fosse, estava guardado a sete chaves.
-- Agora, Só falta não termos a chave dessa porta!
-- Calma, Seu Zé! Deixe-me ver se alguma dessas serve! – disse aquele que estava com as chaves. Olhou a fechadura e procurou no molho a chave correspondente. – Acho que é essa aqui.
Quando o Sr. Francisco levou a chave à fechadura, escutaram o barulho de carro. Alguém havia chegado. “Puta merda! Só me falta essa agora!”, pensou ele retirando a chave.
Os dois homens entreolharam-se e assustados subiram correndo as escadas. Talvez com o intuito de se esconderem em algum outro cômodo da casa. Nesse instante a buzina do carro disparou.
Antes de surgirem na cozinha, eles pararam para ver se não seriam visto. “Quem será que veio aparecer logo agora?”, perguntou-se o Sr. Zé Pedro. Pensativos, os dois homens cochicharam:
-- Será que o infeliz resolveu aparecer justo agora? – Inquiriu o Sr. Francisco.
-- Não, não deve ser ele não. Se fosse não ia buzinar.
-- Isso é mesmo!
O homem desceu do carro e ficou olhando através da janela entreaberta, a procura da presença de alguém na casa. A seguir, bateu palmas e chamou:
-- Ola! Tem alguém em casa?
Os dois amigos no interior da casa entreolharam-se novamente.
-- Quem será que ele está procurando? – inquiriu o Sr. Zé Pedro. – Vou lá fora ver o que ele quer. Acho que não vai ter problema algum.
-- Não sei não! – exclamou o outro. – Não é melhor aguardarmos até que ele vá embora?
-- Que nada! Pelo jeito não conhece ninguém aqui. Além do mais, seja lá quem está procurando está mal informado. E quem sabe ele nos pode até dar alguma informação sobre o dono da casa.
-- Nesse caso, você tem razão! – concordou o Sr. Francisco. – Toma as chaves. Vê se alguma abre a porta da cozinha.
-- Opa!... Pois não amigo! – Disse o Sr. Zé Pedro mostrando-se na janela pela qual entraram.
-- Boa tarde! – cumprimentou o visitante, ao aproximar-se da janela.
-- Boa tarde! Em que posso ajudá-lo. – O Sr. Zé Pedro experimentou as chaves até encontrar aquela que abria a porta.
O visitante se apresentou e perguntou pelo proprietário do imóvel. Então o Sr. Zé Pedro respondeu-lhe que ele não se encontrava.
O homem principiou a ir embora, mas o outro não queria perder a oportunidade de tentar arrancar alguma informação. “Se ele veio até aqui, é porque sabe que essa casa pertence a quem está procurando...”, pensou ele.
-- Eu também estava precisando falar com ele, mas acabei perdendo o telefone. Não sei como eu faço para entrar em contato com ele – mentiu. Foi a única desculpa que conseguiu inventar. – Por acaso o Senhor vai se encontrar com ele em Juiz de Fora?
-- Com o Sr Albério?
-- Eh! Com o proprietário! – exclamou o Sr. Zé Pedro. “Então ele se chama Albérico!... Pelo menos o nome já sei...”, pensou ele.
-- Não, não! Eu pensei que ele morasse aqui. Eu só tenho o telefone do escritório onde ele trabalha, mas liguei para lá e me disseram que ele estava de férias. Então pensei que poderia encontrá-lo aqui. Mas infelizmente vou ter que dar outro jeito. Pois precisava falar urgentemente com ele. – falou o visitante, parado ao lado do carro segurando a porta do motorista que estava aberta.
-- O Senhor não quer me deixar o telefone do escritório dele. Eu vou tentar encontrá-lo porque estou precisando de alguns materiais. Ele me disse para ligar que ele trazia da cidade, mas não sei como fazer. Pelo menos eu peço o telefone dele no escritório ou deixo a lista de material e eles entregam a ele.
-- Não sei se tenho aqui. Deixa-me dar uma olhadinha para ver se trouxe a minha agenda – disse o visitante entrando no carro. Procurou no banco traseiro sua agenda. Pouco depois levantou com um livro preto na não. – Deixe me ver! – falou, folheando o livro preto. – Aqui está. Você tem um pedaço de papel aí?
-- Não senhor! Só se eu der uma olhadinha lá dentro.
-- Não pode deixar. Eu devo ter por aqui.
O homem folheou a agenda até que encontrou um. Em seguida, retirou a caneta do bolso da camisa, anotou o número de telefone no pedaço de papel e o entregou ao Sr. Zé Pedro.
Houve ainda uma troca de diálogos por mais um minuto, até que o homem se despediu, entrou no carro e partiu.
O Sr. Zé Pedro voltou para dentro da casa e deu de cara com o amigo na cozinha.
-- Consegui o nome e o telefone do escritório onde ele trabalha – falou com orgulho, mostrando o pedaço de papel ao amigo.
-- Você é porreta mesmo, Seu Zé! Agora tudo fica mais fácil.
-- Claro que fica. Aposto que conseguimos mais informações do que o Seu Vicente. Duvido que ele vá descobrir muita coisa em Juiz de Fora. – O Sr. Zé Pedro sentia-se tão orgulhoso de si que até parecia que havia solucionado todo o mistério.
-- É verdade! Agora também nem interessa mais as buscas do Seu Vicente. Amanhã mesmo já saberemos tudo sobre esse tal de Senhor Albérico. É só ligarmos para o trabalho dele e perguntar onde ele mora.
-- Já que estamos com sorte hoje, vamos descer lá em baixo e abrir aquela porta. Assim a gente já fica sabendo o que tanto aquele homem esconde lá embaixo – chamou o Sr. Zé Pedro, com empolgação.
-- Não sei não! Mas estou com um mau pressentimento – disse o amigo, um tanto preocupado com todo aquele mistério acerca do proprietário da casa.
-- Que tem algo de muito estranho nisso tudo tem, principalmente porque aquele homem me disse que esse tal de Albérico está de férias.
-- Ele disse isso? – espantou o Sr. Francisco, mudando a expressão do rosto.
-- Disse sim. Mas se ele está de férias, então porque não vem aqui durante o dia. Que motivos ele tem para vir só durante a noite? – fez conjecturas o amigo.
-- Eu não te disse! Tem coisa podre nessa lama! – filosofou.
-- Vamos deixar de conversa fiada e vamos tratar de abrir aquela porta logo. Vamos tirar isso a limpo de uma vez por todas.
E assim os dois homens desceram às escadas, convictos de que o mistério estava do outro lado da porta. Fosse o que fosse, ao abri-la, encontrariam a resposta.


V

Quando finalmente abriram a porta o que surgiu diante de seus olhos foi algo inacreditável para aqueles homens simples do campo, acostumados a uma vida regada aos preceitos da religião cristã. Aquilo não poderia ser coisa de um ser humano, dotado de razão e consciência; aquilo só poderia ser coisa de um monstro ou de uma aberração da natureza.
Do outro lado da porta havia um portão de grades. Era um portão de grossas barras de ferro trancado com um enorme cadeado. Quem o colocou ali, queria ter certeza de que o que fosse trancafiado não tivesse a menor possibilidade de escapar. Mas não foi isso de chocou tanto os invasores.
Aquele compartimento do subsolo parecia mais com uma prisão. Era envolto por resistentes grades por todos os lados. O espaço era amplo, quase do mesmo diâmetro da casa. Via-se num dos lados três colchões estendidos no chão, forrados com lençol verde-musgo; um travesseiro e cobertas em cada um deles. Ao meio, havia uma mesa retangular de madeira, dessas que encontramos em bares e restaurantes. Na outra extremidade havia um banheiro improvisado com chuveiro. Não havia divisão alguma naquele salão. A iluminação era a única coisa que não deixava a desejar.
De pé, diante da grade de ferro, estavam três crianças: um menino de aproximadamente dez a onze anos e duas meninas um pouco maiores. O menino vestia somente uma sunga e as meninas uma camiseta branca cuja medida não correspondia ao porte físico das mesmas. Devido a longuidão da camiseta, não era possível saber se elas usavam outra peça de roupa. Ambas as crianças estavam descalço.
Aquela cena chocou profundamente aqueles homens. Como alguém poderia prender crianças assim como se fossem animais. Ainda mais aquelas crianças tão belas. Apesar de estarem despenteadas, via-se que a beleza foi um fator preponderante na escolha daquelas vítimas. Mas, mal sabiam aqueles homens que as histórias que as crianças tinham para contar eram bem mais estarrecedora.
A primeira providência foi tentar encontrar a chave para abrir o portão de ferro. Tentaram todas as chaves e nenhuma delas serviu. Quem as trancou não quis correr risco algum e preferiu levar a chave consigo. Essa foi a primeira constatação.
Ao se darem conta de que os dois homens poderiam salvá-las, as crianças entraram num estado de euforia tão grande que não paravam de implorar que as tirassem dali. Por mais que o Sr. Francisco e o Sr. Zé Pedro pedissem calma, elas pareciam não ouvi-los. “Por que seqüestraram os três juntos? Será que é para pedir um regate maior?”, pensou o Sr. Zé Pedro. Até aquele instante achavam que aquilo se tratava tão somente de um seqüestro.
-- Vamos ter que arrombar este portão – disse o Sr. Francisco.
-- È, não tem outro jeito! – volveu o outro. – Eu sabia que tinha algo errado com essa casa desde o começo.
-- Fiquem calmos que já vamos tirar vocês daí – pediu o Sr. Francisco. – Vá até lá fora e vê se acha alguma coisa para arrombar esse portão, homem!
-- Não é melhor chamarmos a polícia em Juiz de Fora?
-- Depois a gente faz isso. Vamos tirar essas crianças daqui primeiro.
Enquanto o Sr. Zé Pedro foi procurar uma ferramenta para quebrar a fechadura do portão o Sr. Francisco tentava acalmar as crianças.
Quando ele voltou com um pedaço de madeira na mão, viram que não conseguiriam nada com aquilo.
-- Não achei nada que sirva. O jeito é voltar lá em casa e trazer a caixa de ferramentas – sugeriu.
-- Então faça isso! – disse o outro. – Eu vou ficar com as crianças para acalmá-las e tentar descobrir mais alguma coisa sobre os seqüestradores. Aproveite e peça a Dona Rosalva para chamar a polícia na cidade.
O Sr. Zé Pedro saiu e o outro ficou com as crianças.
Após conseguir acalmá-las, ele conseguir interrogá-las. Elas contaram tudo o que havia se passado. As narrativas eram as mais chocantes possíveis. Lágrimas corriam de seus olhinhos assustados enquanto descreviam os momentos terríveis vividos desde o dia em que foram seqüestradas.
Então ele ficou sabendo de tudo que precisava saber. As crianças foram seqüestradas em dias e locais diferentes. Não se conheciam até se encontrarem prisioneiras no subsolo daquela casa.
O objetivo dos seqüestradores não foi um resgate, como chegaram a pensar os dois homens, mas usa-las na produção de material pornográfico. Tanto é que as crianças tiveram manter relações sexuais entre si e com os mesmos homens que as raptaram enquanto eram fotografadas.
Segundo a narrativa das crianças, um homem vinha a cada três dias para saber se estavam bem e trazer comida. (“Por isso havia tantas embalagens de bolachas e refrigerantes no lixo do lado de fora da casa”, pensou Sr. Zé Pedro.) Não tinham certeza do horário, mas tanto ele como os outros chegavam sempre no horário em que estavam dormindo. Por isso, era o momento mais terrível do dia. Ficavam apavorados só de imaginar que seriam acordados com a presença daqueles homens.
As crianças contaram que, quando vinham para fazer alguma coisa com elas, vinham sempre quatro homens: um era um homem meio velho, gordo e que fumava charuto. Ele devia ser o chefe de todos, porque foi o primeiro a manter relações sexuais com as duas meninas; outro também era um homem não muito novo, era magro e gostava de obrigar as meninas a fazer sexo oral, e era também o que mais as machucava. Os outros dois eram rapazes mais novos. Um gostava ficar só brincando com as meninas, era delicado com elas e procurava não machuca-las. O outro não gostava de meninas, o negócio dele era o menino.
Segundo o menino, cujo nome era Daniel, o rapaz levava-o para um dos quartos e fazia de tudo com ele; desde fazer de conta que o menino era sua namorada até fazer de conta que o menino era seu namorado. Segundo seu relato, quando o rapaz fazia de conta que o menino era o homem não era muito ruim, mas o contrário era a ruim demais. Apesar de trata-lo com delicadeza e fazer o possível para não machuca-lo, doía muito quando era a mulherzinha do casal.
Rafaela, a menina mais velha, disse ter 13 anos e segundo ela, em uma das oportunidades, foi obrigada a se deitar com os dois homens mais velhos de uma só vez. Foi o pior momento que passou naquela casa. Chegou a pensar que ia morrer quando foi obrigada a se deitar de bruços e, enquanto o homem gordo mantinha relações com ela, o outro a obrigou a fazer sexo oral consigo. Eles se divertiam enquanto ela sentia vontade de vomitar com aquela coisa grande e horrorosa na boca. Mas quando o deleite de sabor horrível foi parar entre seus lábios ela não pode conter o vômito. Por causa disso, levou bofetadas.
As crianças contaram também que faziam isso uma vez por semana e que depois ficavam tão machucadas que sentiam dores durante três dias. Nesse ínterim mal conseguiam caminhar e ir ao banheiro era uma tortura. Descobriu-se também que as crianças não eram de Juiz de Fora. As duas meninas eram da capital fluminense e o menino de Três Rios.
Quando as crianças ainda faziam o relato das atrocidades por que passaram nas cinco semanas aprisionadas naquela casa, o Sr. Zé Pedro chegou com as ferramentas para liberta-las.
As crianças foram levadas para Santa Paula até que a polícia chegasse. Quatro horas depois do chamado, duas viaturas cruzaram a rua principal do distrito. Então as crianças foram interrogadas novamente, para se descobrir os responsáveis por aqueles atos indignos de qualquer ser humano.
Horas depois os quatro acusados eram presos em suas próprias casas. Na casa do rapaz homossexual foram encontradas as provas definitivas: centenas de fotografias mostrando a violência com as crianças, CDs de computador e aparelhos para cópias de gravação desses CDs. Além disso, uma lista contendo dezenas de nomes de pedófilos espalhados por vários países também foi apreendida.
O incrível de tudo isso era que os acusados eram pessoas pertencentes à alta sociedade de Juiz de Fora e do Rio de Janeiro. Os dois homens mais velhos eram empresários bem sucedidos e pais de família. Dr. Albérico, o proprietário do imóvel, o senhor gordo, o mais velho de todos era um médico pediatra e administrador do maior hospital de Juiz de Fora. Além disso, era pai de quatro filhos e avô de nove netos.
A prisão dos acusados causou tamanha comoção na cidade, que tiveram que ser transportados para uma prisão no Rio de Janeiro para não serem linchados.
Atualmente os acusados aguardam julgamento e as crianças foram devolvidas às suas famílias. Devido ao trauma, fazem tratamento psicológico duas vezes por semana.

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