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Poesias-->PIERCING NO UMBIGO -- 16/10/2004 - 14:26 (João Ferreira) |
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PIERCING NO UMBIGO
EM PLENA RUA
Jan Muá
16 de outubro de 2004
I
Esta é a rua
O chão urbano que todos pisam
Por onde todos passam
O lugar necessário
Amado e execrado
O asfalto batido pela chuva
Abrasado pelo sol
A pista ladeada por lojas e butiques recheadas
O espaço por onde caminhamos diariamente para encontrar o necessário
Para ir à mercearia à farmácia
Ou à padaria
É o ghetto onde os engraxates nos procuram para oferecer seus serviços
Por onde os pequenos caminhões passam carregando a farinha
Que irá fazer o nosso o pão
Por onde os desempregados carregam sua revolta e ilusão
II
Pela rua passamos quando demandamos o posto ou o restaurante
A loja de conveniências
A florista.
Na rua estou eu também agora
Aqui armei um observatório com cadeira e mesa
E ajustei a retina de meus olhos
Para servir de teleobjetiva
Quero que ela me relate o movimento variadíssimo
Nesta manhã de primavera
III
A manhã está agradável e fresca
Os carros correm perigosamente num tráfego apertado
As pessoas vêem isso e nem sequer protestam
Algumas delas caminham em direção à padaria
Para comprar pão e leite
Outras em direção à farmácia para comprar aspirina C
Outras vão na lanchonete para tomar café
Outras simplesmente caminham e escolhem as faixas de pedestres
Ou a direção do parque
IV
Há uma moça bonita que entra na butique
Que anuncia terninhos femininos a 99,90 reais
Eu visto a camisa de repórter
E me posiciono e vejo gente entrando no açougue
Comprando picanha para o churrasco a 12,99
O movimento está aumentando de hora para hora
As pessoas ainda não se acotovelam
Mas os passeios já vão estando quase congestionados
Elas param e olham as vitrines
V
Algumas jovens mulheres acabam de descer das quitinetes
Dos blocos comerciais da quadra
Caminham elegantes e mostram suas barriguinhas com piercing no umbigo
Ali ao lado há um studio onde um grupo de rock ensaia
Estridentes canções de vanguarda
No terceiro andar há uma academia
Com vários jovens de faixa preta
Na esquina um bar-restaurante com jogo do bicho
Na outra esquina uma florista
E um senhor nordestino vendendo coco em promoção a um real
E churrasquinho popular
VI
Na prumada há um destacado salão de beleza
Onde mulheres e homens gostam de ensaiar reflexos e penteados
Que os levem a uma mais elevada auto-estima
Vejo também um armarinho e quatro drogarias e farmácias
Em pontos estratégicos
E também a porta de uma casa xerox onde as pessoas param para tirar cópias urgentes
VII
A rua está cheia de vida
Por ela passam as crianças os jovens as belas mulheres
Os homens de negócios os vagabundos os excluídos
E os velhinhos
A rua é a casa de todos
Por isso a rua é tensa
Porque ela carrega em suas veias e artérias toda a pressa do mundo
Cada um encasqueta em sua cabeça a absoluta urgência
E vai...na demanda do sonho...
Todo o mundo quer chegar em primeiro lugar
Ninguém quer filas...
VIII
Há no topo da quadra um moderno posto de lavagem mecânica de carros
Entre imagens presentes e passadas toda a rua registra capítulos de uma novela potencialmente realizada em filme
Roçando a minha mesa de olhos vivos passa moderninha
A moça de blusa azul
Em dez minutos registro vinte pessoas entrando na farmácia
Sendo que a maior parte delas vai subir na balança para ver o peso
Virou quase uma fixação esse negócio de peso
Agora é a moça que veste jaleco branco em cima de uma blusa vermelha
Também ela entra na farmácia e vai logo para a balança
Já se despachou e vem para a rua me olhando fixamente
Querendo saber a cor de meus olhos.
IX
Entre os blocos do meio há uma araucária
Representação da paisagem do Sul do Brasil
No meio das multidões há pessoas que se arrastam com molenguice
Vemos sempre tipos repetitivos
Alguém com a sacolinha plástica do pão comprado na padaria
X
Entre todas as figuras registradas
Destaco aquela jovem secretária do lar
Moreninha do Maranhão
Vinte anos na conta
De cabelo longo e rosto macio
Moderadamente altinha
Cintura de modelo
Blusa ajustada nos volumes e nas curvas
Meia calça bem vestida
Impondo seu ritmo de charme feminino brasileiro
X
Numa rua dominada pela pressa
Com gente afobada pensando nos recados que leva em mente
Gente que esqueceu a valentia do viver
Há ainda a registrar
O barulhinho romântico de um par de pombinhos
Trocando mimos e arrulhos
Que termina por ajudar a minimizar a velocidade dos carros
E a sensaboria das cabecinhas ocas que perderam o senso de viver
Estão no beiral do prédio
Junto da sacada da quitinete da menina azul
Envolvidos num quente namoro
Enquanto no fio da antena
Na esquina do parque um pardal inteligente pára
Para observar o movimento das bocas dos que vão no orelhão
A distribuir mensagens para alguém.
XI
Esta é a minha rua
A rua das pessoas, das moreninhas do Maranhão
Das farmácias e dos transeuntes
A rua da vida
Que se mostra e se vende inconscientemente
Sem marcação de horário.
Jan Muá
Brasília
16 de outubro de 2004
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