Tudo igual
maria da graça almeida
Olhos semicerrados.
A consciente ilusão equilibrava-a nas pontas dos pés.
Movimentos pendulares resultavam num balanceio
quase infantil .
Gratuita, a sensação de um talento bailarino.
No entanto, ela nunca fora boa naquilo e bem que
o sabia.
Rodeando seu corpo delgado, um par de braços
fortes, agasalhados na casimira preta e quente
do paletó surrado.
Exemplar único do velho armário. Pelo menos,
restara um que lhe garantira a entrada no salão,
onde, no portal, lia-se em letras negras e tremidas:
Traje social completo.
A orquestra esbanjava metais e, num senta e levanta,
os músicos exibiam o domínio do instrumento
traduzido pela precisão da execução.
O salão estava cheio. O casal nem sequer se dera conta.
Ali, ilhados, eram apenas dois e mantinham-se
atordoados pela proximidade excessiva dos corpos. Se o amor, de repente, chegasse, não o rejeitariam.
Porém, o amor não é bom bailarino, não possui
jogo de cintura. A dança esfola-lhe os pés e o
som dos instrumentos fere-lhe o ouvido.
E, assim, contundido, nessa noite, como em tantas
outras, o amor fora dormir cedo e com ele levara
a magia. E a sedução.
Horas depois, um homem e uma mulher reviram-se,
em camas separadas, cada qual em seu quarto
e casa. O baile acabou e com ele, o enlevo. E o
encantamento.
Os olhos, enfim, cerrados, os pés, exaustos
sob os lençóis.
Um suspiro abafado sustenta o refrão da solidão.
Vitoriosa, a rotina ocupa o mais alto degrau do pódio.
E o dia amanhece idêntico ao anterior.
maria da graça almeida
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