O tio era rico e o médico deu um diagnóstico terrível, de enfisema pulmonar avançado, devido ao excesso de fumo.
Não sobreviveria, talvez, ao próximo Natal.
Jarbas sempre desejou ir à Europa, em tempo de neve. E o Natal seria uma data tão propícia.
Conhecera Marina pela Internet, uma brasileira que vivia em Portugal, na bela cidade alentejana de Évora.
Já que o tio teria de morrer, por que não, antes do Natal? Seria um presente e tanto...
Pelo menos um mês. E só assim o sobrinho poderia apoderar-se do dinheiro, visto ser o único parente do "moribundo".
Numa crise maior, o velho internou-se na UTI de um hospital. Ainda bem que tinha um bom Plano de Saúde e o rico dinheirinho não iria ser "diminuído" com aquela internação inesperada.
Jarbas, como afetuoso sobrinho que sempre fora, desejava mesmo é que o querido tio se finasse logo, para não sofrer muito.
Já vislumbrava sua sonhada viagem à Europa, com parada prolongada em Évora, para ver a donzela.
Visitava o moribundo, todos os dias e o encontrava cada vez pior. Mas ele não morria.
Como podia resistir tanto a tão trágica doença?
Um dia, ao vê-lo todo entubado, cheio de aparelhos e fios pelo corpo, animou-o uma leve esperança de que seria o fim... E com isso, passaram-se dois meses e o velhote continuava lá, parecendo aprisionado a este mundo fétido. Mas não morria e o rapaz já se desesperançava.
Com o passaporte pronto... Tudo arrumado... Só faltava reservar a passagem aérea e confirmar a data em que chegaria.
Resolveu observar. Se notasse o tio querido ligado às máquinas, daria "um jeito" de o livrar daquele terrível sofrimento. Coitadinho!
Pediu ao médico que o deixasse passar ali as noites, para que o passageiro do além tivesse um pouco de afeto em seus dias derradeiros. O doutor louvou o gesto do jovem e falou-lhe da resistência do tio.
Começou, então a maratona final...
Levado por uma certa urgência, Jarbas tomou coragem e retirou um dos tubos que levava o ar aos pulmões do velho.
E ele se debatia e gemia... Debatia e gemia, num furor quase frenético. E o jovem retomava o cano e o colocava no devido lugar, para que ninguém desconfiasse de suas "boas intenções".
Todas as noites ia para o plantão. Mas o tio não morria.
E assim se passaram dez noites, no mesmo processo aflitivo: debatia e gemia... Debatia e gemia...
Na noite seguinte, o sobrinho teve uma trágica surpresa.
Ao chegar ao hospital, indo diretamente para a UTI, não encontrou mais o tio.
Seu rosto se iluminou de felicidade. Graças a Deus, o velho havia batido as botas. Maravilha! Já conseguia ver-se no avião, a caminho de sua maior aventura. Sentiu-se levitar.
Mas seu enlevo foi muito breve...
Veio o médico em sua direção e, com a mão, apontou-lhe a porta de uma enfermaria, que entrasse...
Jarbas quase caiu para trás, com a surpresa...
Lá estava o velho, sentado na cama, tomando o seu desjejum, trigueiro da vida, cheio de esperteza no rosto enrugado, pela idade e pela doença.
Antes que dissesse alguma coisa, gritou-lhe o tio, com a voz ainda fraca, mas firme:
- Ah! Sobrinho querido... Você me salvou a vida!
Quase mudo, o molecão nem conseguia raciocinar...
- Co... Co... Como, tio? Salvei-lhe a vida... Eu?! Mas como!?
Ao que o tio disse com orgulho e quase adoração:
- Lembra-se das noites em que você tentou me matar, retirando o tubo de ar?
- Matá-lo, Tio? Nunca!
- Sim... Matar-me... Mas não se envergonhe, não. Eu sei que era por caridade. E no seu lugar, também eu faria isso!
Mas, com a retirada do tubo, eu me obrigava a fazer esforço para respirar. Isso ativou-me os pulmões, curando-me o enfisema.
Não é uma maravilha?
E Jarbinhas, vendo todo o seu sonho ruir, respondeu:
- É.