Quem de nós jamais encontrou alguém falando o português de maneira estranha? E não estou falando dos muitos turistas que, normalmente, assassinam nosso idioma mas do próprio povo brasileiro e seu regionalismo, manifestado até na fala.
O simples fato de ter nascido no interior do Ceará (não que isso não ocorra em outros estados) já me proporcionou o privilégio de ouvir relíquias, bem distantes do sotaquesinho das novelas globais. Decidi, inconscientemente tornar-me um estudioso no idioma popular.
Começando pelas mais conhecidas: Vixi e Oxente; deixaram de ser meras palavras populares para tornar-se identidade, embora Ôsh seja muito mais falada pelos lados da minha cidade natal. Ouvi uma explicação sobre a origem dessa expressão. Disseram-me que ela surgiu quando os nordestinos entraram em contato com americanos durante a Segunda Guerra Mundial e ao ouvir o famoso palavrão shit – normalmente falado “O Shit!” – tentaram nordestinizar a coisa.
Quando ainda menino, ouvia um senhora, amiga da família, dizer que acordava cedo para barrer o terreiro... Novamente, me explicaram que a palavra barrer provinha o português de Portugal. Nunca achei tais explicações nos livros, só sei que, ainda hoje, não consigo entrar numa bodega sem chamar o dono de Seo Zé; sempre uso Vala! no lugar de Valei-me!; Tome! quando alguém trupica, ou melhor, tropeça; Arriégua! como expressão de admiração e muitas outras.
Certa vez, durante uma viagem ao sul do país, dividi o apartamento com outro rapaz durante um tempo. Naquela época, achar a tacha, ou frigideira, para fritar ovos era quase tão difícil quanto pedir para que ele não usasse minhas cruzetas. Sostô ele não entender que as cruzetas eram para botar (não é botar ovos) minhas camisas, depois de engomadas, no guarda-roupa. Sofri tendo que traduzir quase cinco sentenças entre dez que eu falava.
Há algum tempo atrás tive a bela notícia de que agora se pode encontrar nas livrarias o Dicionário de Ceares. Há um grande frivião, ou seja, agitação e espero que não passe rápido como um flash – que também é usado como sinônimo de zíper. É super embaraçoso quando o seu fleche está aberto.
Uma coisa é certa, isso contribuirá, mesmo que em escala menor para uma maior difusão dessas peculiaridades da cultura lingüística de cada região. Ao menos deixaremos de ser o povo do “português bem dizido, que deixa todo mundo de boca abrida... Num tem ninguém que correge.”