Daqui a dez anos, é provável que a mídia tenha esquecido Elián por completo. Outros fatos mais interessantes ocuparão as páginas dos jornais e os noticiários da televisão. Talvez o aniversário de nove anos do primeiro ser humano clonado. Talvez o efeito devastador de um imbatível vírus trazido por turistas que foram à lua. Talvez, enfim, uma entrevista com um alienígena de Júpiter.
Elián estará com dezesseis anos.
Certamente, ninguém se importará com a felicidade do menino que, em novembro de 1999, partiu de Cuba, acompanhando a mãe e outros refugiados em busca da ilusão de prosperidade na terra de Tio Sam.
Nenhum telespectador e nenhum editor de grandes jornais preocupar-se-ão com a maneira como Elián processará emocionalmente as imagens terríveis do afogamento de sua mãe e o desespero dos dois dias que passou agarrado à câmara de ar de um pneu para não morrer afogado, até ser salvo pela guarda costeira americana.
O governo de Cuba e facções do poderio americano, que, em 1999 e no limiar do ano 2000, transformaram a tragédia de Elián numa disputa política, com absoluta certeza, não se importarão com o rumo dado pelo garoto às contradições afetivas relacionadas aos inúmeros familiares adeptos de Fidel e aos poucos parentes refugiados que se deram bem na pátria de Al Gore, candidato à presidência dos Estados Unidos, o qual, à procura de bandeiras para sua campanha, abraçou a causa da permanência de Elián na sua terra.
Hoje, Elián é assediado por jornalistas, autoridades, curiosos, inocentes úteis. Grupos radicais e senhores caridosos dos Estados Unidos paparicam o menino, oferecendo-lhe passeios, presentes, nacionalidade americana, solidariedade. Seu destino interessa até ao Congresso dos Estados Unidos e ao presidente Bill Clinton, que considera correta a decisão do Serviço de Imigração de determinar a volta de Elián para Cuba, onde milhares de pessoas, insufladas pelas palavras de ordem de Fidel, pedem a volta do filho pródigo à pátria ultrajada.
Daqui a dez anos, esquecido por governantes, editorialistas, anticastristas e cubanos apaixonados, Elián, com seus traumas e suas memórias de uma infância tumultuada será um adolescente normal, que estuda, gosta de música e de garotas ? Ou terá escolhido o caminho das drogas e da criminalidade juvenil? Contará com o apoio de seu pai, que, no momento, empenha-se tanto em fazer valer seu pátrio poder? Terá comida e um lar ou perambulará pelas ruas das cidades grandes, como tantos jovens extraviados dos centros urbanos?
A história de Elián González apenas ilustra o quanto nós, como indivíduos, podemos, de um momento para outro, nos transformar em pedras de um jogo de poder, vaidades, exibicionismo. Mais uma vez, mostra que a felicidade das pessoas pouco importa à política e à mídia.