Termos como paternalismo, patriarcalismo e clientelismo são correntes nos jargões da ciência política e da sociologia e podem ser encontrados nos mais variados dicionários de ciências sociais. O mesmo se pode dizer do conceito sociedade civil, usado, na maioria das vezes, de forma imprópria e inadequada, tanto por leigos quanto por supostos especialistas. São expressões associadas aos vícios de nossa conformação histórica e de nossa cultura política, longamente entranhados na vida pública e em nossa conformação social.
Nenhum dos mais conhecidos dicionários especializados, porém, registra a palavra que define outro dos conceitos que nos são tão caros, o de patrimonialismo, não referenciado nem mesmo pelo Aurélio. Na linguagem corrente, indica o velho e resistente hábito, tão arraigado em nossa cultura, de apropriarem-se e utilizarem-se os "donos do poder", definidos no livro famoso de Raimundo Faoro, dos bens públicos, como se fossem parte de seu patrimônio privado. Essa aberração mostra ao mesmo tempo duas mazelas. A primeira é a incapacidade institucional do País de controlar os abusos praticados pelos detentores do poder. A segunda é o prazer com que instituições da impropriamente chamada sociedade civil se beneficiam, prazerosamente, dessa deformação. Trata-se, em última análise, de um processo de circularidade.
As práticas patrimonialistas são usadas pelos poderes públicos não só para o benefício de seus titulares e de sua vasta clientela, como também como instrumento de cooptação, com o qual conseguem fidelidade e gratidão. O processo de cooptação é como o delito de corrupção. Exige o concurso de, pelo menos, duas partes, a que corrompe e a que é corrompida. No Brasil, a prática é imemorial. Tem sido atribuída, como desculpa, à cultura ibérica que nos teria sido transmitida por via da colonização. A afirmação pode ser procedente e verdadeira, mas é incompleta, na medida em que foi refinada, aprimorada, aperfeiçoada e requintada tanto durante o Império quanto nas várias Repúblicas que tivemos.
A literatura brasileira, os anais do Parlamento e os documentos históricos do País estão prenhes de exemplos desse refinamento. A diferença é que nos seus primórdios era uma prática individual, utilizada em benefício de certas classes, como a burocracia, os intelectuais, os militares, os clérigos e os profissionais liberais. Coube a Getúlio institucionalizá-la, utilizando-a em favor dos que, para os seus propósitos, precisavam ser organizados sob a tutela do Estado. Especialmente dos que estavam à margem de sua atuação e de suas preocupações. Foi assim que nasceram o movimento sindical, a organização patronal e as modernas corporações de ofício, que são os conselhos profissionais. Todos organizados de cima para baixo, como um apêndice do poder público e financiados com recursos arrancados coercitivamente de toda a sociedade, ou de parte dela, como o Fundo Sindical de tão saudosa e lamentável memória. Para operacionalizar esse vasto sistema, que ainda hoje subsiste, foi que se criou a figura do pelego, que subsistiu até 1978, quando o movimento sindical do ABC ganhou poder, autonomia e legitimidade.
Ficou, contudo, uma reminiscência que é uma excrescência. Como ninguém ousou tocar no esdrúxulo princípio da unicidade sindical, desde que foi criado até hoje, os sindicatos ganharam autonomia, com a Constituição de 88, mas as centrais sindicais, criadas à margem da lei, passaram a ter status oficial.
Em outras palavras, há unicidade na base, liberdade na cúpula. Algo inimaginável num regime democrático.
As centrais vivem apenas parcialmente das contribuições de seus sindicatos filiados. Sua maior fonte de recursos, hoje, é o Fundo de Assistência ao Trabalhador (FAT), que lhes proporcionou, entre 1997 e 2000, uma receita de R$ 193 milhões. É com esse dinheiro que, se a classe operária não vai ao paraíso, vão pelo menos alguns de seus líderes.
Um velho hábito que não é privativo dos trabalhadores, mas também de outros profissionais não menos qualificados, os dirigentes partidários. No mesmo período, receberam do Estado uma contribuição que soma a significativa importância de R$ 211 milhões.
O Estado brasileiro continua como na era de Vargas, o mestre da cooptação.
Que resultado seria de se esperar da famosa sociedade civil que não consegue viver senão ao abrigo das benesses do Estado? Trata-se ou não de caso típico de uma sociedade prazerosamente dependente do poder do Estado?