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Artigos-->O preço do passado/Hélio Schwartsman -- 08/08/2002 - 09:28 (rodrigo guedes coelho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O preço do passado



08/08/2002



A crise finalmente estourou. Ao que tudo indica, teremos dias muito complicados pela frente. Desta vez, diferentemente das crises mexicana, de 1995, asiática, de 1997, russa, de 1998, e da desvalorização cambial brasileira, de 1999, os problemas não estão circunscritos à periferia do sistema. Agora, também Wall Street enfrenta sérias dificuldades, o que torna a nossa recuperação mais lenta e mais penosa.



Como não sou economista, não me vejo na obrigação de fazer previsões até a terceira casa depois da vírgula. Mas, excluídos cenários mais catastróficos, é razoável esperar uma recessão forte, com expressivo aumento do desemprego e da inadimplência. Também a inflação deverá subir alguns pontos. Se o governo conseguir um bom acordo com o FMI e tivermos um pouco de sorte, nosso sistema financeiro resistirá e não nos veremos na mesma situação de argentinos e uruguaios. Em suma, como gosta de repetir o Clóvis Rossi, se tudo der certo, se tudo der certo mesmo e nada der errado, então estaremos ferrados.



Essa crise pelo menos teve a decência de recair sobre o colo de quem a gestou, isto é, do governo Fernando Henrique Cardoso, e não de seu sucessor. O Plano Real foi sem sombra de dúvida engenhoso e eficaz no controle da inflação. Isso não significa que não tenham sido cometidos erros. A farra cambial, o dólar barato para a classe média comprar badulaques importados e se divertir na Disney, agora cobra o seu preço. Ela ajudou a garantir a reeleição do presidente em 1998, mas lançou a dívida pública na estratosfera. O único modo de financiá-la foi recorrendo aos capitais especulativos que aqui acorriam atraídos por generosos juros, os quais, por sua vez, implicaram mais dívida .



Esse esquema, que no plano teórico até pode funcionar indefinidamente, entrou em colapso quando as dificuldades bateram à porta da matriz. A série de fraudes contábeis que abalou os EUA fez com que o capital, que já rareava por conta da ruína argentina, das incertezas eleitorais e de outros problemas, praticamente desaparecesse.



É verdade que não podemos responsabilizar o ministro Pedro Malan e a equipe econômica pelas falsificações nos livros-caixas que grandes empresas norte-americanas perpetraram e pela consequente crise de confiança. Também seria injusto atribuir ao governo Fernando Henrique Cardoso a culpa pelos descalabros cometidos na Argentina. FHC, a equipe econômica e nós brasileiros, nesse sentido, tivemos um pouco de azar. Mas o azar, em história, é sempre relativo. O governo brasileiro evidentemente nada poderia ter feito para evitar os choques externos, mas é sem dúvida nenhuma o principal responsável pela situação de extrema vulnerabilidade em que fomos apanhados.



Um pouco por ideologia um pouco por preguiça, a equipe econômica ao longo desses últimos anos embarcou na onda da liberalização sem contrapartidas e renunciou a fazer qualquer política industrial. Abaixamos nossas tarifas para níveis que ninguém exigia e, em tratados internacionais, deixamos de salvaguardar setores, como teríamos direito. Nesse período, não procuramos substituir importações nem fizemos políticas consistentes para elevar o valor de nossas exportações.



Uma balança comercial mais favorável teria, pelo menos, tornado essa crise um pouco menos virulenta. Se gerássemos mais dólares pelo comércio, nossa dependência dos capitais externos seria menor. A febre (e esperemos que seja só uma gripe) que afeta os EUA não teria se transformado numa pneumonia para nós.



Alguém poderia me acusar de estar fazendo engenharia de obra feita, afirmar que é fácil apontar erros em condutas alheias depois que elas deram errado. Bem, essas críticas ao Plano Real que acabo de resumir foram feitas por grande número de economistas, alguns do próprio governo, ao longo dos últimos oito anos. José Serra, por exemplo, foi um dos que se desentenderam com a equipe econômica por conta da fragilidade externa em que as opções ultraliberais nos colocavam.



A situação em que nos encontramos é evidentemente das mais lamentáveis. Mas, como já escrevi em coluna anterior (Terrorismo eleitoral) é ao menos justo que o governo arque com o ônus político _pelo econômico pagaremos todos_ dessa crise. Se ela não tivesse sido precipitada por fatores externos, provavelmente só estouraria nas mãos do próximo governo, o que seria ruim do ponto de vista institucional. O futuro presidente, seja ele quem for, ficaria numa posição semelhante à de Fernando de la Rúa, o ex-presidente argentino que teve de renunciar por não conseguir administrar problemas criados pela gestão anterior.



Outra "vantagem" da antecipação da crise é que ela já não poderá ser usada tanto como ameaça na corrida sucessória. A afirmação de que a candidatura governista é a melhor arma contra a possibilidade de turbulências econômicas deixa de fazer sentido. (Esse efeito "pavor de Lula" até teve o seu papel na precipitação dos problemas cambiais, mas, a essa altura, isso já é história antiga).



Nas próximas semanas ficará terrivelmente evidente, mesmo para o eleitorado mais simples, que a política econômica do governo fracassou. Só masoquistas e tucanos roxos ousariam insistir nela. Isso é até injusto para José Serra, que, afinal, foi um crítico de primeira hora dos exageros liberais de Malan e companhia. Parece inevitável, contudo, que Serra fique com os encargos de ser o candidato da situação numa hora em que é bem mais confortável ser oposição.



O problema que se coloca agora é a exigência, do FMI, de que os principais candidatos se comprometam com os termos do Fundo para liberar o novo empréstimo de US 30 bilhões ao país anunciado ontem. De um lado, o Brasil precisa desesperadamente desse dinheiro. O candidato que transformar-se em obstáculo à concessão do empréstimo poderá ser acusado de agir contra os interesses nacionais. De outro, contudo, para que a democracia faça sentido, é preciso que os postulantes tenham a liberdade de recusar políticas do Fundo. Não são poucos os economistas que vêem pelo menos parte do receituário do FMI como importante ingrediente da atual crise. De novo, o candidato que apenas diga amém ao Consenso de Washington poderá atar-se a um passivo tão pesado que compromete a chance de caminhar no futuro.



Não tenho solução para esse dilema. Ele não opera, contudo, por circuitos binários. Aceitar alguns dos termos do FMI não implica necessariamente comprar o pacote inteiro. Entre a ortodoxia obstinada do Fundo e a legitimidade das urnas, acabará prevalecendo a segunda. E o FMI sabe disso. A situação nos remete para a essência da política, que é a negociação entre o possível e o desejável com vistas a melhorar a vida das pessoas.





Hélio Schwartsman

É editorialista da Folha

E-mail: helio@folhasp.com.br



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