Muito mais que o esperado, muito mais rápido que o esperado e com muito menos exigências de garantias que o esperado: é o que sintetiza o que foi o novo empréstimo concedido pelo FMI ao Brasil. Ele põe em cena duas novidades de importância fundamental. Como 80% dos US$ 30 bilhões obtidos serão destinados ao próximo governo, a transição, que tanto assustava o mercado financeiro, está garantida e os especuladores precisarão de nova desculpa se quiserem continuar apostando contra o real. E por este mesmo motivo o tom da campanha eleitoral terá de mudar, também radicalmente, já que, doravante, nenhum dos candidatos que têm vivido de vituperar "isto que está aí" poderá fazer outra coisa senão agradecer a "herança de FHC", suficiente para que qualquer um deles monte sobre ela a plataforma econômica de lançamento de seu governo.
Para o presidente Fernando Henrique a operação é uma verdadeira consagração.
Sem nenhuma perspectiva visível de fazer o seu próprio sucessor, o que ele conseguiu para o Brasil, sem rigorosamente nenhuma exigência de mudança sobre a política econômica atualmente em prática, é um feito absolutamente inédito. Trata-se do maior empréstimo já feito a um país em emergência financeira em toda a história do FMI. Houve pacotes de resgate maiores (para a Coréia e o México, por exemplo), mas eram pacotes mistos de dinheiro do FMI, de outras instituições internacionais e de governos. Mais ainda: esta operação vem marcar uma inflexão de 180º na política do governo Bush para a América Latina e sobre os pacotes de resgate de países em emergência financeira em geral. Uma das marcas sob a qual ele disputou a presidência foi a da crítica aos pacotes do gênero durante o governo Clinton. O tom azedo de Bush ao tratar dessa questão, aliás, se manteve até há poucas semanas, nas declarações desastrosas do mesmo O Neill que, nesta semana, veio para se redimir. Agora apenas a Argentina segue em quarentena porque, de fato, tem uma situação estrutural radicalmente diferente da do Brasil e até do Uruguai, que também recebeu ajuda do FMI, seja do ponto de vista político, seja do econômico.
É provável que tenha contribuído para a decisão favorável de Bush o fato de o seu próprio mercado doméstico estar em crise, o que não recomenda que se permita que ela, que poderia adquirir proporções continentais, avançasse ao Sul de suas fronteiras. Os bancos e as grandes empresas americanas chacoalhadas pelos sucessivos escândalos que têm abalado o mercado naquele país, que também têm muitos investimentos no Brasil e na América Latina em geral, parecem ter contribuído para fazer seu obtuso presidente entender que não é o momento de aumentar a extensão da lista de prejuízos.
Já temos comentado aqui mais de uma vez o benefício inesperado que esta eleição trouxe ao Brasil, que foi a discussão sobre que parcela da política econômica de um país é passível de alterações por parte dos políticos, e que parcela é propriedade inalienável da sociedade, e deve permanecer estável e intocada, pairando acima das paixões e manobras próprias da disputa pelo poder. A reação dos candidatos da oposição, consultados pela equipe econômica ao longo desta rápida negociação com o FMI, indica que o maior legado do governo Fernando Henrique Cardoso pode vir a ser a sobrevivência ao seu governo do padrão de racionalidade econômica que ele implantou num país que recebeu com a economia nacional e a credibilidade internacional em frangalhos.