Eu estou absolutamente tranqüilo neste final de domingo, depois de haver passado o dia dos pais com meus dois filhos e com os netos e, ainda, tendo o prazer de visitar meus velhos, com quem afinal, bati um longo papo descompromissado. Pude, afinal, ouvir as palavras que o meu filho me dedicou, palavras tão emocionadas e cheias de evocações de sua infância e da minha mocidade. Ouvi, também, de meu pai,duas de suas mais novas trovas centradas no tema do Natal e que agora aqui eu repoduzo:
"Se não houver quem lhe conte,
será que o "chefão"descobre
que tem debaixo da ponte,
sem Natal, um guri pobre?
Deus Menino anda triste,
por ter seus sonhos perdidos
Sob a miséria que existe
No Natal dos excluídos".
É o que realmente distingue o artista do homem comum: a sensibilidade, a capacidade de fazer surgir do quase nada, de um caco de vidro talvez, delírios, cores, faiscações, pinturas, sinfonias, poemas, histórias, jóias raras...Se o homem comum por ele(caco de vidro) passa, o caco de vidro continuará sendo apenas um caco de vidro.
A capacidade de criar, de trabalhar as palavras, burilá-las, selecionar com impulsos de genialidade a sua coloação na frase, carregando na beleza poética, no ritmo e na música, tudo isso é fruto da inteligência e da sensibilidade, tudo isso é obra de Deus, porque Deus ama o belo e procurou fazer o homem à sua imagem e semelhança.
Não adianta o ateu vociferar, tampouco pode o crente zombar daquele que não crê:~"Na alma do herege há sempre um Deus que chora, na alma do crente há sempre reticência".
De concersa em conversa, passamos boa parte da tarde, trocando idéias, reproduzindo os filhos da nossa imaginação: pai, filho e neto, três gerações de escribas nordestinos, criados ao embalo do zabumba, do triängulo e da sanfona, ouvindo a "Asa Branca", chotes, maracatús, baiões...e a poesia fluente dos emboladores e improvisadores, como o repentista muito devoto e muito crente como toda a gente simples do nordeste que, recebendo o mote do dono do lugar onde acontecia o desafio: "Eu sou maior do que Deus", tomou o susto inicial, mas pegou sua viola e lançou no éter o seguinte diamante:
"Eu sou maior do que Deus,
Maior do que Deus eu sou,
sou maior no pecado,
Deus nunca foi pecador"
E por aí vai...Assim, chegada a noite e bem instalada, posso olhar as estrelas demoradamente, imaginar que elas são jóias cintilantes da amplidão, esperando que um artífice maior consiga trabalha=las, fazendo delas medalhas de ouro puro para todos os poetas.