A poeta Helena kolody, filha de imigrantes ucranianos, é um dos nomes mais expressivos da poesia contemporânea paranaense. Desde Paisagem interior (1941), quando surge para a literatura brasileira, a Reika (1993), sua poesia evolui no sentido de síntese, concisão e alto grau de lirismo espontâneo, contido, com uma linguagem altamente condensada. A autora já publicou doze livros de poesia e onze antologias, além de um número significativo de poemas dispersos em jornais e revistas especializados. Kolody vem recebendo destaque junto à crítica paranaense e brasileira por sua constante produção poética.
Em 13 de junho de 1993, a comunidade nipo-brasileira de Curitiba, em comemoração aos 300 anos de Curitiba e aos 85 anos de imigração japonesa, homenageia a poeta Helena Kolody com a outorga do nome haicaista REIKA, em reconhecimento à dedicação, divulgação e grandiosidade que deu à poesia de origem japonesa: o haicai, que se originou do tanka. O nome haicaísta Reika - composto por dois ideogramas específicos, Rei e Ka - pode ser traduzido como "perfume da literatura", "renomada fragrância de poesia", ou ainda, "aroma da poeta maior".
O tanka é um poema clássico japonês, composto por trinta e uma sílabas distribuídas em estrofes de cinco versos. O haicai e o tanka são formas de composição da arte japonesa, que apresentam momentos tensos e transparentes, marcados pela vivacidade. Já o haicai é uma forma de poesia japonesa, pequeno poema de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas que evoca uma singela impressão do mundo, da natureza, do homem, das plantas ou dos animais; muitas vezes eles tem um refinado lirismo de caráter melancólico ou nostálgico, outras, um humor e ironia.
O obra Reika reúne 28 poemas (tankas e haicais). Foi uma iniciativa do poeta Nivaldo Lopes, que num trabalho em tipografia manual edita o quinto exemplar da sua editora Ócios do Ofício, e o terceiro da coleção Buquinista, da Fundação Cultural de Curitiba.
O tanka Sabedoria (RE) mostra a temática do efêmero, da brevidade da vida, do tempo e da saudade. No poema salientam-se o exercício lúdico, as pausas dos versos, os acentos poéticos, as ligações dos segmentos frasais e o conteúdo das recordações do sujeito lírico, que inquieta-se perante a vida:
Tudo o tempo leva.
A própria vida não dura.
Com sabedoria,
colhe a alegria de agora
para a saudade futura (p.60).
São versos que mostram uma perfeita relação semântica entre os versos do poema, revelando que a vida é finita como as coisas que passam. O texto aponta para uma questão fundamental: o ser humano, como todas as formas de vida, tem um prazo a cumprir na existência terrena. Daí a necessidade de buscar com sabedoria "a alegria de agora", ou seja, urge cultivá-la, de maneira "plena", tendo em vista "a saudade futura".
Pirilampejo é um tanka em que fica claro as correspondências dos elementos da natureza que se interligam:
O sapo engoliu
a estrelinha que piscava
no escuro do brejo.
Ficou mais sombria a noite
sem o seu pirilampejo.
Os versos são marcados pelos tênues fios de um lirismo singelo. A imagem da sombra da noite norteia o texto e direciona para o caráter de fechamento no contraste claro/escuro. A sombra é imagem das coisas fugidias, mutantes e irreais. Já a imagem da noite aponta para a dimensão do tempo e das transformações. Nesse sentido, o poema revela a instabilidade das coisas e dos seres.
Aquarela (RE) é um tanka que apresenta um grau máximo de comunicabilidade e lirismo. A poeta trabalha a linguagem numa dimensão pessoal e síntese perfeita, enfatizando paralelismos em oposição. Sua poesia busca o instantâneo e a integração da vida e da natureza, tal como no poema:
Sol de primavera.
Céu azul, jardim em flor.
Riso de crianças.
Na pauta de fios elétricos,
uma escala de andorinhas (p.55).
Este poema conjuga a relação do sentimento vital integrado à constante renovação cíclica da vida. Mais que um louvor à vida, os elementos da natureza se relacionam de maneira harmoniosa. No "coração do poema" destaca-se o verso "riso de criança", que simboliza a simplicidade natural, a espontaneidade.
O tanka Caixinha de música, com seus versos de pura magia das palavras trazem a marcas de uma poesia que é antes de tudo participação interativa com o leitor:
Firu-liru-lim...
Melodiosa filigrana
que uma bailarina
tece em gestos delicados
de porcelana e marfim.
Com suas rimas e ritmos bem marcados, o poema revela a força da linguagem e essência da linguagem poética kolodyana.
Helena Kolody é a poeta do cotidiano, das realidades simples e comuns, interpretadas por sua sensibilidade e lirismo contagiante e libertador. Sua poesia, profundamente lírica, com acentos existenciais, transparentes, mostra uma construção poética alicerçada a partir das coisas simples e cotidianas.
Os poemas de Reika apresentam basicamente uma das vertentes temáticas preferidas da poesia de Helena: o poeta diante de si mesmo e da poesia. Ela é poeta vigorosa. Concilia perfeitamente a experiência da subjetividade com a objetividade, ou seja, emoção e razão, atualizando-se pelo nítido espírito de modernidade. Com uma linguagem sintética, densa de significações, seus poemas apontam para o caráter efêmero da existência e, ao mesmo tempo, são formas de permanência e nomeação da palavra essencial.
- Antonio Donizeti da Cruz (Prof. de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura da UNIOESTE e doutorando em Literatura Brasileira pela UFRGS).