LEGENDAS |
(
* )-
Texto com Registro de Direito Autoral ) |
(
! )-
Texto com Comentários |
| |
|
Artigos-->O valor da palavra -- 13/08/2002 - 09:44 (rodrigo guedes coelho) |
|
|
| |
O valor da palavra
MAURO CHAVES
Muitos ainda não perceberam que, de todos os valores
que se vão quebrando, numa sociedade organizada, mais
devastadora é a quebra do valor da palavra. Quando
isso se generaliza no espaço público, levando a
sociedade a não mais se espantar com políticos que
faltam com a verdade (dos fatos, dos números, das
pessoas e das próprias opiniões, antes divulgadas)
como se fizessem a sedutora transmissão radiofônica de
um delírio, os cidadãos entram em estado de
perplexidade moral, de desorientação ética, porque
tudo pode ser ou deixar de ser a qualquer momento, sem
maiores conseqüências.
Nesse estonteante reino do dito pelo não dito, aquilo
que foi afirmado costuma ser, facilmente, desmentido -
por quem afirmou -, seja com justificativas
surrealistas - se não alucinadas -, seja sem
explicação alguma.
Talvez ainda não se tenha avaliado, devidamente, a
influência nefasta que os mitômanos contumazes da cena
pública-política podem exercer sobre as novas
gerações. Mas é notório que estes potencializam a
impunidade e ensinam a juventude a abolir o rubor do
próprio rosto.
A quebra do valor da palavra atinge fundo a dignidade
da consciência, relativiza, radicalmente, a ética do
comportamento humano (o que é certo, o que é errado,
se tudo se pode desdizer?) e, assim, desestrutura as
formas mais saudáveis do convívio social, que são as
que têm por base a confiança.
Quando as palavras podem valer ou não valer, de acordo
com as conveniências, interesses ou estratégias de
ocasião, difícil é fazer prevalecer quaisquer outros
valores na sociedade, sejam de natureza cultural,
econômica, política ou social. Pois as palavras que
não se mantêm não constroem conceitos, não sedimentam
convicções, não refletem pesquisas confiáveis - em
nenhum campo do conhecimento - e, sobretudo, não podem
contribuir para o alicerce maior do relacionamento dos
integrantes de uma sociedade, que é a credibilidade.
Então, sem o firme e sólido valor da palavra -
argamassa primordial de tantos outros valores -,
cairão por terra as lealdades e ficarão sob suspeita
todos os acordos - negociais, societários, familiares,
pessoais, políticos ou civis.
No cenário político brasileiro assistimos a uma
escalada de desrespeito à própria palavra, em grau
jamais visto em nossa História. Quando Paulo Maluf, na
penúltima eleição para prefeito de São Paulo, concitou
seus eleitores a jamais votarem nele se seu pupilo
Celso Pitta não realizasse uma boa administração - e
tendo-se candidatado depois da gestão Pitta -,
achava-se que se tinha chegado, no País, ao nível mais
exagerado de descomprometimento de um homem público em
relação à própria palavra. De lá para cá, isso virou
uma pequena falta de escoteiro.
Antes de aliar-se a Leonel Brizola e dirigir-lhe
rasgados elogios, chamando-o de "meu comandante", Ciro
Gomes havia dito (segundo matéria de O Globo publicada
em 23/3/1993): "Brizola é populista e, pior, com
discurso de esquerda. Ele é a fina flor do atraso."
Antes de aliar-se a ACM, beijando-lhe a mão de forma
patética, Ciro Gomes havia dito (segundo matéria
publicada na Folha de S.Paulo em 26/6/1999): "Tudo o
que não presta na história republicana tem o ACM."
E mais (segundo matéria publicada na Folha de S.Paulo
de 28/6/1999): "ACM não aguenta o debate. Pela
natureza antidemocrática e porque ele é sujo que só
pau de galinheiro." Quando indagado, no Jornal da
Globo, sobre sua reaproximação com o ex-senador
baiano, o candidato a presidente da Frente Trabalhista
disse que tinha feito a reconciliação por ocasião da
morte de seu filho, Luís Eduardo Magalhães. Só que
Luís Eduardo morrera em abril de 1998 - portanto, um
ano e dois meses antes da ofensa. Mas aí não é a
deslavada mentira o que mais importa. O que importa é
que os homens públicos, que têm todo o direito - como
qualquer cidadão - de mudar de opinião, precisam
explicar, justificar, trazer à sociedade os argumentos
e as razões dessa mudança.
Ciro Gomes, no caso, teria dois caminhos para mostrar
um mínimo de respeito ao valor da própria palavra. O
primeiro seria explicar como, por que e de que forma
ACM deixou de ser "sujo que só pau de galinheiro" -
assim como, por que e de que forma Leonel Brizola
deixou de ser a "fina flor do atraso".
O segundo seria o de repetir Bill Clinton e,
simplesmente, pedir perdão (aos ofendidos e à
sociedade brasileira) pelos insultos perpetrados
contra dois homens com longa dedicação à vida pública
do País. E, a propósito, até surpreende que ACM -
alianças políticas à parte - não tenha reagido contra
a infeliz idéia de seu candidato a presidente de
invocar o nome de seu saudoso filho para uma mentirosa
justificativa.
O que assusta mais é o fato de um candidato a
presidente da República, que demonstra um enorme poder
de articulação verbal e dispõe de inegável carisma
pessoal, ser flagrado, num período tão curto de tempo,
numa grande quantidade de mentiras, até mesmo algumas
absolutamente desnecessárias. Vá lá que Ciro Gomes
precisasse fazer um extremo contorcionismo matemático,
do tipo das histórias de camelos de Malba Tahan, para
explicar como um salário mínimo de US$ 100,00 - que é
de US$ 82,00 - pode ter hoje o valor que não tinha, ao
mesmo tempo tendo, pois podia comprar naquele tempo o
que haveria de comprar hoje, descontado o valor que,
de hoje, poderia ser comprado (e valia) naquele tempo.
Afinal de contas, dele se espera sempre essa precisão
de raciocínio...
Mas precisava ele negar que seu grande amigo, padrinho
político e aliado (antes esconso, agora explícito)
Tasso Jereissatti foi o verdadeiro ganhador do prêmio
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef),
por seu combate à mortalidade infantil? E precisava
ele dizer que foi o fundador do PSDB, se ao partido se
filiou só em março de 1990 - isto é, 21 meses depois
de sua fundação - e se nem fundou o PSDB cearense, uma
vez que seu nome não consta da ata de fundação? Então,
a simples pergunta se impõe: como é possível acreditar
que alguém, com esse tipo de "compromisso" (com os
fatos, os números, as pessoas e as própria opiniões),
fará ou deixará de fazer amanhã o que diz hoje?
Para os que duvidam do valor da palavra, basta dizer
que ela vale, pelo menos, US$ 30 bilhões, em fim de
governo, negociados em uma semana, a juros módicos e à
manutenção de 3,75% de superávit primário.
x
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor e
produtor cultural E-mail: mauro.chaves@attglobal.net
|
|