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Artigos-->A "escola dos ditadores" -- 14/08/2002 - 09:18 (rodrigo guedes coelho) |
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A "escola dos ditadores" e seu novo e pomposo nome*
"É como tentar perfumar um depósito de lixo tóxico", disse o deputado Joe Moakley sobre o plano do Pentágono que mudou o nome e
supostamente a missão da Escola das Américas (SOA), chamada na América Latina de "escola de ditadores" e "escola de assassinos" por
ter treinado militares que retornaram a seus países para derrubar regimes democráticos, promover torturas e criar esquadrões da
morte.
O plano, elaborado pelo Exército, foi afinal concretizado em 2001 (o pomposo nome agora é "Western Hemisphere Institute for Security
Cooperation"), após anos de obstinada resistência no Pentágono ao fechamento da escola de péssima reputação, reclamado em
barulhentas manifestações de protesto de famílias e amigos de vítimas das atrocidades de seus ex-alunos e de críticas e iniciativas
no Congresso.
O que o Exército americano fez lembra a troca de nomes na América Latina de unidades militares notórias por abusos de Direitos
Humanos, como a Dina chilena (rebatizada como CNI) e o SNI brasileiro (hoje Secretaria de Assuntos Estratégicos). A ex-Escola das
Américas, agora Instituto de Cooperação de Segurança para o Hemisfério Ocidental (WHISC), continua no mesmíssimo lugar, Fort
Benning, na Georgia. E fazendo o mesmo de sempre.
Façanhas de assassinos graduados
A mudança de nome concretizou-se a 17 de janeiro de 2001, conforme plano não do atual secretário do Exército (Thomas White, que Bush
buscou na Enron) mas do antecessor, Louis Caldera, do governo Clinton. A propaganda alega (e ninguém acredita) que se abandonou a
ênfase no combate sistemático à esquerda latino-americana, meta da Guerra Fria, e que a prioridade passou a ser "ameaça à segurança
dos países" (leia-se: empurrar exércitos cucarachos para o combate às drogas).
Desde que foi criada em 1946, a Escola das Américas - que até o fim da década de 70 funcionava na Zona do Canal do Panamá sob
ocupação militar dos EUA - treinou e diplomou 60 mil militares latino-americanos, entre eles generais celebrizados como ditadores
sanguinários, como os argentinos Roberto Viola e Leopoldo Galtieri, o boliviano Hugo Banzer e o panamenho Manuel Antonio Noriega.
Muitos ex-alunos da escola não chegaram a chefiar governos mas se destacaram à frente de aparelhos repressivos de ditaduras,
serviços secretos ou como torturadores e criadores de esquadrões da morte, como o major Roberto D Aubuisson, fundador da Arena,
partido que continuou no poder em El Salvador depois da morte dele. Planejador e executor do atentado que matou o bispo Oscar
Romero, D Aubuisson morreu de câncer há alguns anos.
Os dois condenados na Flórida
Em março de 1998, um tribunal da Espanha indiciou junto com o ex-ditador Augusto Pinochet pelo menos 10 militares chilenos de alto
escalão que tinham sido graduados na SOA (agora WHISC), todos responsabilizados por torturas e desaparecimentos de milhares de
pessoas durante a ditadura. Mas o movimento nos EUA pelo fechamento da SOA só ganhou vulto devido a casos envolvendo cidadãos
americanos como vítimas.
Na Guatemala, foi assassinado na década de 1980 o cidadão americano Michael DeVine, que tinha um pequeno hotel. Descobriu-se que um
coronel guatemalteco que acobertara os responsáveis era graduado da SOA. Ex-alunos da escola foram acusados ainda como mandantes do
assassinato em 1980 de quatro religiosas americanas e pelo massacre em 1989 de seis padres jesuítas da Universidade Centro-Americana
(UCA).
O aniversário do massacre dos jesuítas, em novembro, passou a ser lembrado todos os anos com vigília e protesto em frente à Escola
das Américas, onde manifestantes (em sua maioria religiosos) são em seguida presos e processados por invadirem área proibida do
Exército. Dos 26 militares acusados pelo massacre, 19 tinham feito curso na SOA (com diploma de distinção e louvor, a julgar pelas
façanhas posteriores).
Os mandantes do assassinato das quatro religiosas, generais salvadorenhos Carlos Eugenio Vides Casanova e José Guillermo Garcia,
vivem hoje na Flórida, onde se safaram de um processo das famílias delas. Mas há duas semanas (no dia 24 de julho último) os dois,
que no passado reinaram em El Salvador sob a proteção do Pentágono, foram condenados num tribunal de West Palm Beach ao pagamento de
indenização de US$ 54,6 milhões a famílias de outras três vítimas de torturas.
Por uma Academia de Democracia
Desde 1999, quando se tornou conhecido o plano da mudança de nome, o Exército americano desencadeia em novembro contraoperação de
propaganda e controle de danos, em inútil esforço para limpar a reputação da "escola de ditadores". O programa inclui um "Media
day" - dia da mídia - durante o qual militares de Fort Benning se oferecem como cicerones a jornalistas interessados em conhecer as
atividades supostamente meritórias da escola, suas instalações, e em conversar com alunos e professores.
No Congresso o esforço contra a SOA foi liderado primeiro pelo deputado Joe Kennedy - filho do senador Bob Kennedy, assassinado em
1968. Quando esse parlamentar abandonou a carreira política, o papel passou a Joe Moakley, também de Massachusetts. O trabalho dos
dois sempre foi articulado com o grupo SOA Watch (que mantém na Internet o website www.soaw.org ), que pede o fechamento da escola e
sua substituição por uma Academia de Democracia.
Não tivesse a Câmara passado ao controle republicano em 1994 a escola certamente teria sido fechada. Isso porque a defesa que o
Exército fazia tornava-se gradativamente ineficaz ante a sucessão de revelações escandalosas sobre o papel dela nas relações com
militares latino-americanos. Um dos escândalos fora a descoberta dos manuais de treinamento usados na SOA, que ensinavam tortura,
chantagem e até assassinato (sob o eufemismo de "neutralização") dos adversários dos regimes militares.
* por Argemiro Ferreira - Tribuna da Imprensa RJ, 7 de agosto de 2002
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