Daqui para frente, na medida em que o chamado "processo eleitoral" apertar, seremos testemunhas de um curioso quadro de desmontagem social planificada e maquiada. Todos os ingredientes do carnaval estarão em cena: o uso de máscaras, os desfiles de fantasia, a inversão dos comportamentos habituais, o emprego de linguagem especial para falar do mundo, pessoas e coisas.
Curioso que pessoas habituadas aos corredores do poder - seja no governo ou nas oposições; pessoas cuja vida se passa em gabinetes, trocando idéias com seus asseclas, títeres ou seguidores, venham agora à luz do dia a público e, como "candidatos", tentem se apresentar como sujeitos comuns: cidadãos que eventualmente sofrem com o aumento dos preços, com a violência urbana e com a inoperância e a incompetência policial.
Aliás, nunca se viu gente tão estudiosa e entendida. Gente tão sagaz e tão espirituosa. Gente tão honesta e tão malandra. Gente tão ciosa de suas hombridades e sobrancerias e tão capaz de insultar, mentir e dizer a verdade. Todos são pessoas comuns, mas todos sabem o modo infalível de salvar o Brasil. Do mesmo modo, todos amam o Brasil, mas todos entendem que o País está à beira do abismo: do capitalismo, da agiotagem internacional, da falta de vergonha, do crime organizado e desorganizado, da falta de fé, do mau governo, das crenças fatais, da ausência de plano e dos planejamentos implacáveis, dos bons e dos maus costumes.
Em tempos de moeda efetivamente estável e de liberalismo, não se pode muito abusar das fórmulas feitas - essas que salvam a pátria em três dias, mas sempre se pode chutar com os dois pés, como fizeram os Ronaldos na copa do penta. Fala-se bem se as coisas funcionam. Mas como no momento tudo parece que está mesmo pau do burro, tudo o que tem a ver com finanças e com o mercado tem parte com o Demo. Deus está do lado dos copinhos-de-leite que simbolizam a igualdade substantiva, das censuras e de uma pobreza digna e boa para o povo. Mas como não se pode exagerar, tudo o que está com a boa lei da oferta e da procura tem sua razão e nós prometemos de péd juntos (mas até certo ponto) lealdade com as responsabilidades fiscais.
Somos todos talhados para as durezas, as dificuldades, o ascetismo e, sobretudo, o enorme sofrimento que vem com o poder no Brasil. É duro morar num palácio, ser servido por um exército de criados, mordomos, telefonistas, motoristas, cozinheiros, copeiros, adidos militares, diplomatas, secretários e ajudantes de ordem, isso sem contar os infinitos e infindáveis puxa-sacos, áulicos e quejandos. É mais duro ainda ter de ficar rico pelas economias feitas no cargo. Saberemos, dizem em diversos subtextos capitais os candidatos, superar a contrariedade de viver em palácios falando do povo mal nutrido, mal-educado e meio ferrado do Brasil. Não se trata de uma contradição: são os chamados ossos do ofício de governar. Somos sumamente igualitários e podemos tudo, menos recusar viver nos palácios.
Todos os candidatos são pessoas comuns e levam vidas normais. Sua única anormalidade, como sabe o povo, é querer com tanto afinco e sofreguidão governar esse país que eles são os primeiros a ofender com seus diagnósticos trágicos, pessimistas, errôneos e perversos. Em seus discursos, o Brasil fez tudo errado, a começar pela eleição dos seus governantes. Pois, esquecidos de que os que querem suceder também foram eleitos, foram eles, os eleitos, hoje governantes, que levaram o sistema à beira do caos, da vulnerabilidade financeira, monetária, estrutural, moral, religiosa e ideológica.
Todo mundo tem um certo equilíbrio e goza de bom senso. Mas quando se vira candidato e se entra na carnavalha eleitoral brasileira, na qual tudo é cobrado e nada é medido, o bom senso cede lugar a um exaltado narcisismo.
Sujeitos incapazes de matar uma mosca mentem com um descaramento de dar pena. Mentir, aliás, torna-se uma arte das candidaturas, pois se o objetivo é vencer, por que não mentir, bajular, ofender e disfarçar se o contexto assim determinar? Em campanha, dizem os entendidos e os mestres, todos os pecados se dissolvem na arte malandra de vencer a eleição. Vale tudo para receber a graça dos votos.
E o que não faz o candidato por um mísero voto? Dança, canta, come sanduíche de mortadela, bebe pinga, abraça (e beija) mulher feia e homem doente e, sobretudo, promete. Promete sabendo que o povo vai esquecer e que o jornal não vai cobrar.
Promete porque sabe que os fins justificam os meios. Não foi assim nos países avançados como a Alemanha, a Itália, e a União Soviética? Por que seríamos diferentes?
Por que fugir de um realismo político que é parte e parcela de nossa inquestionável evolução política? No verdadeiro carnaval, ninguém vira dono do Brasil. No carnaval eleitoral, essa desconstrução do mundo tem um único propósito: a sua rápida criação após a entrada no poder pelo novo eleito.
Eleito que, obrigado, coitado, a residir nos palácios, sofrerá de tanto beber vinho, comer bem e, de suas janelas e varandas, ver impotente porque, de fato, o buraco é mais embaixo, o povo sendo assaltado, morto e desiludido lá em baixo. (Volto, mais otimista e, se Deus quiser, em setembro).