O debate ao vivo entre os presidenciáveis transmitido recentemente pela tevê revelou claramente que os quatro principais candidatos ao cargo máximo do País têm duas características comuns: a primeira é que são todos de esquerda - e fazem questão de proclamar isso - e a segunda é que nenhum deles apresenta algo que se possa chamar de "programa de governo".
A causa da irresponsabilidade que é transformar o que deveriam ser plataformas completas em meras declarações desencontradas de intenções é, obviamente, moral e decorre da debilidade de nosso sistema político. Não temos partidos na verdadeira acepção da palavra, o máximo que temos são grupos de pessoas reunidas em torno de objetivos - muitas vezes, obscuros - comuns. Não temos, nem de longe, uma concepção federalista, já não diríamos nos moldes dos Founding Fathers, mas pelo menos algo que se assemelhe a pálidos princípios gerais de subsidiariedade. Não temos estadistas, o que prolifera é o oportunismo em todos os níveis. Não temos, por parte de uma população com baixo nível de capital humano, cobranças efetivas das promessas de campanha dos candidatos aos diversos cargos. Como desejar que quem aceitou passivamente que a carga tributária fosse brutalmente elevada, como tem ocorrido nos oito anos de tucanato, sem pelo menos exigir que os recursos dos impostos revertessem em seu benefício, como desejar, repetimos, que essa população possa cobrar realismo e coerência dos candidatos em seus programas de governo?
O Brasil não tem instituições partidárias bem fundamentadas e programáticas e não existe representatividade em nosso sistema político, o que explica que, em nosso país, se vote em pessoas, não em idéias. Isso esclarece, talvez, um aparente paradoxo: o de nosso universo eleitoral, que tem, historicamente, conforme atestam diversas evidências de eleições e situações passadas, apenas de 20% a 30% de eleitores que votam sempre em candidatos de esquerda, mas será forçado a escolher, no próximo pleito, entre quatro candidatos de esquerda: um socialista retrógrado e patrimonialista, outro pretensamente sofisticado, um terceiro não mais que populista e, por fim, um quarto, envergonhado, que nunca teve coragem para assumir-se nem como socialista nem como liberal e cujo partido tem preferido refugiar-se, nos quase oito anos em que está no poder, no discurso enganador da social-democracia que, por sinal, não é mais do que um pleonasmo, pois toda democracia, por definição, é "social".
O primeiro candidato, embora venha evitando dizê-lo, detesta o mercado; o segundo já mostrou no passado que gosta de dar "ordens" ao mercado; o terceiro, segundo suas próprias palavras, "acredita" no mercado, mas não abre mão de nele intervir em benefício dos sempre nebulosos "interesses sociais"; e o quarto, com certeza, nem sabe o que vem a ser mercado...
O fato - irrefutável e grave - é que de 70% a 80% dos eleitores, que historicamente não são de esquerda, não estão sendo representados!
Essa incrível falta de representatividade não é de hoje e só poderá ser corrigida na medida em que surjam novas pessoas, talvez novos partidos, com uma proposta modernizadora de aperfeiçoamento das instituições, sob a égide do federalismo, de uma verdadeira separação de poderes e de um sistema político realmente representativo, com partidos programáticos, para que todos os eleitores, de todo o espectro político, possam votar em idéias que se assemelhem às suas e não em pessoas que os enganam permanentemente com promessas e assumem as posições mais conflitantes sob o ponto de vista doutrinário, desde que lhes rendam votos. Políticos, enfim, que se assemelham a rolhas de cortiça, pois flutuam em qualquer líquido e buscam alianças que, de tão intragáveis, me fazem lembrar de um ex-professor de latim dos meus tempos de ginásio, quando dizia, em tom de brincadeira:
"Piranharum flumen, saurius dorsus nadat", ou seja, em rio de piranhas, o jacaré nada de costas...
Não há programas de governo. Há apenas promessas: de empregos, de crescimento, de aumento de exportações e até de "fazer com que máquina pague imposto"! Goethe avisou: "Não digas que darás, mas dá! Nunca satisfarás a esperança." Mas bem que poderia ter acrescentado: poderás, contudo, conseguir eleger-te...
Ubiratan Iorio
Ubiratan Iorio é diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ www.ubirataniorio.hpg.com.br e-mail: uiorio@uerj.br