No ciclo de debates da Folha com os candidatos, Lula foi um docinho-de-coco, simpático, brincalhão, e Ciro, uma limonada azeda, agressivo, mal-humorado.
Enquanto Lula fugiu do debate, das provocações e das cascas-de-banana recorrendo a histórias, gestos, brincadeiras e tiradas rápidas e inteligentes, Ciro fez justamente o contrário: foi ele quem partiu para o ataque e praticamente pediu as provocações.
Algum assessor, marqueteiro ou pesquisa deve ter soprado no ouvido dele, Ciro, que bater na imprensa e nos jornalistas dá o maior Ibope. Ou dá muitos votos. Porque ele não faz outra coisa ultimamente.
Encontra um repórter da Folha, tome cacetada. Fala ao vivo para a Globo, montes de desaforos. Grava para uma revista, tome de acusações. Taí. Nunca fui dessas de comparar Ciro a Collor, mas nisso ele corre o risco de ficar igualzinho.
Aqui não vai o corporativismo puro e simples -ou, vá lá, não só isso. Vai também a lembrança de que perguntar não ofende e, junto, uma defesa do jornalista, do entrevistador, que não capta perguntas maliciosas do Além, mas apenas tenta mediar as perguntas que as pessoas fazem o tempo inteiro sobre os candidatos.
Perguntar ao Lula se ele se sente apto a governar o país apesar de ter experiência zero em administração não é uma pergunta sem nexo, que algum serrista, cirista, garotista ou ET sacou por acaso. É o que está na cabeça de todo mundo.
O mesmo vale para Ciro, que no debate reagiu a perguntas óbvias, corriqueiras até, com agressões e descaso. Perguntou-se, entre outras coisas, sobre alianças, sobre o coordenador Martinez, afastado por velhas e batidas denúncias. Exemplos de reações dele, colhidas a caneta, não com gravador: "Posso falar?", "Você vai me deixar concluir?", "Deixa eu falar", "Você não me deixa responder", "Que pergunta!", "Cada pergunta!", "Não vou aceitar esse tipo de provocação".
Depois, referiu-se a um jornalista com desdém: "um garoto da Folha de S.Paulo". Mais adiante: "Vocês, da imprensa, que fazem trucidamento moral das pessoas..." E ainda: "A imprensa é governista".
Só lá pela metade, quando o clima já estava péssimo, o experiente Clóvis Rossi deu-lhe um chega-pra-lá, e Ciro baixou um pouco a crista, admitindo que a coisa tava ficando feia e sugerindo que todos desarmassem os espíritos. Tudo bem. Mas foi ele quem armou!
Ciro fala bem, fotografa bem, é inegavelmente inteligente e decorou direitinho a lição de casa de entrevistas e palanques. Mas precisa fugir de duas armadilhas que está armando para ele próprio:
1) tem que parar de discursar só como líder de oposição, que só vê defeito e crise em tudo, e passar a discursar como candidato a presidente, que dá o diagnóstico e em seguida entra com a receita;
2) já passou da hora de refletir e rever a estratégia de estar sempre armando um barraco contra tudo e todos que vê pela frente.
Sabe por quê? Porque ele está tentando subliminarmente resgatar o sonho Collor sem os defeitos do Collor. Mas não pode justamente agir como o Collor nas suas piores performances, ácido, agressivo, dono da verdade, batendo boca a cada instante.
Ciro, de fato, tem chances nesta eleição. Mas Lula está marcando a posição de "maduro" e "equilibrado". Seu adversário mais forte não pode virar seu contraponto como "imaturo" e "desequilibrado". E, sinceramente, ficou parecendo ontem (terça, 13/08) que está a um passo disso.
PS - Antes que me acusem de excluir os dois outros candidatos: Garotinho é o entrevistado da próxima quinta, e Serra, o da sexta. That s it.
Eliane Cantanhêde
Eliane Cantanhêde é diretora da Sucursal de Brasília e colunista da Folha