Pela terceira vez, nos últimos quatro anos, o Brasil recorre ao socorro do FMI (Fundo Monetário Internacional) para cobrir as suas necessidades de financiamento externo.
Como o FMI é visto como um "emprestador de última instância" para ajuda países em dificuldades com as suas contas externas, solicitar ajuda durante tantas vezes em tão curto espaço de tempo certamente não é um indicador confortável, mas revelador de uma situação de fragilidade.
O FMI foi criado na segunda metade dos anos 40 do século passado, junto com o Banco Mundial, a partir da ordem econômica estabelecida ao fim da Segunda Guerra Mundial, derivada da Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944.
Formado por um sistema de cotas, das quais o Brasil também é um dos subscritores, sua principal função, a partir de então, foi justamente de precaução em relação às crises internacionais, fornecendo recursos para os países em dificuldades.
Devido ao seu sistema de cotas e a orientação ortodoxa, no que se refere à política econômica, o FMI apresenta algumas distorções na sua atuação.
Embora seja um órgão multilateral - que deveria portanto apresentar uma certa visão de imparcialidade e neutralidade -, na verdade o Fundo é significativamente influenciado pelos países mais ricos, com destaque para o papel exercido pelos EUA.
A segunda distorção está na sua visão conservadora da política econômica. No mais das vezes, as recomendações, ou até mesmo as exigências, que o FMI faz em contrapartida aos seus empréstimos em geral se revelam catastróficas para países em desenvolvimento.
As orientações de ajustes fiscais baseadas principalmente em corte de gastos, a elevação dos juros e demais restrições em geral agravam o quadro recessivo dos países, com impactos negativos diretos sobre a renda e o emprego.
Muita gente surpreendeu-se com a rapidez e o volume de recursos liberados pelo Fundo ao Brasil, nesse mais recente acordo.
No entanto, uma análise mais cuidadosa da situação do mercado externo e da própria economia brasileira revela-nos alguns pontos interessantes para reflexão:
1) A primeira observação é que o FMI cometeu muitos equívocos mundo afora.
Isso se deve à sua orientação ortodoxa e ao desconhecimento da realidade diferenciada dos países em crise, os quais em geral não se dão bem com as receitas padronizadas que lhe são recomendadas; 2) Houve uma significativa pressão de grandes corporações e bancos norte-americanos no sentido de exigir uma ação preventiva para evitar novos prejuízos, além dos já acarretados pela crise norte-americana e a situação argentina; 3) O fato de o Brasil já praticar em linhas gerais as políticas ao gosto do FMI, de forma que quase sem um grande esforço adicional foi possível acordar o pacote de ajuda. Algo que, pelas considerações anteriores, se deduz ser mais um problema do que uma solução.
No que se refere ao volume do empréstimo, é preciso destacar que a Coréia do Sul, um país hoje quase do mesmo porte que o Brasil em termos de PIB por valores nominais, obteve uma ajuda próxima de US$ 60 bilhões, em 1997, portanto o dobro do Brasil, para amenizar os efeitos de uma crise.
Ressalte-se que a saída rápida da Coréia após a sua crise se deveu mais à sua desobediência às recomendações do FMI do que propriamente por as ter acatado.
No caso argentino, para o qual hoje o Fundo "lava as mãos", numa atitude altamente questionável, houve um longo período de irresponsável aplauso à aventura Menem-Cavallo, a ponto de apresentar a política cambial argentina, que já se mostrava insustentável, como paradigma a ser adotado pelos demais países da América Latina.
Todo esse conjunto de fatores é algo que nos mostra que há muito pouco a ser comemorado, embora deva se reconhecer que, para o Brasil, se o acordo é ruim, seria muito pior sem ele. A crise de liquidez nos mercados tem surpreendido muita gente que se deixou levar pela falsa convicção de que os déficits externos sempre encontrariam financiamento.
A lição a ser aprendida é que é preciso diminuir significativamente a dependência de capitais externos para ganhar maior autonomia na política econômica e obter espaço para o crescimento.
Do ponto de vista da (des)ordem econômica internacional, crescem as discussões em torno da chamada nova arquitetura financeira. O desafio é diminuir a volatilidade do fluxo de capitais, que tanto tem trazido problemas para os países. Principalmente àqueles que, como o Brasil, ampliaram exageradamente a sua vulnerabilidade externa.
A prevalecer a fragilidade das contas externas brasileiras, a nossa relação com o FMI será sempre, de maneira análoga, a mesma existente entre a corda e o pescoço.
Antônio Corrêa de Lacerda
Antônio Corrêa de Lacerda é economista, professor da PUC-SP e autor de "O Brasil na Contramão? Plano Real, Política Econômica e Globalização" (Saraiva) e-mail: aclacerda@globo.com