“Porque é vergonhoso que estando na situação em que estamos, tenhamos a pretensão de crer que somos algo, nós que nunca temos certeza e nem uma opinião constante acerca das mesmas coisas, e o que é pior, acerca de questões de suma importância, tal nosso grau de ignorância” (Platão)
Uma amiga, profissional de uma clínica de psicanálise de São Paulo, me disse outro dia que observa um número crescente de pessoas sem muito escrúpulo que se aventuram a oferecer atendimento psicológico que chamam de holístico. Juntam a esse tratamento alguns parcos conhecimentos de Física Quântica adquiridos em palestras ou artigos de divulgação e se auto denominam de curadores de qualquer coisa. Como a quantidade de pessoas com problemas sérios de adaptação às crises da vida é cada vez maior nesta Era de Aquário, essa fica sendo uma fatia do mercado muito interessante para os oportunistas, muitos com uma pseudo formação na área. Esse não é um problema novo e é claro que muitos ortodoxos defensores do aprendizado baseado na punição se afinam no bestial coro destinado à reabertura da temporada de caça às bruxas com tolerância zero, utilizando o rigor da lei e levantando a questão do charlatanismo nesse ramo de atuação. Segundo esses, estaríamos assistindo o nascimento dos néobruxos que, sem dúvida, merecem a fogueira sumária. Sem desmerecer a natural preocupação, a questão seria muito fácil de resolver se fosse o caso de tão somente se instituir uma inquisição baseada nas letras mortas. A história já mostrou como esse tipo de atitude corre o risco de se desvirtuar totalmente.
Como tudo na natureza é complexo, desejando fazer uma análise desse ponto de vista, fui ao Aurélio e notei que algumas definições para charlatão são: impostor, embusteiro, trapaceiro, explorador da boa-fé do público. Vou à cata de impostor e embusteiro e leio na mesma fonte: hipócrita, ardiloso, fingido, aquele que apresenta vaidade extrema e falsa superioridade. Como diriam os americanos, oops! Qual a sintonia entre essas definições e a dos fariseus a que o Mestre se referiu nos “Ai de vós ...” de Mateus 23? Fariseus, aqueles que viviam apontando o dedo para uns e outros em tom de julgamento refinado e protegido pelo clã dos poderosos, mas que por dentro eram cheios de podridão. Vejo que a história se repete. Foi o próprio Mestre que propôs a evolução do ser humano livre e responsável através de uma metanóia que, na essência, não consistiria numa conversão à igreja A ou B ou à escola esotérica X ou Y e muito menos a nenhum dogmatismo científico que castra, limita e embrutece. Que tal esperar uma estrela cadente e fazer um pedido especial? O de se revestir de repórter para cobrir a missão Cavalo de Tróia para poder perguntar aos fariseus que estavam ouvindo o Mestre no episódio de Mateus 23 o que achavam da sova de dedo? E aí checar quantos admitiriam que as duras palavras utilizadas lhes serviam de carapuça? Claro que as reações mais prováveis seriam: “não me incluo nessa”, ou “coitado de fulano” ou então, “vamos linchá-lo por blasfemar”! Será que mudou muito hoje?
Como distinguir, então, o verdadeiro embusteiro, o mal-intencionado, o charlatão ou o fariseu? Aqueles para quem, se vivessem naquela época, o próprio Mestre seria um embusteiro, um charlatão? O mesmo Mestre dá uma dica importantíssima para o discernimento procurado: “uma árvore boa não dá maus frutos.... pelos frutos os conhecereis...”. Portanto, não é tão difícil discernir quem é quem. É só prestar atenção aos frutos. E às atitudes no dia-a-dia também. Por exemplo, é muito fácil alcunhar o outro de charlatão sem ter conhecimento de causa. Por que esses, então, se arrogam no direito de colocar no mesmo saco as pessoas que falam uma linguagem que simplesmente não conhecem? Interessante que muitos desses inquisidores modernos não se abrem a uma avaliação mais ampla da sociedade, defendem-se no corporativismo institucionalizado, ainda que veementemente por eles negado. As atitudes desses “donos da verdade” soam como a do fariseu que estando em pé na frente do altar do templo, orava consigo desta maneira: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, ladrões, injustos e adúlteros, .... jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo” (Lc 18, 11-12). Trazendo para a nossa realidade, seria a oração daqueles que amaldiçoam o novo no dia-a-dia, mas freqüentam os templos nos finais de semana, batendo no peito: “Obrigado Senhor porque não sou como aqueles fariseus que vem com aquelas idéias bestas, malucas e charlatanescas da Física Quântica ....”!
É claro que não se recomenda acreditar ingenuamente naqueles que se dizem profetas do novo sem uma avaliação mais profunda. Porém, julgar este ou aquele sem conhecimento de causa cheira mais farisaísmo pernicioso do que outra coisa. Oops, de novo. Fui redundante! Sem dúvida, é bem provável que hoje em dia existam muitos embusteiros se utilizando do holismo e da Física Quântica, mesmo porque essa linha se apresenta como um grande filão a ser explorado. Porém, quem teria o direito de abrir a boca antes de ler, estudar e aprender o que é holismo, caos, complexidade, psicologia transpessoal e Física Quântica, ou seja, a nova ciência deste século que se inicia? Quem pode ironizar os novos conceitos se o que conhecem desses assuntos beira o valor da constante de Planck em porcentagem numa escala que vai de zero ao número de Avogadro? Se o fizerem, se juntariam aos fariseus que julgavam o Mestre sem conhecer quem realmente deveria ser o Messias, baseando-se apenas nas tradições de seus antepassados. Padrões esses, antigos e empocilgados, que se acumulados se identificam com os talentos enterrados. Para esses, conseqüência da livre escolha que fazem, haverá “choro e ranger de dentes”.
Portanto, antes de chamar alguém de charlatão, sugere-se reconhecer que espelho não serve apenas para retocar a maquiagem. Há outras funções importantes, até mesmo transcendentes para o espelho. Como, por exemplo, mirar-se! Metaforicamente, é um caminho para se chegar ao mundo das próprias sombras. Ao dos espíritos também, como contam alguns mitos e fábulas. Porém, ao mesmo tempo, se as sombras forem bem trabalhadas, é ele que abre caminho para o “país das maravilhas”, como diria Alice. Quem não usa o espelho para isso e continua seu julgamento inquisidor e obstinado de buscar e identificar charlatães em seu meio, corre o risco de estar expondo alta e vistosa sua própria bandeira de fariseu confesso. E aí merece as palavras de Platão ressaltadas no início. De quebra, se pegar uma carona com o major na operação Cavalo de Tróia, vai engrossar o time dos visados pelo Mestre em Mateus 23.