Não há dúvida que existe uma forte correlação entre a miséria e a violência em nossa sociedade, o que é visível na área urbana de São Paulo. Basta colocarmos lado a lado os indicadores econômico-sociais e os índices de homicídios para verificarmos que a violência impera e sempre imperou nos bairros mais miseráveis da metrópole. Graças as vergonhosas taxas de crescimento de nossa economia e o conseqüente agravamento do desemprego, a violência, como uma epidemia, alastrou-se por todos os cantos de nossa sociedade.
Muitos economistas defendem a idéia de que o desenvolvimento econômico por si só é capaz de resolver o problema da miséria e de melhorar as condições de vida. Para estes, o mais importante para o país é a retomado do crescimento da economia, colocando-a em um círculo virtuoso de prosperidade. Esta visão purista, restrita ao aumento da oferta de bens e serviços, foi substituída por uma concepção mais sofisticada do desenvolvimento. Ao puro crescimento econômico, outras variáveis sociais, ecológicas e de vida comunitária estão hoje fazendo parte da avaliação das condições de vida nas sociedades modernas.
Devemos a Amartya Sen essa visão mais compreensiva da necessidade de mudança, incluindo na avaliação do desenvolvimento, também os indicadores de qualidade de vida. O índice de desenvolvimento humano (IDH) construído a partir da concepção de Sen, considera além da renda per capita, os indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula) e os de saúde (esperança de vida). Graças a essa mudança qualitativa de conceito, é que pudemos verificar que o Brasil, embora esteja entre as dez maiores economias do mundo, fica entre os países de médio desenvolvimento humano.
Considerado a nível local, o IDH tem sido um valioso instrumento para ranquear os municípios desde os que apresentam as melhores condições de vida aos que se encontram no fundo do poço econômico-social. Esta classificação possibilita a adoção de políticas públicas seletivas visando a melhoria daqueles municípios que se encontram entre os piores detentores dos indicadores. Infelizmente, este útil instrumento para definir prioridades da ação pública tem sido pouco utilizado em nosso país.
O Estado de Minas Gerais é um raro exemplo de como se pode utilizar o IDH para uma política pública transformadora. Naquele estado, a chamada lei Robin Hood procurava, até recentemente, distribuir os recursos públicos de forma a contemplar os municípios que estivessem com os piores indicadores do IDH e que apresentassem um plano priorizando investimentos que resultassem em sua melhoria.
No nível das cidades, os indicadores de desenvolvimento humano incorporaram outras variáveis além daquelas três mencionadas anteriormente. Um exemplo, que já se tornou clássico, da utilização de uma gama de indicadores para monitorar e avaliar a qualidade de vida é o da cidade de Jacksonville, nos Estados Unidos. Lá a população criou uma organização não lucrativa, não partidária e não discriminatória que implementou um projeto para monitorar e melhorar a qualidade de vida local.
O modelo de qualidade de vida adotado é composto por indicadores das seguintes áreas: a) economia; b) educação; c) segurança pública; d) saúde; e) ambiente natural; f) ambiente social; g) governo local; h) recreação e cultura; i) facilidade de locomoção (transporte público).
Em primeiro lugar, os indicadores serviram para conscientizar a população sobre as condições da qualidade de vida local mostrando onde as condições estavam boas e onde elas não estavam. Em segundo lugar eles foram utilizados para, através de um processo de escolha consensual, definir prioridades em termos de uma ação coletiva para sua melhoria. Neste processo, educação foi considerada a área prioritária seguida por melhoria na segurança, no ambiente natural, na saúde, no ambiente social e na economia.
Muito embora houvesse sido detectada uma necessidade de geração em média de 7000 novos empregos por ano, as variáveis sociais foram consideradas as que mereciam uma maior atenção, uma vez que a qualidade de vida foi definida como um sentimento que a população deveria ter com relação ao bem estar geral e a satisfação trazida pelas boas condições no ambiente geral da vida comunitária.
Os 14 anos de ação coletiva pela melhoria dos indicadores sociais resultaram em uma significativa mudança na qualidade de vida local, tendo como conseqüência uma melhoria no desempenho econômico. A melhoria na qualidade de vida acabou atraindo capital para ser investido no município, e desta forma criar empregos para os habitantes. Jacksonville se constitui em um exemplo de como o terceiro setor, através da conscientização, da mobilização e da ação social pode mudar a qualidade de vida em uma comunidade. Neste caso, a ação centrada na melhoria das condições sociais acabou criando condições para a melhoria nas condições econômicas.
Em São Paulo, estamos avaliando os efeitos na qualidade de vida provocados pela atuação durante dezenove anos de uma associação comunitária em uma favela. Neste caso, o foco de atuação foi, também, a área social. Ações para a melhoria nas áreas de educação, saúde, cultura, recreação, ambiente de vida coletiva acabaram resultando em uma melhoria da qualidade de vida dos habitantes locais. Os índices de violência estão entre os mais baixos do município de São Paulo e a renda per capita na favela, comparada com a renda per capita do bairro onde ela esta inserida, é maior. Este surpreendente resultado econômico encontra uma explicação no suporte social que a associação oferece aos chefes de família que habitam a favela.
Com todas as crianças nas creches e nos programas de reforço escolar e com os adolescentes ocupados com atividades educativas profissionalizantes, os pais, e todos em idade de trabalhar, podem exercer uma atividade remunerada aumentado a renda familiar. O custo de tal programa social é baixíssimo. Considerando a população total atendida, cerca de cinco mil pessoas, o custo médio per-capita é de R$ 400,00 anuais, ou seja cerca de R$34,00 por mês ou aproximadamente US$17.50!
Certamente o que se gasta hoje com segurança privada em São Paulo se fosse utilizado em programas sociais como os descritos acima, seriam mais que suficiente para que pudéssemos melhorar o ambiente geral de nossa vida comunitária.
Luiz Carlos Merege*
*É professor titular, doutor pela Maxwell School of Citizenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse é Coordenador do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Centro de Estudos do Terceiro Setor - CETS da FGV/EAESP. Email: merege@fgvsp.br