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Artigos-->Preconceito lingüístico -- 29/08/2002 - 09:50 (Hilton Görresen) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
PRECONCEITO LINGÜÍSTICO



Existem assuntos que são tabu. Só o fato de você tocar neles, levanta uma grita tremenda. Um deles é religião. Outro, pasmem, é a língua. Não obviamente aquele apêndice que possuímos dentro da boca, mas sim o sistema de códigos que utilizamos para nos comunicar. Em nosso caso, a língua portuguesa, ou simplesmente o português.

De um lado estão os defensores da língua pura, adeptos da gramática normativa, caçadores de “erros” ortográficos ou gramaticais, nas mais simples manifestações cotidianas da linguagem. De outro lado estão os chamados lingüistas, estudiosos da língua que proclamam a evolução e a variabilidade de nosso instrumento de comunicação. Espremidos entre essas duas categorias de sábios, estão os milhões de brasileiros que, coitados, não sabem português.

Mas como é isso? Como é que milhões de usuários podem desconhecer a própria língua? Em que língua então têm se comunicado até agora?

O pior é que eles próprios se recriminam de não saber o português, deixando para outros, os privilegiados, o direito de serem os donos da língua. Esse português que o povo julga desconhecer é o que se conhece como “norma culta”, ou “norma-padrão”, a língua dos bacharéis, da imprensa, das escolas, dos concursos, etc. É importante saber utilizá-lo? Certamente que sim, pois é um dos elementos que propicia a ascensão social e cultural do indivíduo. É o português da elite.

Esse fato gerou um novo preconceito, acrescentado a tantos outros existentes: quem não utiliza a linguagem da elite, é ridicularizado, não sabe português, fala “errado”. Preconceito que a própria pessoa insiste em carregar consigo, quando se convence de que “não sabe português”. E que muitos “cobras” na gramática alimentam, principalmente na mídia, priorizando as cabeludas teorias gramaticais como forma de ensinar a língua. É quando formas habituais de linguagem entram em choque com a rígida sintaxe clássica. Construções sintáticas consagradas pelo uso do povo são tachadas de “erradas” com base nas normas de Portugal. E são rechaçadas, desprezadas, em nome de regras difíceis de entender e de lembrar.

Ora, é absurdo um brasileiro envergonhar-se de não saber o português. A linguagem “errada” do povo deve ser respeitada como uma das variedades de nossa língua, praticada por aqueles que não têm e dificilmente terão acesso à norma culta – e estamos falando de milhões de indivíduos – e não ser considerada um desvio, uma abominação, que os coloca sem remissão na categoria de ignorantes da própria língua materna.

Quem determinou que o português da elite é o único correto? Obviamente, a própria elite, num processo que se desenvolve desde que o mundo é mundo. Quem sabe se, futuramente, com tantas voltas que dá o mundo, a língua falada hoje pelo povão passe a ser considerada a correta!





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