A fundação do Partido dos Trabalhadores, em pleno regime militar, me entusiasma, o PT nasce nos sindicatos, parido pelas greves dos metalúrgicos, auspiciosa notícia. Vamos Ter, por fim, pensei, um verdadeiro partido operário, integrado, orientado, dirigido por trabalhadores. Acaba-se o tempo dos falsos partidos operários – os partidos comunistas e trotskistas, os trabalhistas – nos quais intelectuais, em sua maioria medíocres e presunçosos, pequeno-burgueses arrogantes e vazios, ditam ordens com acento portunhol, arrogam-se representantes do proletariado, em seu nome sonham assumir o poder e mandar brasa. Fardam-se com uniforme de dirigentes revolucionários, lêem, sem muito entender, brochuras traduzidas do russo ou do chinês para o espanhol, consideram-se sábios, arrotam teorias, juram por Marx e Lenine, por Stalin (ou Trotsky) e Mao, seriam grotescos se não fossem perigosos: no poder não há quem os segure, serão capazes de qualquer estupidez, de qualquer monstruosidade, como está sobejamente provado – Stalin continua a ser o ídolo a imitar.
Conheci e tratei com muitos desses indivíduos, em escalões diversos do poder – por vezes o pequeno poder de uma célula do Partido -, alguns não eram más pessoas, mas estavam todos deformados. De repente perdiam a fisionomia humana, bonecos repletos de ideologia de segunda mão, de marxismo, de leninismo, de maoísmo, aprendida de oitiva, pois não são de muito ler – no particular não lhes nego certa razão, pois Marx reinventado em soviético é dose para elefante, fica tão estulto quanto chato.
Ah! o bode perde o pêlo mas não perde o ranço, ao saber da fundação do PT bati palmas, veemente, tomado de entusiasmo, rasguei elogios nas colunas dos jornais, congratulei-me com Eduardo Suplicy. A ilusão durou pouco, logo o PT virou frente de grupelhos e de siglas radicais, os mesmos subintelectuais dos pecês (acrescidos dos padres corajosos e sectários da teologia da libertação), sob o comando de ex-dirigentes stalinistas e maoístas que perderam toda e qualquer perspectiva política, já não acreditam em nada: são apenas aproveitadores. O PT ficou igual a qualquer dos antigos partidos operários, a qualquer dos partidos brasileiros, um saco de gatos.
Em verdade não existem partidos políticos no Brasil com princípios e compromissos, existem frentes onde cabem todos os segmentos ideológicos, onde convivem direita e esquerda no vaivém dos interesses pessoais. Não são partidos, são siglas que se intitulam democráticas, trabalhistas, sociais-democráticas, liberais, socialistas, sem que tais denominações tenham a ver com tomada de posição, razão de luta ou de governo, uma desfaçatez. E ainda por cima pretendem estabelecer o parlamentarismo. Parlamentarista que sou, tremo de medo. Parlamentarismo sem partidos, ah! esse parlamentarismo à brasileira vai ser uma graça, uma bambochata!"
(Jorge Amado, in “Navegação de Cabotagem, pg. 31 e 32)
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"(Bahia, outubro de 1989 – campanha eleitoral)
(...) Atento, acompanho nos vídeos a trajetória de Lula, candidato do poderoso Partido dos Trabalhadores, cuja fundação durante o regime militar tanto me alvoroçou. Não conheço Lula pessoalmente, dele falam-me bem e acredito. Parece-me homem direito, hoje coisa rara, sua atuação de dirigente sindical nas greves dos metalúrgicos, durante a ditadura, foi exemplar. O alarmante sectarismo de seu discurso eleitoral, ao que tudo indica, não é inerente à sua personalidade, decorre da própria campanha, influência talvez dos ideólogos do PC do B que a dirigem e orientam. Discurso de um atraso pasmoso, como é possível imaginá-lo diante dos acontecimentos do leste europeu, ao fim de uma época, quando ruem teorias, estados, desmorona o socialismo real, se assiste ao funeral da ditadura do proletariado? Discurso classista, aponta exatamente para a ditadura do proletariado: tão antigo e superado, dá pena.
Chamo a atenção de Zélia para o fato de que jamais, no decorrer dos dois programas diários de propaganda eleitoral, em nenhum momento o candidato do PT pronunciou a palavra povo, nem ao povo se dirigiu. Fala em nome da classe operária e a ela se dirige, amanhã no poder será a ditadura em nome dos trabalhadores, em nome do socialismo. Zélia não se altera, mantém íntegro seu entusiasmo cívico, trauteia, em resposta, o belo jingle de Chico Buarque: Lula-lá. Eu lhe digo, para atazaná-la:
- O discurso de Lula parece escrito em Tirana pela viúva de Enver Hodja(*).
Dou-me conta de que estou dizendo a verdade”.
(*) Enver Hodja (1898-1985), ditador alvanês de 1945 a 1985.
(Jorge Amado, op. cit., pg. 9 a 11)
Nota:
Os trechos acima foram retirados da obra de Jorge Amado, “Navegação de Cabotagem”, livro de memórias, editado pelo Círculo do Livro Ltda, São Paulo, 1992.
P.S.:
Se 2 anos após a fundação do PT Jorge Amado já havia descoberto que aquele Partido não passava de um saco de gatos, disputado por aproveitadores de toda ordem, que diria Jorge Amado hoje, quando Lula-laite, o “lulinha paz e amor”, aos sorrisos e abraços com Quércia e Sarney, diz uma coisa na TV, durante o programa eleitoral (em que Lula-laite salienta a necessidade de o Brasil aumentar suas exportações), enquanto o seu Partido, junto com suas organizações satélites (PCB, PC do B, PCO, PSTU, CUT, MST, CNBB e outras), mantém um discurso stalinista ultrapassado, ao ser visceralmente contra os EUA, nosso mais importante parceiro comercial, em um plebiscito contra a ALCA, o FMI e o acordo Brasil-EUA em Alcântara?
Claro, nem o PT nem Lula-laite pregam abertamente o tal plebiscito, afinal, o tetracandidato está em campanha, não convém radicalizar no momento, os votos são importantes. Mas até as duas tartaruguinhas aqui em casa sabem qual a posição do PT a respeito do plebiscito. Essa a razão, também, de Lula-laite ter amansado, por ora, o MST. Depois das eleições, ganhando ou perdendo, Lula-laite poderá se utilizar desse grupo falangista totalitário para impor o socialismo no campo, como já vem ocorrendo com muito sucesso nesses 8 anos do malfadado e infame desgoverno FHC.