Vocês já se deram ao luxo de reparar a quantidade de livros de auto-ajuda que pululam nas livrarias ? Hoje , possivelmente, eles representam o maior filão editorial do Brasil. De tão importantes, ganharam até uma seção especial nas listas dos mais vendidos, junto com os de ficção e não-ficção. Curiosamente, observando as vitrines, qualquer leitor encontrará uma receita infalível para solucionar um dos seus problemas: timidez, infelicidade, desemprego, depressão e , antes de tudo, como ser um vencedor num mercado intensamente competitivo.Todos estes males passaram a ter soluções infalíveis , compram-se os tais livros com a mesma disposição com que se adquire um analgésico na farmácia da esquina. Qualquer pessoa com um mínimo espírito crítico , ao folhear estes livros miraculosos, perceberá, num átimo, que, a grande maioria das vezes , está comprando filosofia, psicologia que sequer mereceriam ilustrar as páginas de um Almanaque Capivarol. Pura enganação, mera armadilha para aprisionar e depenar os incautos, cada vez mais freqüentes no carrossel do consumo.
Talvez o ouvinte já se tenha perguntado a razão de nestes dias atuais estes livros fazerem tanto sucesso e serem quase que leitura obrigatória do grosso da nossa população. Possivelmente, a raiz da questão esteja na terrível competitividade e concorrência que se criaram. Hoje as pessoas são penosamente solitárias, já não existem amigos, namorados, amantes, colegas : só concorrentes ! Pela manhã sai na rua um bando voraz de pretensos ganhadores, se auto-sussurando , conforme ensina a cartilha dos livros : Eu posso! Eu sou Vencedor ! Eu vou alcançar o sucesso ! Pensamento Positivo, cara ! A meta para chegar no topo da escada é fazer de degrau todos aqueles que se encontram no caminho. O companheiro de trabalho tem que ser derrotado, o colega de escola precisa ser pisoteado, o amigo precisa ser afastado e os amantes e namorados só interessarão enquanto estiverem dando alguma ajuda neste estranho e solitário alpinismo social. Não tendo amigos e companheiros, o homem não tem com quem contar e não pode também transparecer suas enormes fraquezas e mascaradas frustrações, corre então para a felicidade de bolso :os livros de auto-ajuda, ou seja : não existem outros nesta terra, cada um tem que se ajudar a si mesmo. Solidariedade no mundo atual se resume apenas à primeira sílaba : Só !
Existe hoje um rendoso segmento do setor de auto-ajuda que dá consultoria às empresas , com técnicas motivacionais e obscuras de relacionamento humano. Direcionaram a auto-ajuda no sentido de aumentar a produção industrial, dando receitas infalíveis de sucesso e ascensão profissional. No fundo, pregam aos operários a mansidão, a obediência cega às ordens patronais, convencendo-os que a empresa é sua família e que crescer profissionalmente depende apenas do : Sim Senhor ! Tá Bom ! Com certeza , patrãozinho ! O importante é convencê-los de que a empresa tem coração, não é apenas uma mera planilha de lucros .
Dia desses vi, na TV, um desses consultores mirabolantes destilando uma filosofiazinha de pé de balcão. Mostrava um muro e uma ponte e dizia que ambos eram construídos do mesmo material. Apesar desta similariedade , tinham função totalmente diferente, o muro isolava , fechava e a ponte ligava, aproximava. Concluía, enfaticamente, comparando-os com o temperamento das pessoas. Cada um podia ser uma ponte ou um muro, ou seja, ser extrovertido, bem relacionado ou então preferir ser calado, ensimesmado, fechado em copas. O consultor, com ares socráticos, fechava a teoria, enfaticamente : Ponte ou Muro ? A escolha é sua !
Utilizemos a imagem do consultor para tecer algumas reflexões. A primeira delas é que ninguém pode escolher entre ser muro ou ponte. Nasce-se ponte ou muro, independente de escolha pessoal. Da mesma maneira que o material encostado num canto não tem o direito de escolher em que tipo de construção estará metido, nós também não temos esta escolha. Possuímos um temperamento mais aberto ou fechado sem que isto passe por nossa vontade. Além de tudo, o mais bonito e admirável na natureza é exatamente esta diversidade de temperamentos e personalidades. O mundo seria terrivelmente chato se todos fossem exatamente iguais, como querem estes consultores. Um outro ponto que nos aprece interessante é que muitas vezes o muro é muito mais importante que a ponte. O muro que separa um depósito de lixo atômico do resto da humanidade é bem mais simpático que uma ponte desembocando num presídio ,por exemplo.As generalizações sempre são perigosas.Não bastasse tudo isto, os grandes avanços do planeta foram concebidos pelos muros e não pelas pontes. Einstein, Freud, Pitágoras, Newton, Lavoisier, Aristóteles, Nietsche , Galileu foram todos cientistas e filósofos ensimesmados, reclusos mas sem eles nenhuma ponte teria sido construída : nem as pontes que ligam as margens das estradas , nem aquelas que atam as fronteiras da consciência.Sem eles , também, não existira a TV com a cotidiana tolice dos consultores de empresas com suas pontes ligando o nada a coisa nenhuma e seus muros cercando a mal disfarçada fragilidade do seu pensamento.
