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Artigos-->Circunlóquio -- 28/01/2000 - 20:14 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ando meio cismada. Sobreposta à minha figura, quer me divisar uma sombra escura, pesando sobre mim à asfixia. O vulto de negro chapéu e talhe esguio, vem, desprevenido de tudo, mãos abanando, nada de halo poderoso em volta. Tenho para mim que aquele meu gritinho fino (de, quando sozinha, abro a jaula aos leões e tigres domesticados) desmaiará exausto a caminho das estrelas, antes que aquele paladino aplaque a taquicardia do meu esperar confuso.

Combate desigual esse, uma vez que, de arma, só conto com um par de pés fugidios, atolados à falsa fé pelo malfazejo cavaleiro noturno, e tanto mais me mexo, parece que tanto mais me afogo na massa pegajosa.

Ele, a um passo do meu coração, eu querendo correr, medrosa - não, seria mais que medo: pânico, melhor -, meu querer apenas o tradicional "pleno de boas intenções". Como se eu estivesse num auditório lotado, um palestrante rezando um manual narcótico à frente de cabeças apoiadas em bons pescoços, e eu fosse lograda por meu estômago infame, roncando alto para o público numeroso a minha vergonha.

Era como eu estava agora, presa num lodaçal, com uma ânsia arrebentando de dentro, à minha revelia. Por isso estaquei, o coração batendo um tantã onomatopaico. Mas isso é irrelevante agora e pode bem ser mais um sintoma de outra agonia momentânea que me invade. Xilografo que eu estava mesmo apenas tensa, nada mais, tensa porque não sabia se o que estava para vir seria bom ou se seria ruim, ou se nem viria. Não me refiro à sensação de ansiedade, freguesa minha, que de tão assídua e pontual trato pelo apelido de "automoenda". Não, convencida de que o que me incomodava naquilo tudo eram os efeitos colaterais do corpo, meus esgares ao pé da letra, perguntava eu: onde vagariam meus sentimentos mais abissais? Tremores e suores, o que de tristeza, o que de alegria? O que eu pressentia, no claro, era medo? Mas vindo de onde? (emoções sem bula)

O chão de concreto armado sob os pés! Eu sabia: se conseguisse a glóooooria de me arrancar daquela angústia e ganhar a primeira porta, meu gesto seria um abano de bandeira branca, de paz não seria, mas um gesto naquela hora teria de ser decodificado, e podia a tradução sair meio torta.

Deu-me um lampejo. Eu devia era de todo me erguer de um salto, sem ensaios espasmódicos de marionete. Venceria aquele lodo pegajoso só quando parasse de pensar, isso! O que fiz: uma tontura me impediu o pensar, o supor, o ponderar. De meus poros só o que saíram foram reflexos e pulsões, mas eu? Dava era um medo de abandonar aquela pose tão diligentemente ensaiada. Parecia que um respirar mais profundo seria a deixa, e eu não queria dar a entender nada, nada.

Ele, em silêncio, que fazia? Traçava mapas de guerra, o alvo sendo euzinha, assinalada com um xisão na testa - mereço, meu amor, esse seu gesto agressivo? -, assim de quem me quisesse banir do planeta. Ele, de longe, me rebuçando de carinhos os mais sonhados, eu uma pomba tonta, arrulhando sob suas asas negras - assim, assim mesmo. Depois ele me apertando a nuca, aqui ó, nesse ponto que me agoniza, sem perdão, sabe onde? E que vergonha eu sentiria depois, sabendo que aquele gracejo acendera-me os faróis da volúpia!

De molde, cairia a gravura de uma serra de ervilhas encimada por um raminho de salsa aventureira, simbolizando a flor no pântano. Um prato frugal, numa mesa bem-posta, ao enfeite de um candelabro. A divindade espartana, vestida com a roupa do corpo, tomando ônibus, aportando de mala e cuia numa pensão estranha, depois instalando-se no quarto numerado, assim, sem pai nem mãe, assim, da vida.

Mas a última lava do vulcão eu guardava com mimos para quando explodisse o meu último coração, e essa bomba sangüínea vibraria de caso pensado, em viagem de itinerário antevisto no computador da feira mística do shopping. O meu destino teria um porto certo, onde eu desembarcaria não de navio, tão permeável às ventanias. A minha nau flutuaria em mar sereno, sem nenhuma nuvem de tempestade. Mas só de dizer "nau", já o que vejo é uma galera desenhada sobre picos de onda, o vento soprando e soprando, balanços e enjôos. Por isso minha couraça creio que caberia era num trem-de-ferro, taturana articulada em trilhos corretíssimos, numa reta sem cascalho nem plantas derredor, nem fosse possível ver um viés de céu da janela. Assim, fora de qualquer vida, indo sempre e sempre, nada de volteios nem túneis, assim em-frente-marche, sem ré, rumando para.

Meus olhos nunca me mentem (não obstante o maldito coração): nas falanges desses dedos suarentos, a ânsia incontida, represada, gritando a minha solidão, eu me agarrando a um tenaz que me pince do mar de fogo. Meu cavaleiro! Vinha momento, um vento soprava um fio de cabelo dele, e me vinham umas ganas de apossar-me daquela farpa de DNA alado, migalhinha sua. No fingir displicência, eu cataria no ar a relíquia. Quanto mais cacos dele eu aprisionasse, mais e mais se avolumariam meus mares. Alheio a minhas tempestades, ele, na sua prolongada constância, a paisagem correndo tresloucada em sua volta, ele tão aéreo (por isso lindo).

Trilha só de ida. Também, para que pista dupla, se odeio o passado? Todo rio, desde priscas eras, não vem e passa? Ah, eu me contentaria em ser a folha que bóia na superfície, à mercê apenas de um céu azulzíssimo. Pedra em fundo de água eu não quero, fiquem lá, soterradas âncoras. Tanta coisa eu trazia no corpo em escondidas tatuagens, algo que só eu conhecia, minhas marcas, meus prazeres solitários. Tanta marca, em todas eu trazia flores e peixe e planos e sóis. Nunca montanhas, nem árvores empedradas. Eu queria tanto era o correr das horas. Eu louca, rompendo a tênue barreira do som, num carro turbinado no deserto. Sem arrebatamentos crepusculares, apenas o ronco do motor, o corpo trepidando todo. Dia interminável, depois noite. Sem tardes. Nem arco-íris, tampouco. Se o céu de repente emborcasse assim - sabe como? -, e fosse possível que eu pisasse as nuvens, delas fazendo meu leito, podia ser que eu assinasse minha rendição incondicional. Mas caminhar sobre chãos imprevistos, isso não e não.

O concreto que eu queria certo só estava era me cerceando a liberdade de rio. Bem diante de mim um oceano, conclamando-me ao velho mundo, às viagens cabralinas, de nau e de procelas e de mares nunca dantes navegados, etecétera, etecétera, etecétera. O medo do ponto em que o mar se encontra com o céu. O terror da verdade do que habita atrás do arco-íris. O risco de ser tragada por algum rodamoinho invisível, posto de propósito no meio do mar, e no final a risada do trovão ante a minha agonia.

Foi aí que, enquanto eu pensava, o impulso foi crescendo, crescendo, até sobrepujar o corpo, e arranquei-me do lodaçal para o descampado, este tão cruelmente vago até não mais poder. Nem sinal de vento, de gente, de ruídos, desejáveis nessa hora. Ele, sua figura se resvalando para a penumbra, meu coração na boca, eu subindo degraus no chão plano, galgando degraus desnecessários de escada volante, que muito me lembravam o ócio das esteiras de academias de ginástica. Se eu rompera o cimento, agora tinha para meu regalo o passo liberto sobre um chão que também se movia. Grande consolo! E eu seguindo, agora girando doida num caracol, girando e girando, pela escada sem fim, e demais me parecia que agora eu estava era dentro de um mistério indecifrável, que jamais eu seria capaz de me deslindar dos fios de Ariadne em que eu me enredara.

Subi todos os degraus, desconfiada de que nunca houvera, de fato, um destino certo, e na viagem, o medo fora meu único e fiel companheiro. Desta vez, o que eu temia era a sombra de meu cavaleiro, escondida sob aqueles degraus desnecessários que, agora sei, eu mesma construíra. Depois de muitos e muitos labirintos, avisto uma esquina (minha salvação!) e para lá prontamente me desvio, enfastiada de tanta magnitude branca. Qual minha surpresa quando acabo esbarrando em quem? Na figura negra que me espreita, em paciente aguardo, querendo dizer: terminou a firula?

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