Luiz Inácio Lula da Silva tem declarado que nunca esteve tão bem com a vida. Pudera. Tido como o próximo presidente do Brasil, embora se saiba que "o jogo só acaba quando termina", e promovido a estadista por alguns de seus novos adeptos - estadista honoris causa, naturalmente, porque a maestria na condução da coisa pública ainda não consta de seu currículo -, nada mais natural que o candidato se sinta em estado de graça. Por isso mesmo, ele precisa cuidar, com urgência, do seu ego inflado. A soberba de suas recentes declarações - reminiscente de um estilo que parecia abandonado, juntamente com velhas crenças, graças à "evolução da espécie" no seu dizer -, além de levantar dúvidas sobre a autenticidade de sua mutação, não poderia ser mais inoportuna, diante dos esforços de brasileiros e estrangeiros para assegurar aos investidores externos que o País não virá abaixo caso Lula seja eleito.
Credenciados por sua seriedade, o presidente do Banco Itaú, Roberto Setubal, o presidente do Citigroup International e ex-dirigente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Stanley Fischer, e ainda o jornal londrino Financial Times, em um mesmo dia, puseram-se a contrabalançar as expectativas dos mercados financeiros internacionais em relação a um eventual governo petista, impregnadas de desconfiança e medo. Essas expectativas derivam em boa medida do fato de que, diferentemente do que aconteceu no plano nacional, a maioria dos agentes econômicos de outros países não acompanhou a gradativa construção do "novo Lula" e o aparente aggiornamento do PT, conduzido por lideranças moderadas, que fizeram com que o êxito do candidato deixasse de ser visto aqui como causa para alarme.
A aversão ao risco brasileiro que acompanha, além-fronteiras, o favoritismo de Lula, precisava, de fato, ser combatida por vozes autorizadas a pregar o restabelecimento do equilíbrio e da lucidez em face do quadro brasileiro. Do contrário, como a proverbial profecia que se cumpre por si mesma, estariam criadas as condições objetivas para se concretizarem os mais sombrios prognósticos sobre o cumprimento, em um governo do PT, dos compromissos assumidos pelo País. Foi o que animou Roberto Setubal a dizer em Washington que "a comunidade empresarial brasileira está preparada para apoiar" Lula, que "não é movido pela ideologia". "Sua eleição não é uma rejeição ao que vem sendo feito." Fischer, de seu lado, lembrou que os petistas pedem que se olhe os orçamentos dos Estados e municípios que administram como prova de que não flertam com a inflação. O mesmo apelo ao bom senso está no editorial do Financial Times que adverte para os perigos de uma "reação exagerada" dos mercados à possível eleição de Lula.
Enquanto isso, o que faz o candidato? Em vez de aproveitar, em favor do País, a invejável circunstância de não ter do que se queixar, continuando no papel do "Lula, paz e amor", reverte à velha hostilidade, atacando em tom arrogante os mercados por desejarem que defina logo os nomes de sua equipe econômica - o que é imperativo que faça, imediatamente, se e quando for eleito. "Quem vai ser o presidente do Banco Central? Isso não interessa. É um problema meu", declarou Lula, em um surto de personalismo, durante um comício, esquecido de que o problema, antes de tudo, é do Brasil e interessa sim, por suas óbvias implicações, a toda a sociedade. Na semana passada ele já havia contribuído para a deterioração dos indicadores financeiros nacionais, ao eliminar, sumariamente, na entrevista ao Estado, a possibilidade de manter Armínio Fraga no BC, por um período de transição.
Agora, tenta justificar o erro com a alegação - simplória e injusta - de que o presidente do Banco Central "não está dando conta do recado".
Pelo visto, Lula esperava que Fraga derrubasse por um passe de mágica a cotação do dólar, que subiu 25% em setembro porque o rumo da sucessão é o mais importante fator singular que explica o comportamento dos mercados. Se o cenário mais plausível fosse o de vitória do tucano José Serra, essa disparada não teria ocorrido - e custa crer que o petista desconheça isso.
No mesmo comício do "não interessa", ele se comparou a Machado de Assis, que fundou a Academia Brasileira de Letras sem ter diploma universitário.
Conviria que Lula lembrasse que ainda não fez no plano político-administrativo o que Machado já tinha feito, à época da criação da Academia, no plano literário. E não será deixando que a sensação de bem-aventurança lhe suba à cabeça que o candidato mostrará aos céticos que ele pode dar conta do recado.