A ditadura militar do Brasil, que eu vivenciei de 64 a 85, ocorreu em uma época de transição na sociedade em nível mundial. Coincidiu com movimentos feministas, protestos da comunidade jovem e movimentos culturais e estudantis.
O meio artístico teve um papel importante. As manifestações culturais foram monitoradas por elementos do hoje extinto SNI (Serviço Nacional de Informação) e o Departamento de Censura Federal dava previamente o sinal verde à letra de música, peça teatral ou programa de radiodifusão, cujo texto não contivesse trechos que pudessem subverter a ordem nacional. Caso houvesse qualquer indício de subversão, qualquer frase que evidenciasse uma tendência reacionária, o autor, o diretor, atores, ou qualquer outro envolvido - mesmo amador, era preso e sujeito a interrogatório, que via de regra culminava com tortura física e lavagem cerebral.
Na política, existiam apenas dois partidos: o de direita: ARENA (Aliança Renovadora Nacional), atualmente PDS (Partido do Desenvolvimento Social), que apoiava o governo, formado por militares e tecnocratas e o de esquerda: MDB (Movimento Democrático Brasileiro) atualmente PMDB (Partido Movimento Democrático Brasileiro), que em tese era oposição.
Havia-se despertado um ufanismo exagerado em torno da imagem da nação brasileira: “Esse é um país que vai pra frente”. “Plante, que o governo garante”. “Brasil: ame-o ou deixe-o” e outras frases pontearam as gestões governamentais militares, que se sucederam: Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Projetos faraônicos foram iniciados, para mostrar a grandeza, a soberania e a necessidade de independência econômica e integração nacional: Ponte Rio-Niterói, Rodovia Transamazônica, Paulipetro, Carajás, Itaipu e outros, a maioria deles sem conclusão ou continuidade.
Durante essas três décadas, de crise energética mundial, lançaram-se projetos e parcerias de risco, como prospeção de petróleo no mar territorial brasileiro, usinas nucleares e o pró-álcool, que ousava substituir a gasolina derivada de petróleo, pelo álcool, extraído da cana-de-açúcar, energia oriunda de matéria prima renovável.
Por outro lado, incentivou-se o transporte rodoviário, em detrimento do fluvial e do ferroviário, este último relegado ao mais completo abandono, excetuando-se o metrô, que de fato é uma obra considerável, que herdamos da ditadura.
Muito se explorou por parte da imprensa falada e escrita, a respeito de seqüestro de personalidades, com propósitos políticos e das guerrilhas urbanas, ocorridas durante o regime de exceção. Porém, mesmo me considerando um cidadão alienado das manifestações contrárias ao regime, posso afirmar com toda certeza que: apesar da ordem reinante, do equilíbrio da oferta e procura no mercado de trabalho, da qualidade de vida melhor nos centros urbanos, a população protestava mais e reivindicava mais do que hoje em dia, época em que acreditamos viver num regime democrático, de um governo de raiz social.