Hoje chegou a oportunidade de explicar o porquê do “por que” sem o sinal de pergunta. Quando publiquei o livro de contos “Por que Petrônio não ganhou o céu” não coloquei o ponto de interrogação, por três motivos: primeiro, porque, em nossa língua, quando a pergunta começa com “por que” separado, já se deve saber que se trata de pergunta e não de resposta, portanto não há necessidade de mais nada; segundo, porque os sinais de pontuação são usados apenas para esclarecer, e se não há necessidade de clareza podem até confundir (como é o caso do uso exagerado da vírgula); terceiro, os editores e artistas gráficos acham que fica feio usar sinais de pontuação nos títulos dos livros. Por estas razões, também o título deste artigo – pergunta cabulosa que fazem aos escritores.
Numa entrevista do escritor Carlos Heitor Cony ao jornal “Rascunho”, a primeira pergunta foi essa. E ele respondeu com grandes evasivas. No meio da peroração disse “escrevo para me comunicar, para melhorar o mundo”, mas adiante confessa que acha não ter conseguido melhorá-lo em nada, apesar de ser autor de uma obra bastante vasta. E depois conta uma história interessante, “a história do Aragão”, que passo a relatar com minhas próprias palavras. Estava a patota de jornalistas no “Jornal do Brasil”, no tempo do SDJB, entre os quais Cony e o Mário Pedrosa. Chega uma senhora pedindo uma ajuda, era a diretora do Pinel, em Engenho Novo, e queria que o jornal fizesse uma matéria sobre uma exposição de pintura dos loucos. Mário Pedrosa (era o papa das artes plásticas no jornal) disse que deveriam ir lá, e foram. Viram todos os quadros e ele, observando um dos óleos, disse: “Este é um Cèzane, um gênio.” Chamaram o autor, um tal de Aragão. Pedrosa comunicou-se com o Ministério da Educação, fizeram uma “baita” exposição, todos os quadros foram vendidos. O Aragão saiu dos hospício, fez a barba, cortou o cabelo e viajou por Espanha, Itália e outros países, três anos por lá. Quando tudo já estava esquecido, chega novamente a mulher ao jornal: “Olha, eu vim aqui novamente por uma coisa muito chata... O Aragão...” Todos pensaram logo: “Ele está rico.” A mulher completa: “O Aragão está na pior, numa solitária, preso, furioso, não pode sair..” O Mário Pedrosa foi lá: “Aragão, você é um pintor, não pode ficar assim, tem que voltar a pintar.” Ele olha para o seu protetor e diz: “É, eu pintei, mas ninguém tomou providências.”
E daí o Carlos Heitor Cony conclui a resposta: - “É isso aí, a gente escreve, escreve, escreve, e ninguém toma providências. O que se pode fazer? Ficar louco furioso como o Aragão, eu não vou.”
História verdadeira, talvez com o acréscimo do humor.
Assis Brasil esteve recentemente adoentado – depressão – e depois de consultar médicos e mais médicos chegou à conclusão de que leu mais e melhor sobre o assunto do que seus médicos. Dia deste, encontrando-se com um piauiense no centro do Rio, perto de uma livraria, ouviu dele: “Não encontro nenhum livro seu, nas livrarias.”
Pode? Quem já escreveu e publicou mais de 100 livros, não ter um sequer exibido nas livrarias do Rio, é uma penúria, pois sabe-se que as livrarias pedem no máximo 5 exemplares de cada título e, não sendo vendidos dentro de 30 dias, devolvem-nos aos porões das editoras. Eles, os editores e livreiros, não tomam providências! Daí, resuma-se: Para que escrever? Para ganhar dinheiro? Pode alguém, eventualmente, sobreviver do que escreve. Mas é evidente que especulando com o dólar ganharia muito mais.
Escreve-se, quero dar uma resposta ao leitor, e respondo por meu caso, mais por uma realização pessoal. Há dois caminhos que o escritor busca: atirar-se profundamente sobre sua própria alma e, através desse conhecimento, poder compreender o outro; ou buscar o mundo do “não-eu”, para, através dessa exegese, situar-se como pessoa, encontrar-se consigo mesmo. No jogo da vida e da escrita (escrever e ler dá prazer, é lúdico), dois grupos de emoção controlam as demais: – o prazer e o medo (Freud e Reich) . Toda doença é uma doença da alma, não há apenas doença física ou doença mental. O corpo e a alma são um todo, o homem. Se hoje o homem está doente socialmente, o homem individual também está, e muito. Não existe um homem solitário em si, é uma ficção. “Dentro de toda a esfera viva, o homem é o único animal que mata friamente o seu semelhante, isto é um horror, uma catástrofe.” (Ana Maria Lenzoni, in “Arqueologia das Emoções”, Vozes – RJ, 1999).
Os escritores trabalham na busca de solução para esses problemas. A arte é um antídoto para a violência.
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*Francisco Miguel de Moura (e-mail: franciscomiguelmoura@ig.com.br) é escritor, membro da APL e do Conselho Estadual de Cultura.