Há muito tempo eu digo e repito que regionalismo é a forma de ser da ficção americana, não apenas a brasileira ou latino-americana. Portanto uma escola literária. Precisa explicar? O Novo Mundo, descoberto pelos europeus, tinha muito de novo a oferecer: sua fauna, sua flora, sua terra diferente. E aqui se estabeleceram portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, é verdade, mas sozinhos não fizeram a América. Precisaram do concurso humano do indígena, nos primeiros tempos, e, depois, dos africanos. Não somente para o trabalho. Com essas raças se fundiram, receberam seus costumes, seus falares, suas religiões. E depois a América ainda recebe outros emigrantes, de orientais a nórdicos, de indianos e polinésios. Ainda hoje somos terra de imigração. Nossa cultura teria que ser diferente, assim nossa literatura.
Nosso primeiro movimento cultural na literatura é o nacionalismo, o regionalismo vem em seguida, claro que com todas as adaptações à língua do europeu e à sua compreensão. Isto não significa que as coisas adaptadas não sejam diferentes das adaptantes.
Regionalismo é o nome de nossa corrente literária mais numerosa e mais forte no romance, no conto e até na poesia. Tudo é regionalismo na América, no Brasil, e, de certa forma, nos demais países latino-americanos, inclusive na América do Norte.
Há também algum tempo venho divulgado um novo autor que surge dentro do Regionalismo renovado – Moura Lima, do Estado de Tocantins. Outros devem ter surgido por aí. Mas vamos falar do que conhecemos de antes: Herberto Sales, sobre quem o grande crítico Assis Brasil faz um estudo singular e publica recentemente um livro pela Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, 2002, 112 pg., com prefácio de Alberto da Costa e Silva. É o autor, Herberto Sales, quem define, sob epígrafe, o que é um bom escritor: “O bom escritor é aquele que nos seus livros nos leva a um reencontro com o que temos em nós de mais profundo e verdadeiro. E se ele o faz com estilo, tanto melhor para quem o lê.”
Assis Brasil, já no primeiro capítulo, informa sobre a ficção de HS:
“Por um lado temos o registro da linguagem literária em nível regional, com certa estilização de expressões localistas; de outro, o interesse por uma ficção algo clássica, na concepção do romance por exemplo, embora a linguagem artística – na concepção de Roman Jakobson – remeta Herberto Sales, não ao passado, de onde vem a sua formação, mas ao futuro, ombreando-se com os escritores experimentais e pesquisadores – seus romances utópicos provarão isso.”
Com boa vontade, ambas as definições se resumem a uma espécie de regionalismo. Herberto Sales é um pessoa de formação e costumes da zona rural da Bahia e começou efetivamente regionalista. Por isto tem-se queixado de que a crítica sempre o considerou um escritor classicizante, mas que o rótulo não o fez perder a cabeça. Num trocadilho bem interessante, responde: “Fui abrindo o meu caminho com o que eu sabia, e com o que eu sabia fui aprendendo o que eu queria, para afinal fazer como eu queria o que eu fazendo fazia.”
Estreou em 1944, com “Cascalho”, que li com prazer. Bom romance, claro mas não fácil, clássico na estrutura da frase mas regionalista no resto. Naquele ano, o pessoal do Nordeste (Jorge Amado, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego) já tinha lançado seus principais romances. Herberto Sales é da segunda fase do Regionalismo, considerando-se que o Regionalismo tenha foros de escolar a partir do romance de 30, o que não é verdade.
Depois disto já quiseram matar o Regionalismo, mas outros e outros regionalistas vivem e escrevem em Goiás, Piauí, Bahia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Pernambuco, Amazônia, etc. Por que isto? Ninguém, nenhum crítico explica. Tem medo de expor a verdade?
O romance brasileiro, eu digo, é todo ele regionalista, a começar de José de Alencar, Euclides da Cunha, Machado de Assis – este, regionalista urbano, do Rio de Janeiro. Há muitos regionalistas urbanos de São Paulo, também. Herberto Sales é um regionalista que se classicizou. Que importância tem esse acréscimo? Em todos os Estados brasileiros há regionalistas “tardios”, para mim, verdadeiros. Citaria, no Piauí, Fontes Ibiapina, Alvina Gameiro, William Palha Dias; em Tocantins, como falei acima, surgiu Moura Lima, com uma linguagem que encanta, cria, estabelece. Em Goiás, o Alaor Barbosa.
A história do romance brasileiro ainda está por ser feita, e liberta das amarras dessas teorias tacanhas, levantadas a partir de uma realidade que desconhece o real. Assim, não dá. Vamos discutir literatura seriamente.
A obra crítica de Assis Brasil perscrutando o assunto, vem trazendo muitas perguntas e algumas respostas para a discussão do papel do romance no Brasil, no seu contexto artístico e histórico.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor, membro da APL e do Conselho Estadual de Cultura.