Ciência e religião, ainda que muitos digam serem compatíveis, têm-se mostrado duas coisas de todo inconciliáveis. As religiões têm absoluta certeza do que pregam enquanto a ciência tem dúvida, o que reforça as convicções de pessoas que aceitam cegamente algo dito divino. Paulo descreveu bem a fé como o “firme fundamento daquilo que se espera, a certeza das coisas, que se não vêem”. Todavia, muitas das vezes, tem-se mostrado ela a “certeza da existência das coisas que não existem” (Hebreus, 11:1). O que ocorre é que a dúvida científica reflete a responsabilidade que os cientistas sentem pelo que dizem, sentimento este que não passa pela cabeça dos religiosos.
Argumentou, em 1987, um dos autores religiosos: “A ciência não afirma categoricamente que a raça humana procedeu de um só casal, mas a palavra de Deus afirma isso com toda clareza em Atos, 17: 26”. (Raimundo F. de Oliveira, Seitas e Heresias, pág. 123).
Aí é que reside uma grande diferença: A ciência elabora uma hipótese com base em indícios circunstanciais e fáticos e estuda os elementos existentes com a finalidade de alcançar a comprovação da realidade. Os religiosos, por seu turno, aceitam incondicionalmente o que encontram escrito considerado divino, considerando-o verdade absoluta. Essa aceitação cega, entretanto, não faz com que a afirmação seja verdade, senão nas cabeças dos crentes. Por anos e séculos, não havia provas irrefutáveis contra as chamadas “verdades”, mas o progresso científico chegou ao ponto em que pôde tornar algumas dessas “verdades” tão claramente insustentáveis, que, com exceção dos mais radicais, muitos mestres religiosos já tentam dar mirabolantes explicações, atribuindo significados os mais amplos aos termos hebraicos, aramaicos e gregos utilizados pelos escritores bíblicos, como meio de adaptação dos textos às descobertas científicas incontestáveis.
O evangelho afirma que o próprio Jesus Cristo predisse que as estrelas cairiam do firmamento próximo de seu gloriosos retorno à Terra (Mateus, 24:29), e seu discípulo João presenciou, em sua visão do Apocalipse, as estrelas caindo “sobre a terra, como quando a figueira, sacudida por um vento forte, deixa cair os seus figos verdes” (Apocalipse, 6:13).
Naquela época, e mesmo séculos depois, isso parecia perfeitamente possível, mas a cosmologia moderna não deixa nenhuma sombra de dúvida sobre a impossibilidade de tal fenômeno, uma vez que uma estrela das menores tem no mínimo vinte e seis mil vezes o tamanho do nosso planeta. Um astro com dimensão menor não é capaz de gerar fusão nuclear para ter o brilho estelar. Isso, porém, não é suficiente para alguns radicais desistirem da defesa das “verdades” inverídicas. Há quem diga que o termo “astera”, traduzido por estrela, significa “asteróide”, referindo-se não propriamente às estrelas. Não levam eles, contudo, em consideração que, ainda que fosse um punhado de asteróides, isso poria fim a tudo no nosso globo, inviabilizando o resto do Apocalipse.
Nos dias de Galileu Galilei e de Giordano Bruno, que cometeram o pecado de afirmar uma realidade hoje incontestável, a Bíblia era a prova para decretar a morte dos que blasfemavam contra a palavra divina. Hoje, a própria igreja que matava os heliocentrista não tem mais como não admitir o próprio erro. Aquela certeza que justificava a execução dos que ousassem desmentir a “palavra de Deus” não pode mais subsistir.
Quando Charles Darwin percebeu a evolução das espécies, suas idéias soavam como o maior absurdo. Hoje, com o avanço da arqueologia e da miscroscopia, nem o papa nega a realidade da evolução. No entanto, não faltam os que tentam de todo modo possível contestar esse fato. Se os vírus e bactérias sofrem alterações genéticas visíveis em poucos dias, adaptando-se para sobreviver aos ataques medicamentais; se o progresso arqueológico mostra fósseis humanos distintos à medida que se retrocede no tempo por muitos milhares de anos ou milênios, não há como admitir que tudo tenha sido criado imutável há cerca de seis mil anos.
Ainda há uns poucos que procuram em pequenas imperfeições dos métodos científicos de datação insistir na defesa do relato criacional bíblico. Todavia, ainda que haja falha, elas são extremamente pequenas para transformar seis milênios em bilhões de anos. Ademais, a química mostra que seria impossível uma matéria orgânica se transformar em petróleo em apenas alguns milênios.
A par dessa incontestabilidade em relação ao tempo, não podendo negar que haja milhões de anos de desenvolvimento do nosso planeta, outros hábeis teístas querem transformar os seis dias da criação em longas eras geológicas, sob o argumento de que “yon”, o termo bíblico traduzido por “dia”, não significa especificamente um período de vinte e quatro horas. Isso é em parte correto em relação ao termo, vez que a nossa própria palavra “dia” não significa necessariamente em todo tempo, um período de vinte e quatro horas. Contudo, ao dizer que “foi a tarde e a manhã, o dia primeiro”, o segundo, o terceiro, etc., é muito difícil aceitar que não se esteja referindo à parte noturna e a diurna de cada dia.
No sentido oposto, afirmam outros que os anos de vida dos homens componentes da linhagem de Adão a Noé não são anos reais, podendo serem meses, isso para não persistir na afirmação absurda de que pessoas tenham vivido cinco, seis, ou até mais de nove séculos em uma época em que a expectativa de vida era muito inferior à nossa atual. Nesse caso, com meridiana clareza, cai por terra o argumento, com base na própria bíblia, bastando para isso lermos o relato do dilúvio:
Gênesis, 7: 11: “No ano seiscentos da vida de Noé, no mês segundo, aos dezessete dias do mês, romperam-se todas as fontes do grande abismo, e as janelas do céu se abriram.” Isso é suficiente para se ver que os meses deveriam ter aproximadamente trinta dias, pelo menos dezessete estão mencionados.
Gênesis, 8: 5: “E as águas foram minguando até o décimo mês; no décimo mês, no primeiro dia do mês, apareceram os cumes dos Montes.” Pelo menos dez meses já foram mencionados. Não resta dúvida de que o escritor do Gênesis falava de tempo contado em anos de doze meses de trinta dias, uma vez que os cumes dos montes apareceram no primeiro dia do décimo mês e “No ano seiscentos e um, no mês primeiro, no primeiro dia do mês, secaram-se as águas de sobre a terra.” (versículo 13). Seria necessário mesmo uns dois meses para secar tanta água. Não há como subsistir a tese de anos serem meses.
A alegação religiosa contra a incerteza científica é tão aceitável, como aceitar a afirmação categórica de que um indivíduo de cabelos todos brancos, com rugas profundas e corpo encurvado tenha vinte anos de idade, só porque não haja prova inequívoca de que sua idade esteja entre sessenta e oitenta anos.
A tão boa definição paulina de que a fé é “o firme fundamento daquilo que se espera, a certeza das coisas que se não vêem” tem-se revelado, à luz do conhecimento moderno, “o firme fundamento das coisas infundadas, a certeza da existência das coisas que não existem.” A ciência, por sua vez, embora não tenha explicação inquestionável sobre todas as coisas, já desfez satisfatoriamente muitas das chamadas “verdades” de que se tinha tanta certeza no passado.
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