“A responsabilidade civil, em sentido estrito, é o direito geral (ou comum) da reparação de danos, perante o qual a obrigação de reparar danos oriundos de obrigações negociais é mero direito especial. Isso fica evidente dentro da concepção que temos sustentado e segundo a qual o direito das relações obrigacionais deve ser objeto de uma tripartição fundamental: a responsabilidade civil geral (ou em sentido estrito), as obrigações negociais e o enriquecimento sem causa.
A responsabilidade civil, em sentido estrito, tem por objeto a tutela do interesse das pessoas na reparação de danos sofridos em conseqüência da violação por outras de deveres gerais, de forma a ficarem tanto quanto possível na situação em que estavam antes de haver sido praticado o fato lesivo. As obrigações negociais têm por objeto a tutela do interesse das pessoas na realização de prestações resultantes de compromissos voluntariamente assumidos por outras. O inadimplemento dessas obrigações produz a responsabilidade negocial, geralmente (e impropriamente) designada de contratual. O enriquecimento sem causa ou, como se diria melhor, a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, tem por objeto assegurar a devolução ao patrimônio de uma pessoa daqueles ganhos que outrem (que será o devedor) tenha conseguido à custa dos bens (direitos reais) ou até da pessoa (direitos da personalidade) daquela”.
Não podemos falar sobre Responsabilidade Civil dos pais, direta e indireta, ou de outrem no campo do Direito Positivo, sem que tenhamos que obrigatoriamente tecer comentários, sobre a ÉTICA, A MORAL E OS BONS COSTUMES, a NORMA DE CONDUTA, bem como o DIREITO SUBJETIVO.
O direito subjetivo, de que é titular a pessoa componente do pólo ativo de uma relação jurídica, permanece em estado de latência para realizar-se quando e se houver o descumprimento do dever por parte do devedor. Esse direito subjetivo, ou facultas agendi, constitui a prerrogativa ou faculdade que o titular do direito objetivo violado possui de invocar a proteção do Estado e exigir a imposição coercitiva do cumprimento do dever jurídico correspondente, ao seu descumpridor. Citando VANNI, VICENTE RÁO assevera que “direito subjetivo é a faculdade concedida aos indivíduos de agir de conformidade com a norma garantidora de seus fins e interesses, bem como de exigir de outrem, aquilo que, por força da mesma norma, lhes for devido”
A todo poder jurídico uma obrigação correlata corresponde.
A relação jurídica pressupõe, necessariamente, uma correlação de poderes e deveres, os quais por sua vez, qualificam os elementos pessoais ativos e passivos dos direitos que formam a relação e lhe dão vida.
Relação jurídica não há, nem pode haver, que não consista em relação entre pessoas.
A correlação entre os poderes e deveres se caracterizam pelo vínculo jurídico que os unem e atinge os seus respectivos sujeitos ativos e passivos.
Vejamos também os modais deônticos propostos por ALF ROSS, para explicar o dever, em suas formas positiva e negativa: A palavra dever pode ser substituída por prescrição ou por proibição, segundo as regras que se seguem. Afirmar que um ato está prescrito quer dizer que há o dever de realizá-lo; afirmar que um ato está proibido quer dizer que há o dever de não realizá-lo.
Ao dever de A corresponde a faculdade de B. B possuir uma faculdade relativamente a A quer dizer que B pode acionar a maquinaria jurídica para obter uma sentença contra A; ou que o fato de B mover um processo é condição necessária para a possibilidade de condenação de A.” (grifos no original).
Direito e dever, portanto, não existem efetivamente um sem o outro. O dever corresponde ao direito. O titular de um direito pode exigir que os posicionados no pólo passivo em relação a tal direito o façam valer e respeitar. De igual modo, não haverá dever divorciado de um direito que se lhe relacione, juridicamente falando, já que o dever pode assumir outras conotações que não a jurídica e obrigar por impositivos morais, religiosos ou culturais.
Para definir dever jurídico, ANDRÉ FRANCO MONTORO o correlaciona ao sujeito, asseverando que:
Ao conceito de ‘sujeito passivo’ ligam-se as noções de ‘dever jurídico’ e de ‘prestação’ que constituem importantes categorias jurídicas. O sujeito passivo tem o ‘dever jurídico’ de observar determinada conduta, que pode consistir em um ato ou abstenção (...) o dever jurídico se caracteriza por sua exigibilidade. Ao dever jurídico do sujeito passivo correspondem sempre a exigibilidade ou poder de exigir do sujeito ativo. Dever jurídico é aquele que pode ser exigido por outrem (sujeito ativo).
Para o direito de pessoa individualizada, poderá corresponder um dever de pessoa individualizada ou um dever de todas as pessoas, tal como ocorre na propriedade. Aquele que se faz titular do direito de propriedade tem a prerrogativa de exercê-la em todas as suas potencialidades e todas as demais pessoas têm o dever de respeitar a propriedade e não atentar contra o direito do proprietário. A regra jurídica situa, então, todas as pessoas que não o próprio titular do direito na posição jurídica de sujeitos passivos, logo, devedores. Conforme bem observa KELSEN, “para o direito de propriedade como direito absoluto típico, o proprietário tem um direito típico de exigir de todos a não interferência na posse de sua propriedade”.
TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR também traz a lume o pensamento normativo puro acerca das relações jurídicas, dizendo: “Kelsen, por exemplo, diz-nos que relações jurídicas não são relações entre seres humanos concretos, entre pessoas no sentido do senso comum, mas entre normas; isto é, desde que entendamos que o credor e o devedor, entre os quais se estabelece uma relação, são sujeitos e sujeito é o ponto geométrico da confluência de normas e que credor é o sujeito de um direito, o qual nada mais é que o correspondente comportamento prescrito por normas ao devedor (x deve pagar sob pena de z) e que o devedor é o sujeito da obrigação (conduta prescrita na norma e que evita a sanção), então o que chamamos de relação jurídica nada mais é do que relação entre normas (normas que qualificam os sujeitos, ativo e passivo, normas que lhes prescrevem condutas). A posição de Kelsen, na sua integralidade, nem sempre aceita pela doutrina, mostra, no entanto, que a qualificação jurídica das relações, mesmo que não se adote a tese normativista, implica normas e deve ser definida com a ajuda delas”.
Complementando a lição, valemo-nos do próprio HANS KELSEN, que assinala: “A norma jurídica não estipula a conduta que forma o dever jurídico. Apenas seu oposto, a conduta que é designada como ‘errada’, ‘ilícita’, ‘dano’, ocorre na norma jurídica como condição da sanção, que é o que a norma jurídica estipula. O fato de a norma jurídica vincular certa sanção a certa conduta faz com que a conduta oposta se torne um dever jurídico”.
Já para PONTES DE MIRANDA, nas relações jurídicas de direito das obrigações, os devedores são determinados desde o início, em virtude da natureza do fato de que decorre. Nas relações jurídicas com sujeitos passivos totais, o dever é de todas as demais pessoas; e a posição passiva nas pretensões e nas ações, ou exceções, depende de algum fato que atualiza o dever, isto é, que caracteriza, no presente, a posição passiva, que o enche de obrigação, que é o correlato de pretensão. Assim, tratando-se de direitos com sujeitos passivos totais, todos têm de abster-se de negar a relação jurídica em que se contêm, ou de que são expressões ativas, ou têm de abster-se de intromissão no espaço que eles ocupam no mundo jurídico. Os deveres que acompanham tais direitos com sujeitos passivos totais, diz PONTES, são deveres que vão dirigidos a alguém, titular do direito, dependendo de algum fato o ser perante A ou perante B, ou perante outrem a pretensão, ou a ação, ou a exceção. Nota-se aqui uma clara distinção quanto aos posicionados nos pólos ativo e passivo da relação jurídica, pois enquanto para o normativismo kelseniano a relação jurídica se opera entre normas, para Pontes de Miranda a relação jurídica se verifica entre pessoas.
Muitos dos atos da vida de relação, que se opera entre os seres humanos, e que repercutem no mundo do direito, não possuem por substrato, em sua gênese, imperativos de ordem jurídica, mas sim moral.
O sentimento moral, diz JOHN RAWLS, faz parte de uma ligação entre as atitudes morais e as atitudes naturais do homem. Para o autor, a inclinação para os sentimentos morais parece fazer parte dos sentimentos naturais, ou, ainda, sugere que os sentimentos morais são uma característica comum da vida humana.
E acrescenta RAWLS, acerca dos sentimentos morais: “Não poderíamos dispensá-los sem eliminar ao mesmo tempo certas atitudes naturais. Entre pessoas que nunca agiram de acordo com o seu dever de justiça, a não ser quando motivadas pelas razões do interesse próprio e da conveniência, nunca haveria laços de amizade e confiança mútua. Pois quando existem esses vínculos, outras razões são reconhecidas para agirmos de forma eqüitativa”. Partindo de tais considerações, compreende-se que muitas vezes, senão na quase integralidade das vezes, as pessoas sentem-se imbuídas de um dever de ordem moral, que as leva ao adimplemento de suas obrigações, a despeito da exigibilidade jurídica que lhes impõe o cumprimento da prestação obrigacional, ou do dever.
Disso se depreende que nem todos os deveres morais têm efeito jurídico. Para isso ocorrer, é preciso que seja um dever jurídico, ou como efeito jurídico ou como suporte fático de uma regra jurídica, ou seja, fato do mundo moral que serviu à composição do suporte fático que entrou no mundo jurídico.
O exemplo dessa situação é dado por PONTES DE MIRANDA ao elucidar a dicção do artigo 970 do Código Civil, quando diz que não se pode repetir o que se pagou para cumprir obrigação natural, pois se houve prestação e se havia dever moral correspondente a essa prestação, está composto o suporte fático da norma jurídica que veda a possibilidade de repetição (no sentido técnico = devolução) do pagamento. Caso típico dessa previsão é o de quem paga espontaneamente dívida de jogo, por entender-se moralmente devedor. O mesmo se diga em relação ao devedor que paga dívida já alcançada pela prescrição. O imperativo subjetivo que sustenta o móvel dessas ações humanas, em tais hipóteses, é de ordem moral ou natural e não jurídica.
No Direito Português, o conceito de obrigação natural encontra-se encartado no artigo 402º, do Código Civil Português, que estabelece: “Art. 402º - Noção. A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.”
E uma vez efetuado o pagamento de obrigação de cunho natural, este não pode ser objeto de repetição, tal qual se dá no Direito brasileiro. Vejamos a dicção do artigo 403º do Código Civil Português: “Não repetição do indevido. 1. Não pode ser repetido o que for prestado espontaneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação. 2. A prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção.”
O pagamento de dívida prescrita, sob o enfoque do direito italiano, é objeto de análise por ROBERTO DE RUGGIERO, que assinala a existência de entendimentos conflitantes quanto à repetibilidade. Diz o autor italiano:
Sustenta-se, por um lado, que a prescrição extingue a ação e não a relação creditória, que ela é uma causa formal e arbitrária de extinção, que a sua razão reside ou na necessidade de não manter eternamente em suspenso as relações e de não perpetuar os processos, de modo que esse fim cessa quando o devedor pague voluntariamente, ou na presunção de pagamento que desaparece quando o devedor, fazendo-o, nega que antes tivesse tido lugar; sustenta-se, por outro lado, que a prescrição da ação implica extinção integral do débito, que o seu fim não seria atingido ainda que a relação sobrevivesse na forma sequer mais atenuada de uma obrigação natural, e que é absurdo o suposto fundamento da presunção de pagamento.
Entendemos que a prescrição pode comportar dois efeitos específicos, atuando em dois planos diferenciados. Um, diz respeito à extinção da própria obrigação jurídica, quando a prescrição opera no sentido de direito adquirido do devedor. É o que se dá com as previsões do Código Civil que afetam a possibilidade de cobrar, por qualquer modo, o crédito, após decorrido certo lapso temporal. O que resta para o devedor é apenas a denominada obrigação natural. Nesta hipótese, se o devedor vem a pagar, mesmo já não mais devendo (juridicamente), por imposição de sua consciência (obrigação natural ou dever moral), não poderá repetir o pagamento, pois não se tratou de indébito.
Outro efeito liga-se ao título executivo ou documento representativo do crédito, gravado por lei com prazo prescricional para o exercício do direito de ação. Na primeira hipótese, o que se perde é a própria pretensão, desaparecendo a obrigação jurídica, embora subsista a obrigação natural. Nesta segunda, o que se perdeu foi apenas o direito à ação executiva do título, que prescrito, passa a ser mero indício de prova da obrigação, ainda exigível pela via ordinária ou pelo procedimento monitório, através, portanto, de outra ação.
No primeiro caso, com o pagamento espontâneo, o dever moral que motivou a prestação não volta a ser dever jurídico, nem efeito imediato da obrigação natural. Apenas compõe o suporte fático que foi subsumido pela norma jurídica fazendo incidir a impossibilidade de repetição, já que a lei assevera a impossibilidade de repetir o pagamento.
No segundo, a cobrança do título executivo prescrito é possível porque o credor não deixou de ser credor, nem o devedor livrou-se de sê-lo. Somente a via executiva prescreveu, restando a obrigação incólume.
PONTES DE MIRANDA contradiz o entendimento esposado por alguns autores no sentido de que o dever moral ou obrigação natural é dever jurídico em parte ou dever juridicamente reconhecido pela metade, afirmando que tal postura equivale a pôr o sistema jurídico em contradição consigo mesmo, pois o jurídico é ou não é; não pode ser e não ser ao mesmo tempo.
Nessa linha de pensamento, voltamos a observar o caráter do dever moral, que ante previsão legal obstativa da repetição, não se converte em jurídico nem passa a sê-lo pela metade ou em parte. O dever é puramente moral, nada comportando de jurídico em sua natureza. O pagamento realizado é que se reveste da impossibilidade de repetição, não porque o dever moral se tenha tornado jurídico, mas porque o ato espontâneo resultante do dever moral, até então inexigível juridicamente, reveste-se de legalidade e não pode ser repetido, já que a repetição, por natureza, pressupõe o indevido ou o ilegalmente pago, o que não é o caso.
Partindo da premissa de que todo dever possui um conteúdo e que este consiste em um ato ou uma omissão do devedor, PONTES DE MIRANDA os classifica em pessoais (prestação de serviços, abstenções) ou pessoais-patrimoniais (prestação de coisa ou de dinheiro). Para os atos ligados a dever meramente pessoal, haveria limites relacionados com a possibilidade de quem deve e de como se poderia exigir a prestação. Já para os atos pessoais de natureza patrimonial não haveria limites, de modo que, ainda que não possa pagar a dívida, o devedor continua a dever e está obrigado.
Há que se distinguir os conceitos de dever jurídico e de obrigação, o que desde já marca uma das referências principais deste trabalho. A doutrina preocupa-se em estabelecer a diferenciação entre ambos, situando cada um desses institutos jurídicos em sua correta posição dentro do Direito, a fim de que não restem confundidos entre si ou tomados como sinônimos absolutos.
Conforme bem observa MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, a obrigação comporta duas conceituações distintas, sendo uma em sentido lato e outra em sentido estrito ou técnico. Em sentido lato "obrigação designa todos os deveres e ônus de natureza jurídica ou extrajurídica". Apenas neste sentido amplo obrigação se apresenta como sinônimo de dever jurídico. Para o autor, afigura-se mais correto distinguir dever jurídico enquanto gênero e obrigação como espécie desse gênero. (destaques no original).
Em consonância com os ensinamentos de PONTES DE MIRANDA, “para que haja dever, há de haver, pelo menos, direito de alguém, ainda que do Estado, a que esse dever corresponda, - não é o mesmo dizer-se que ao direito há de corresponder obrigação de alguém ao titular do direito, ou, a fortiori, pretensão desse ou ação”.
Segundo o autor, “dever corresponde a direito; obrigação a pretensão. Todos têm o dever de atendimento dos direitos de personalidade e de propriedade. Daí falar-se em responsabilidade civil quando se trata de dano. (...) Porque à pretensão é que corresponde a obrigação, há direitos sem pretensão e pois, do outro lado, sem obrigação. Não, porém obrigações sem dever.” A lição é de lógica ímpar. Obrigação é modalidade estrita de dever jurídico. Ao dever jurídico corresponde um direito e à obrigação corresponde uma pretensão que também está calcada em um direito e, por conseguinte, em um dever que lhe é correlato.
Há situações em que a lei impõe a realização de determinadas condutas ou atos jurídicos que não estão em direta correspondência com um direito e um dever jurídico interligados, possuindo uma relação jurídica adjacente ou dela fazendo parte como elemento ou elo de ligação para o surgimento de novas relações jurídicas a partir da concretização de um direito.
Em tais casos, o que se poderá notar é que o ato jurídico a cuja prática alguém está vinculado, não coloca a pessoa que deve praticá-lo na posição de sujeito passivo de uma relação jurídica, uma vez que a este ato não se vincula um outro sujeito no pólo ativo, como titular de um direito.
Isto ocorre porque a pessoa que deve realizar a conduta não possui um dever. É, na verdade, o próprio titular de um direito, que para tutelá-lo ou completar o processo de aquisição do direito e gerar uma relação de sujeição onde as demais pessoas passem a possuir um dever em relação a esse direito, recebe do legislador determinado ônus.
Ao discorrer sobre o Direito das Obrigações, ORLANDO GOMES estabelece algumas distinções importantes que devem ser observadas para separar o conceito de obrigação do de dever jurídico, bem como de sujeição e de ônus jurídico: “O conceito de obrigação deve ser depurado da intromissão de outras noções jurídicas tecnicamente distintas, tais como as de dever jurídico, sujeição e ônus. A obrigação é, numa relação jurídica, o lado passivo do direito subjetivo, consistindo no dever jurídico de observar certo comportamento exigível pelo titular deste”. Segundo o autor, o dever jurídico é a necessidade que corre a todo indivíduo de observar as ordens ou comandos do ordenamento jurídico, sob pena de incorrer numa sanção, como o dever universal de não perturbar o exercício do direito do proprietário.
Já a sujeição, traduz a necessidade de suportar as conseqüências jurídicas do exercício regular de um direito potestativo, tal como é o caso do empregado ao ser dispensado pelo empregador.
A sujeição não impõe uma conduta ou abstenção correlata ao direito, mas sim a exigência de ter que suportar o exercício desse direito pelo seu titular sem reagir, sem irresignar-se, porque calcado na lei. Citamos mais, como exemplificação, a posição de sujeição do cônjuge separado de fato há mais de dois anos, em relação ao pedido de divórcio direto.
A lei, para a concessão do divórcio, exige apenas a comprovação do tempo mínimo de separação. O cônjuge que não concorde com a dissolução do vínculo conjugal não pode opor sua vontade como empecilho para evitá-la. O direito à obtenção do divórcio é potestativo; independe do consentimento ou da vontade e, portanto, impõe como único comportamento lícito e regular a sujeição. Não há aí qualquer dever ou obrigação. A sujeição decorre da inexistência de mecanismos jurídicos capazes de impedir o exercício do direito por seu titular.
Outro exemplo claro de sujeição é o que se dá em todos os casos que envolvam a Administração Pública, atuando em prol da coletividade e voltada à realização finalística do bem comum (finalidade pública), ocasião em que faz valer a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e, por critérios de conveniência e oportunidade, revogando atos jurídicos (administrativos) em detrimento de interesses individuais.
O mesmo ocorre, segundo a mesma principiologia, na desapropriação da propriedade imóvel para atender ao interesse público, cabendo ao titular do domínio a mera discussão quanto à justiça do preço depositado, mas não podendo obstar a atividade administrativa que o destitui da propriedade.
A nosso ver, portanto, a sujeição não é imposta por lei, mas mera decorrência da inexistência de mecanismos jurídicos válidos para impedir o exercício do direito pelo seu titular. Não se impõe qualquer dever. Não há que se fazer ou não fazer, mas apenas sujeitar-se.
O ônus jurídico, por sua vez, impõe a necessidade de agir de certo modo para defesa de interesse próprio. Assim é que o credor pignoratício ou hipotecário, para poder fazer valer seu direito real de penhor ou hipoteca e opô-lo erga omnes, tem o ônus de levar a registro o contrato ou a cédula, no registro de imóveis. O mesmo se diga em relação ao adquirente de bem imóvel, sem cujo registro não será proprietário. O exercício exigido opera em função dos interesses do próprio agente.
Mas não se pode dizer que existe aqui um dever jurídico de qualquer espécie, porque o ônus não se dirige a um devedor situado no pólo passivo da relação jurídica e sim ao próprio titular do direito.
Nem decorre o ônus das relações jurídicas subjacentes. Seria um sofisma alegar que o comprador de bem imóvel tem o dever jurídico de realizar o ato registral, sob pena de poderem todas as demais pessoas privá-lo dos direitos da propriedade.
O que ocorre é justamente o contrário. O comprador de um imóvel é titular de direito em relação ao vendedor. A relação jurídica entre ambos já se estabeleceu. Mas para ser proprietário e poder desfrutar dos amplamente direitos da posse, uso, fruição, gozo e livre disposição do imóvel, com oposição contra terceiros, tem o ônus de levá-lo a registro junto ao cartório de registro de imóveis competente.
Não há na imposição desse ônus uma correlação de direito e dever, daí porque o adquirente não está no pólo passivo de nenhuma relação jurídica que o obrigue a praticar o ato. Se não o fizer, poderá inclusive defender a posse contra qualquer ofensor e, em relação ao que lhe vendeu, conservará toda a plenitude dos direitos advindos da relação jurídica de venda e compra.
Ao cumprir, porém, o ato registral, passa a ser titular efetivo de um direito que, agora, o coloca no pólo ativo de uma relação jurídica, onde todas as demais pessoas da coletividade passam a compor o pólo passivo e ter o dever de reconhecer e respeitar a propriedade e o de tolerar o exercício regular dos direitos, a ela inerentes, pelo seu titular. Daí a condição de ônus ou encargo e não de dever jurídico.
DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade são aqueles concernentes à pessoa humana. São Inatos, segundo CARLOS ALBERTO BITTAR, e “nascem com a pessoa e para a sua individualização no mundo terrestre; prevalecem sobre os demais direitos, que, em eventual conflito, fazem ceder;”.
São considerados direitos absolutos, porque se opõem erga omnes. E quando conflitam entre si, devem ser harmonizados, através de uma solução pacificadora onde um direito não exclua o outro.
Os direitos da personalidade constituem os chamados bens da vida, objeto de tutela pelo Direito, mas cuja individuação revela dificuldades, conforme assevera GUSTAVO TEPEDINO: “A dificuldade de individuação do bem jurídico objeto dos direitos da personalidade revela-se na lição de Ferrara, para quem ‘nos direitos absolutos o objeto não é a res, mas os outros homens obrigados a respeitar o seu exercício’. Assim sendo, os direitos da personalidade ‘têm por conteúdo a pretensão de exigir respeito de tais bens pessoais. A vida, o corpo, a honra, são o produto de referência (termine di riferimento) da obrigação negativa que incumbe à coletividade”.
Observa-se desta análise, a figura de sujeito passivo total, por nós já estudada neste trabalho, que emerge no contexto da relação jurídica que se opera entre o titular do direito (de personalidade) e todas as demais pessoas, em face das quais pode exigir respeito aos bens da vida de que se faz titular, visto que são sujeitos passivos detentores de um dever comum.
O tema, no entanto, comporta algumas divergências, acentuando-se a polêmica doutrinária que existe quanto a possuírem os direitos da personalidade um caráter de direito subjetivo ou não e quanto a constituírem um direito propriamente dito.
J. M. LEONI LOPES DE OLIVEIRA aponta a primeira dessas dissensões, tratando da natureza jurídica dos direitos da personalidade, onde relaciona, dentre os que negam aos direitos de personalidade o caráter de direito subjetivo, autores como Savigny, Von Tuhr e Enneccerus e, dentre os que lhe atribuem tal caráter, De Cupis, Guido Alpa, Capelo de Sousa e Orlando de Carvalho, posicionando-se, o autor, com a segunda corrente.
O autor condensa, ainda, os apontamentos de RICARDO LUIS LORENZETTI, acerca da classificação dos direitos fundamentais, neles incluídos os direitos da personalidade, sob o ponto de vista da evolução histórica, em quatro gerações de direito, esumidamente: Primeira geração: introduzida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, se consubstancia em uma liberdade negativa, dizendo respeito aos limites impostos ao Estado de lesar a liberdade das pessoas, consistindo, por parte do Estado, numa obrigação de não fazer, ou seja, não se intrometer nas liberdades individuais. – Segunda geração: ao garantir os direitos econômico-sociais, procurou exatamente uma atuação do Estado, através de um fazer, para garantir, por exemplo, o direito ao trabalho, a moradia, à saúde, etc. – Terceira geração: visou garantir novos direitos que podem ser sintetizados no objetivo de garantir qualidade de vida, tais como os direitos que protegem bens como o patrimônio histórico e cultural da humanidade, o direito à autodeterminação, à defesa do patrimônio genético da espécie humana. Quarta geração: direitos fundamentais expressos por Lorenzetti como ‘direito de ser diferente’, tais como a homossexualidade, à troca de sexo, ao aborto, etc., por garantir o respeito a comportamentos distintos dos demais indivíduos.
A outra problemática, abordada pela doutrina, diz respeito a ser o direito de personalidade um direito propriamente dito ou um conjunto esparso de direitos da personalidade.
Para falar-se em direitos de personalidade, diz PONTES DE MIRANDA, o problema inicial é o de saber quais os direitos, o seu conteúdo e a sua extensão, quando a pessoa ou algo da pessoa é que é objeto deles e invoca, para demonstrar as divergências quanto à existência e alcance dos direitos de personalidade, três correntes filosóficas distintas:
a) a concepção do direito global de personalidade – o direito de personalidade é tido como um direito, cujo objeto é a pessoa toda, em seu corpo e psique, em sua conservação e movimentos, inclusive quanto ao nome e produtos imediatos;
b) a concepção pluralística dos direitos de personalidade, para a qual não há direito de personalidade, mas apenas direitos esparsos de personalidade, como o direito à vida, o direito à integridade, física e psíquica, o direito à imagem, ao nome, o direito autoral, etc.
c) a concepção do direito de personalidade uno-plúrimo. O fato de se reconhecer a personalidade, possibilidade de ser sujeito de direitos, mostra, de si só, que se tem a pessoa como titular de direito a essa possibilidade, dependendo das regras jurídicas o determinar-se até onde, quando e como se assegura esse direito.
E conclui o autor, com peculiar clareza: “Não seria de admitir-se, antes de clara e precisa determinação do conteúdo e extensão do direito de personalidade em geral, e dos diferentes direitos de personalidade, dar-lhes proteção jurídica a priori; nem as limitações aos direitos especiais ligados à personalidade são as mesmas para todos. Um degrau, porém, foi subido, definitivamente. Todo ser humano é pessoa (= todos os seres humanos são capazes de direito; = Todos os seres humanos podem ser sujeitos de direito).”
Essa vertente de análise, muito importante sob a ótica da personalidade, diz respeito à capacidade de direitos e deveres, que estudaremos a seguir.
CAPACIDADE CIVIL E CAPACIDADE DE DEVERES
Todo ser humano é pessoa e possui capacidade para ser titular de direitos e deveres. Mas não são todos os deveres que podem ser imputados ao ser humano. Para certas categorias de pessoas, que não possuem capacidade civil, certos deveres são inaplicáveis, como é o caso dos loucos de todo gênero, dos surdos-mudos que não conseguem expressar sua vontade, dos ausentes e dos menores de 16 anos, considerados pela lei absolutamente incapazes e que, portanto, não podem responder pelos deveres de administração e gestão de seu patrimônio.
Mas os incapazes podem ter deveres e efetivamente os têm. Nas relações jurídicas que se estabelecem entre os sujeitos ativos de direito e todas as demais pessoas (sujeitos passivos desse direito) o dever se manifesta e o titular do direito pode exigi-lo contra o incapaz, segundo bem observa PONTES DE MIRANDA. Sua incapacidade está, portanto, diz este autor, no campo da capacidade civil e não da capacidade de direito. E esclarece: “se o louco intenta invadir-me a casa, posso usar do que me permitem os arts. 502 (atos de defesa ou desforço possessório) e 160, I (legítima defesa). Se pelo dano, que me causam, não respondem, é porque não têm capacidade para atos ilícitos absolutos, dita capacidade delitual. Respondem os representantes dos incapazes (art. 1.521, I e II).”
Mas são os incapazes os sujeitos de direito e sujeitos de deveres. São eles que “assumem os deveres, sofrem e aproveitam as conseqüências e efeitos dos atos do seu representante legal; os deveres de conduta estão com esse, porque não as pode ter o que é sujeito ativo ou passivo das relações jurídicas básicas, ou intrajurídicas. O representante obra por eles, que são os sujeitos dos deveres.”
Esclarece ainda PONTES DE MIRANDA, que por ser o incapaz o sujeito dos deveres de prestação e dos deveres de conduta, este, e não o tutor, é que é condenado nas ações contra ele. Mas é o tutor quem suporta as conseqüências do descumprimento, em caso de transgressão ao que foi imposto pela sentença, porquanto é o representante quem responde pela transgressão efetuada pelo representado. Já nos atos de administração dos bens do incapaz, é o próprio tutor que responde porque os atos são seus, é seu o dever e é sua a negligência.
DEVERES DAS PESSOAS EM GERAL - Dentre os deveres das pessoas em geral, PONTES DE MIRANDA dá especial destaque ao “dever de não causar dano”. Quem lesa a propriedade de outrem, diz o tratadista, “infringe dever ligado àquela posição de sujeito passivo que hão de ter todas as pessoas diante do direito de A à casa ou outro bem de A. Se, em vez disso, B lesa a propriedade de A, infringe o dever decorrente de sua posição de sujeito passivo, inserto no sujeito passivo total (= ‘todas as outras pessoas’), e responde pelo dano.”
A mesma concepção é expressada por HUMBERTO THEODORO JUNIOR ao atualizar a obra “Obrigações”, de Orlando Gomes, quando faz constar a seguinte nota pessoal: “O dever jurídico pode ser geral ou especial, conforme se concentre numa certa pessoa ou se refira à universalidade das pessoas. Caracteriza-se por exigir um comportamento (ativo ou passivo) do sujeito em favor de terceiro, sob pena de sanção.” Observa-se, portanto que nos direitos de personalidade e direitos de propriedade, o titular do direito se posta ante as pessoas em geral, que compõem o “sujeito passivo total”. Assumem, todas as pessoas, a condição de sujeitos passivos, titulares do dever jurídico de não causar qualquer ofensa ou dano ao direito tutelado, do sujeito ativo.
DEVER JURÍDICO E DEVER DE PRESTAR - Conforme analisamos anteriormente, a obrigação pode derivar da lei, do contrato ou da sentença. E para o descumprimento da obrigação existe correlato dever de indenizar, sempre que o ato ou omissão cause dano. O ilícito, portanto, sempre será objeto de reparação por parte do causador da ação ou omissão danosa.
Segundo PONTES DE MIRANDA, haveria três princípios acerca das doutrinas gerais dos delitos (no sentido de fatos ilícitos, compreendidos, portanto, atos ilícitos, atos-fatos ilícitos e fatos ilícitos), a saber: o princípio da contrariedade a direito, o princípio da culpa, o princípio do nexo causal. Mas nem sempre, para falar-se em dever de reparação, haverá transgressão da regra jurídica. E esclarece: “Há diferença entre a antijuridicidade como elemento do suporte fáctico, em direito penal, e como elemento de antijuridicidade que se exige para suporte fáctico, em direito privado. No direito penal, a violação da lei é que contém os elementos do suporte fáctico, de modo que ela, em si, não o é.” Para o autor, há indenizações que não resultam de infrações de dever de atividade ou de omissão, daí porque, ao falar-se em dever de indenizar, “já se considera irradiado o efeito do ato, positivo ou negativo, que pode não ter sido ilícito. São os casos dos arts. 1.519 e 1.520 do Código Civil, em que se prevê que a remoção de perigo iminente, com deterioração ou destruição de bem alheio (art. 160, II) 56, faça responsável quem o removeu e, regressivamente, terceiro, culpado do que se deu”.
Quando cuidou da “Ação de Reparação de Danos por Ato-fato Ilícito”, em seu célebre “Tratado das Ações”, PONTES DE MIRANDA dedicou o item introdutório ao conceito e natureza do dever de prestar frente à ocorrência do estado de necessidade.
Como uma das vertentes do dever jurídico, imposto pelo ordenamento positivo, o dever de reparar o dano ou dever de prestar, afigura-se como eficácia do ato-fato jurídico e não como ato ilícito, uma vez que não há, segundo afirma, sequer contrariedade a direito.
E explica, textualmente: “A obrigação de reparar o dano incumbe ao agente, pois foi ele que o causou. Não importa se o fez para salvar coisa sua, ou a si mesmo, ou se para salvar a outrem, ou a coisa de outrem”. Trata-se, segundo o autor, de ato-fato jurídico lícito, mas que se deve reparar, porquanto foi praticado para salvar o que é seu ou a si mesmo, sem culpa do dono da coisa que se perdeu. Ainda segundo PONTES DE MIRANDA, desta feita no clássico “Tratado de Direito Privado”, já tantas vezes mencionado no curso deste trabalho, o dever de prestar também é apresentado como conseqüência sancionatória pela infração de deveres. O dever de reparar o dano, pode resultar da infração de dever, ou ser o dever originário. E esclarece: “Se o dono da coisa, no caso do art. 160, II, não foi culpado do perigo, tem direito a haver do que praticou o ato em estado de necessidade o prejuízo; esse, sem contrariedade a direito, causou dano (elemento fáctico), e ressarce. Não é em virtude da violação de dever que ressarce, é em virtude do dever que o art. 1.519 criou. Não se pode, todavia, estender ao dever do art. 877 o mesmo raciocínio (sem razão, A. Von Tuhr, Der Allgemeine Teil, I, 99): o dever originário é de prestar; se não presta o que deve, responde o devedor”.
Como se vê, tratam-se de duas situações diametralmente divergentes: uma em que o dever de prestar surge como decorrência da infração ao dever jurídico e outra onde inocorre violação ao dever, porque o ato é lícito e respaldado na lei. Mas a própria lei criou mecanismo para impor novo dever de prestar (a reparação), quando o dano for causado no exercício do ato lícito, para que o titular do direito, que não deu causa ao dano, não reste indene.
Assim, tanto na violação de dever jurídico (ilícito) quanto na prática de ato lícito, o dano haverá de ser reparado por quem o causou.
Se A, dirigindo seu auto, empreende manobra emergencial para não atropelar B, menor impúbere, filho de C, que brincava sozinho na pista de rolamento e se dessa manobra vem a ser abalroado o carro de Y, não se pode dizer que A praticou ilícito. Seu ato, causador de dano, resultou da prática de ato acobertado pela licitude, porque ofendeu um bem jurídico de menor valor para resguardar um outro bem jurídico, de maior valor, que é a vida ou a integridade de B.
Y, no entanto, teve seu bem danificado e não poderá restar ausente de indenização. A, causador do dano, terá que indenizar a Y o prejuízo que lhe causou. A, entretanto, poderá exigir de C, pai do menor, que falhou no dever de vigilância e tornou o filho objeto causador do evento danoso, a indenização direta do dano que sofreu em seu conduzido, bem como regressivamente, o que teve que pagar para indenizar os danos causados a Y.
Não se trata, porém de hipótese de responsabilidade sem culpa. A culpa é elemento embasador da responsabilidade em nosso Direito. A Constituição Federal de 1988 afastou a necessidade de comprovação da culpa grave ou gravíssima, o que importou em um substancial elastecimento da responsabilidade, inclusive para os casos onde a culpa é leve ou levíssima. Mas a Carta Magna, é de se observar, não descartou o elemento subjetivo. A culpa dos pais, pelos atos dos filhos, é presumida.
JOSÉ DE AGUIAR DIAS, ao tratar da culpa e da responsabilidade sem culpa, cita a doutrina francesa: “Diante disso, indaga Josserand se não convém ir mais longe, abandonando essa noção de culpa, tão desacreditada, para admitir que somos responsáveis, não somente pelos atos culposos, mas pelos nossos atos, pura e simplesmente, desde que tenham causado um dano injusto, anormal. O faiseur d’actes deve responder pelas conseqüências de suas iniciativas. Por essa concepção nova, abstrai-se de idéia de culpa: aquele que cria o risco responde, se ele se vem a verificar, pelas conseqüências lesivas a terceiros. Não comete falta quem, com licença da administração, monta um estabelecimento incômodo, insalubre, perigoso, ruidoso ou pestilencial. Mas é obrigado a indenizar os vizinhos prejudicados pelo seu funcionamento”.
Nosso Direito, no entanto, não contempla a responsabilidade aquiliana ou extracontratual sem o elemento subjetivo culpa (em sentido lato). A responsabilidade objetiva somente se verifica em situações especiais, como ocorre em relação ao Estado, pelos atos de seus agentes. É também objetiva a responsabilidade no âmbito das relações de consumo, albergadas pelo Código de Defesa do Consumidor, como também a infortunística do trabalho na esfera previdenciária. Note-se que o campo é o da contratualidade.
Já no campo extracontratual, em que pese a defesa da responsabilidade civil objetiva por alguns autores, é certo que o ordenamento jurídico brasileiro continua a contemplar a responsabilidade subjetiva, vinculando a responsabilidade extracontratual à culpa, o que ocorre inclusive através de postulado fundamental (CF, art. 7º, XXVIII).
COLISÃO DE DEVERES - A doutrina assinala a possibilidade de ocorrer casos de colisão de deveres. O exemplo clássico é o depositário A que recebeu a coisa em depósito de seu possuidor B mas a tem reclamada por alguém, C, que se apresenta como proprietário da coisa ou titular de direito real sobre ela.
Existirão, no caso, dois deveres distintos do depositário, em planos jurídicos diferenciados. Um, em relação ao depositante, que é o dever de devolver a coisa e outro, em relação ao proprietário, ou titular de direito real, que a reclama.
No plano do direito material, diz PONTES DE MIRANDA, “o devedor pessoal deve devolver a coisa ao seu credor (locador, comodante, empenhante, depositante), ainda que saiba ser dono outra pessoa: não tem o devedor função de tutela jurídica, para conhecer e julgar da propriedade de terceiro, se a coisa lhe veio de outrem, que talvez tenha outros argumentos”.
E continua, mais adiante: “se A entrega a C, em vez de a B, de quem houve a sua posse, A procede a seu risco e faz justiça a si mesmo, pois o seu ato é de julgamento fora da justiça estatal; (...) há na recusa pelo que conhece a relação de propriedade ato de acordo com o direito, e não contrário ao direito”. É certo porém, que no plano processual, se o depositário (devedor) for demandado pelo proprietário, somente poderá recusar-se a entregar a coisa ao proprietário se o depositante tiver direito de possuí-la. Da mesma forma, se o depositante a exigir judicialmente, não poderá alegar o direito do proprietário para recusar a devolução.
E mais, uma vez proposta ação reivindicatória da coisa pelo proprietário, em face do possuidor, este já não poderá devolvê-la ao depositante, salvo se este último comparecer no feito e integrar a relação jurídica processual. Completa PONTES DE MIRANDA, que “a nomeação à autoria é dever, se o réu quer entregar a coisa; se o nomeado não comparece, tem o nomeante de prosseguir na causa, para não perder o direito à responsabilidade pela evicção, ou entregar a coisa ao autor. Idem, se o nomeado nega a afirmação do nomeante”.
DEVERES DO TIPO NÃO FAZER E INCAPAZES - O artigo 1.521, do Código Civil de 1916, prevê a responsabilidade dos pais pelos atos praticados por seus filhos menores.
Segundo CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, trata-se de responsabilidade que resulta da presunção de culpa dos pais, pelos atos dos filhos. E completa: “É um complemento do dever de educar os filhos e manter vigilância sobre os mesmos. Não há mister prove a vítima a falta de vigilância, nem se exime o pai com a alegação de que não faltou com ela e com a educação. A responsabilidade assenta na presunção de culpa”.
Conforme observa SERGIO CAVALIERI FILHO, ao discorrer sobre a responsabilidade por fato de terceiro, a regra que se opera, em sede de responsabilidade civil extracontratual subjetiva, é que “cada um responda por seus próprios atos, exclusivamente pelo que fez. (...) É o que se chama de responsabilidade direta, ou responsabilidade por fato próprio, cuja justificativa está no próprio princípio informador da teoria da reparação. Excepcionalmente, uma pessoa pode vir a responder pelo fato de outrem. Temos, então, a responsabilidade indireta, ou responsabilidade pelo fato de terceiro. Isso, entretanto, não ocorre arbitrária e indiscriminadamente. Para que a responsabilidade desborde do autor material do dano, alcançando alguém que não concorreu diretamente para ele, é preciso que esse alguém esteja ligado por algum vínculo jurídico ao autor do ato ilícito, de sorte a resultar-lhe, daí, um dever de guarda, vigilância ou custódia”.
Consoante LOUIS JOSSERAND, são três as hipóteses previstas no Código Civil Francês, de responsabilidade por fato de outrem, ou fato alheio: “La responsabilidad por el hecho ajeno se impone por el artículo 1384, en su redacción actual: 1o Al padre y a la madre, por los daños causados por sus hijos menores; 2o A los artesanos por el hecho de sus aprendices; 3o A los comitentes, por el hecho de sus comisionados”.
Parece lógico, portanto, que os pais sempre responderão pelos atos de seus filhos menores. Mas a indagação que nos surge aponta para outro enfoque: no campo dos deveres e direitos, quem é o sujeito passivo, quanto à conduta ou abstenção? O menor ou seus pais?
De tudo quanto analisamos neste trabalho, o sujeito passivo da obrigação é o menor, assim como o seria o louco, ou qualquer outra pessoa reputada incapaz. A obrigação dos pais, ou do tutor ou curador, independe do que faça ou deixe de fazer para assegurar o cumprimento do dever jurídico pelo menor. No âmbito da propriedade, o titular do direito tem como sujeitos passivos totais todas as demais pessoas, sejam elas capazes ou não. Se um menor ou qualquer outro incapaz invade a propriedade, o proprietário pode exercer todos os direitos dela decorrentes, inclusive proteger a posse, com todos os meios permitidos em lei.
Mas se dessa invasão resulta dano, responde o responsável legal. O dever de não invadir é do incapaz, mas o de reparar os danos resultantes do descumprimento do dever é de quem responde pelo incapaz, pois já não se estará na esfera do comportamento lícito, mas sim do ilícito.
“Os absolutamente incapazes, irresponsáveis pelo ato ilícito, são-no pelos atos-fatos jurídicos: a ação baseada no ato em estado de necessidade vai contra eles, bem assim a regressiva, sempre que o atuante, salvando interesses deles, danificou bem de terceiro”. Outra situação se nos afigura, nesta exemplificação: se o proprietário desejar impor uma abstenção específica ao incapaz, para que faça cessar o desrespeito contumaz a seu direito de propriedade, deverá intentar contra quem a ação? Contra o incapaz ou contra seu representante legal?
Como já vimos em PONTES DE MIRANDA, o incapaz é que é sujeito dos deveres de prestação e dos deveres de conduta. É ele, e não seu tutor ou curador, “que é condenado nas ações contra ele, inclusive quanto às sentenças de condenação a emitir declaração de vontade. (...) Se a sentença condena a praticar ato ou omissão, é ao incapaz que ela condena (Código de Processo Civil, arts. 998-1.005 e 1.007); como, porém, o absolutamente incapaz não tem capacidade delitual (e a sentença comina pena), é o tutor que acarreta com as conseqüências, em caso de transgressão ao que a sentença impôs”.
O excerto transcrito dispensa outros esclarecimentos. Assim, observa-se que a capacidade de direitos e deveres guarda diferenciações em relação à capacidade civil e que o dever jurídico se estende à totalidade das pessoas quando correlato a certos direitos absolutos, como os de propriedade e da personalidade, sobretudo estes últimos.
DIREITO DE PROTEÇÃO AO MENOR
O inciso III do artigo 1º da Constituição Federal tutela a dignidade da pessoa humana, pois é o fundamento e o fim da sociedade, do Estado e do Direito. A Declaração Universal das Nações Unidas de 1948, a Convenção Européia dos Direitos do Homem de 1990 e o Pacto Internacional sobre Direitos Humanos e Civis de 1966 contêm expressas exigências à proteção da personalidade humana, pois um direito geral da personalidade se constrói a partir do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que defende sua inviolabilidade nos seus aspectos físico, mental e moral.
Quando tratamos dos direitos inerentes ao ser humano, considerando os aspectos essenciais e constitutivos, pertinentes à sua integridade física, moral e intelectual, tratamos dos direitos da personalidade, e sem eles não se configura a personalidade, pois nascem com a pessoa, são intransmissíveis, indisponíveis, absolutos, irrenunciáveis, imprescritíveis e extrapatrimoniais. O respeito à pessoa humana é o marco jurídico básico, o suporte inicial que justifica a existência e admite a especificação dos demais direitos, garantida a igualdade de todos perante a lei (igualdade formal) e a igualdade de oportunidades no campo econômico e social (igualdade material).
O direito à vida e a integridade física ocupam posição capital no sistema dos direitos da personalidade.
A vida humana é o estado em que se encontra um ser humano animado, normais ou anormais que sejam as suas condições físicas e psíquicas. Mais do que uma estado, é o processo pelo qual um indivíduo nasce, cresce e morre. É bem jurídico fundamental, uma vez que se constitui na origem e no suporte dos demais direitos. Sua extinção põe fim à condição de ser humano e a todas as manifestações jurídicas que se apóiam nessa condição.
A vida humana é fenômeno unitário e complexo, uma totalidade unificada de tríplice aspecto - o biológico, o psíquico e o espiritual. "Biologicamente, é a percepção do mundo interno e externo ao indivíduo. Esiritualmente, significa inteligência e vontade" (Amaral, 1998).
O direito à vida manifesta-se desde a concepção até o nascimento, e esse direito permanece integrado à pessoa até a morte. Segundo CARLOS ALBERTO BITTAR (1995) a vida "inicia-se como direito à pessoa, quando o nascituro - que também dispõe desse direito - ao ser liberado do ventre materno, passa a respirar por si, com o acionamento do mecanismo respiratório próprio". A fecundação é o início da vida, ou seja, desde o momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo já é uma pessoa, sendo portanto intocável.
RESPONSABILIDADE DOS PAIS PELOS FILHOS MENORES – A guarda compartilhada tem se mostrado uma alternativa para que as relações parentais não sofram solução de continuidade e para reforçar os vínculos afetivos da família dissolvida.
A questão da guarda nas dissoluções dos casamentos ou uniões estáveis é relevante, tendo em vista que além do sofrimento pela ruptura do vínculo, os filhos sofrem com o afastamento físico daquele pai que não detém a guarda, sem contar as situações onde ocorre o abandono psicológico e material aos filhos.
As relações familiares se alteraram com o passar dos anos. A família hoje tem especial proteção do Estado e o marido não é mais o pater familiae. Existem direitos reconhecidos para a entidade familiar e para as famílias monoparentais. A grande família de outrora transformou-se na tríade pai, mãe e filho (s)e as relações entre homem e mulher também foram alteradas para o estabelecimento de um regime paritário, nos termos de nossa Carta Magna de 1988.
Hoje a razão maior para a existência da família é o afeto que une os seus membros e é esse mesmo afeto que deve nortear a questão referente a guarda dos filhos.
A guarda é um direito dos pais que deve ser condicionado ao melhor interesse da criança ou adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu Art. 6º preconiza que " Na interpretação da Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento." Assim, quando da definição da guarda, todos que atuam nas Varas de Família e Infância e Juventude têm o dever legal e moral de assegurarem para as crianças e adolescentes condições que lhes propiciem um desenvolvimento físico, psicológico e social em condições de liberdade e dignidade.
O objetivo fundamental deste novo modelo de responsabilidade parental é o de manter intacta a vida cotidiana dos filhos, dando continuidade ao relacionamento próximo e amoroso com os dois genitores e oferecendo vantagens não só para os filhos, como também para os pais.
Quando falamos em Direito à vida, do ser intocável, podemos classificar a sua existência em fases - ou seja, a fase preambular quando nascituro, a fase secundária quando criança e adolescente e a fase terceira quando atinge a idade adulta. Não levamos aqui em consideração as classificações biológicas, mas sim jurídicas.
Quando falamos em dignidade humana, também nos referimos àqueles que estão iniciando a vida, pois possuem direitos inerentes à sua personalidade e obrigações.
Dispões a Constituição Federal que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente - com absoluta propriedade - o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (STJ - 5ª T.; Rec. HC n.º 384-RJ; Rel. Min. Costa Lima; j. 06.012.1989; v.u. DJU, Seção I 05.02.1990, p. 459, ementa).
Limonge França (1994) faz uma classificação complexa dos direitos da personalidade humana, e, ao nosso ver, a proteção do menor engloba direito ao nascimento, direito ao leite materno, direito ao planejamento familiar, direito de proteção ao menor, direito à alimentação, direito à habitação e direito à educação.
A Importância da Família - Não poderíamos falar em proteção ao menor sem antes falarmos sobre a família que é a célula orgânica do corpo social e sustentáculo da sua perpetuidade (sociedade), havendo proteção constitucional face à sua importância nos artigos 226, 229 e 230. A família é considerada o lugar privilegiado para a criação e educação das crianças e adolescentes, devendo ser assegurada a sua convivência com a sociedade (art. 19 do ECA).
Sem a proteção do Estado sobre a célula mater da sociedade, a proteção do menor, no nosso entendimento, fica extremamente difícil.
A família completa pressupõe, necessariamente, mãe, pai e filho; às vezes poderão existir outros membros, tais como avós, tios, primos, mas o seu núcleo será sempre formado pelos três primeiros.
Se em algum momento a família deixasse de existir, a sociedade passaria por uma enorme crise existencial, pois nenhuma outra instituição seria capaz de substituí-la como escola de virtudes sociais. Por isso é que se diz também, com muito acerto, que "a família é o berço da civilização de um povo". Mas para que se possa exercer sua função de agência educadora por excelência, o instituto familiar precisa ter, como infra-estrutura - o amor recíproco de seus membros como pedras angulares -, a autenticidade, a assistência, a estabilidade e a harmonia, e, como cúpula, a solidariedade. Sem esse amor, os laços de sangue e o teto comum, características fundamentais da família, careceriam de solidez, impossibilitando a existência daqueles outros elementos na edificação de um lar.
A autenticidade consiste em mãe, pai e filhos conhecerem o exato papel de cada um na sociedade familiar, dando-lhe correto desempenho, o que vale dizer, sem se omitir, mas também sem invadir o terreno alheio.
À mãe, como força interativa do lar, cabe distribuir afeição a todos os seus elementos constitutivos; ao pai, como chefe da família, compete exercer autoridade; dos irmãos como rivais na competição pela posse dos genitores, espera-se que aprendam a vencer o egoísmo e evoluam para a fraternidade.
A assistência traduz-se pelo interesse dos pais no sentido de organizar e preservar a vida doméstica, protegendo-a contra tudo o que possa perturbar ou destruir, o que lhes exigirá a presença no lar pelo maior tempo possível: não aquela presença só de corpo, que equivaleria a uma ausência virtual, mas principalmente presença de alma, para que possam dar aos filhos o carinho, a orientação e a cobertura moral dos que necessitam (Artigo 227 da CF).
A estabilidade compreende a definição clara dos ideais visados pela família, ou, em outras palavras, a determinação de um quadro de valores a atingir, em uma busca constante incansável, sem que isso dependa da abundância ou escassez do dinheiro que entre em casa, da maior ou menor quantidade de doses alcoólicas engolidas pelo pai; do bom ou do mau funcionamento do aparelho digestivo da mãe e outros fatores.
Incapazes, na família e na adolescência, de um juízo perfeito sobre o que é certo ou errado, o que lhes convém ou não, os filhos necessitam que os pais lhes apontem o melhor caminho a seguir e nele perseverem.
A harmonia resulta da correlação de diversos valores a serem cultivados pelos pais, como o amor, a autoridade, o bom entendimento, confiança e sinceridade recíprocas, sua capacidade de perdoar, esquecer e recomeçar, bem como a autodisciplina dos filhos, que precisam ser orientados de modo a só desejarem e se permitirem o que podem ou devem fazer, em um regime de absoluto respeito às pessoas, às coisas e aos direitos ao próximo.
A solidariedade, apanágio dos lares bem-constituídos, exprime-se por um forte espírito de família, ou seja, pelo calor humano de seus integrantes, pelo compartilhamento de interesses pelo recíproco pertencer.
O pátrio poder, então pode ser considerado como missão, visando ao perfeito desenvolvimento da criança e do adolescente, dando-lhe perfeito desenvolvimento?
É, sem contestação possível, uma verdadeira missão. E ao mesmo tempo amplo dever e que devolve mais do que apenas o homem, mas a sua responsabilidade quanto ao futuro. Deus colocou o filho sob a tutela dos pais, a fim de que estes o dirijam, a fim de que estes se dirijam pela senda do bem, e lhes facilitou a tarefa dando àquele uma organização débil e delicada, que o torna propício a todas as impressões. Muitos há, no entanto, que mais cuidam de aprumar as árvores do seu jardim e de fazê-las dar bons frutos em abundância do que formar o caráter de seu filho. Se este vier a sucumbir por culpa deles, suportarão os desgostos resultantes dessa queda e partilharão dos sofrimentos do filho na vida futura, por não terem feito o que lhes estava ao alcance para que ele avançasse no bem.
O amor materno e a autoridade paterna são dois elementos essenciais ao bom equilíbrio das relações familiares e do desenvolvimento da criança e do adolescente (artigo 21 do ECA).
Há de frisar-se que a mãe e o pai não estão dissociados em suas funções; pelo contrário, à mãe cabe também autoridade sobre os filhos, assim como nada impede que o pai manifestasse ternura para com eles. A separação entre amor e autoridade se faz visando a enfatizar o que mais o filho espera e precisa (artigo 22 do ECA).
A autoridade legítima dos pais é um processo pelo qual o pai ajuda o filho a crescer e a amadurecer, para que chegue à autonomia sabendo que a liberdade tem um preço: a responsabilidade. É a maneira pela qual o pai conduz o filho à auto-realização, desenvolvendo-lhe as potencialidades, sem, entretanto, exigir mais do que ele possa dar, respeitando-lhe as limitações. É sobretudo a força moral que o pai deve ter sobre o filho, baseada na admiração que lhe desperta, por se constituir um modelo digno de ser imitado.
A verdadeira autoridade jamais se impõe pela violência. É uma decorrência natural das qualidades paternas, entre as quais se destacam as seguintes: ser autêntico, ser justo, ser um educador, ser coerente, ser cordial, ser compreensivo, ser conciliador; ter presença no lar, ter serenidade, ter firmeza, ter espírito aberto, ter estabilidade emocional, ter maturidade e ter prestígio por seus exemplos (de amor, hábitos sadios, civismo).
Muitas vezes, os pais - embora socialmente apresentem como seres que amam seus filhos e tentam fazer-lhes todo o bem - apresentam certos defeitos que podem abalar a vida afetiva, ou compromete-lhes o comportamento futuro.
A agressividade é um dos fatores que atualmente vem despertando mais atenção das autoridades ligadas à infância e à juventude. Os que sabem disciplinar partindo para agressões verbais ou físicas, (berros, humilhações, xingamentos, castigos corporais e outras formas de violência), traumatizam os filhos, tornando-os excessivamente submissos ou, ao contrário, fazendo deles criaturas rebeldes e odientas. (artigos 98, II, e 129 do ECA).
Exercer autoridade sobre as crianças e jovens é certamente muito necessário; entretanto, há pais que desistem desse direito - ou melhor, desse dever -, e sem o mínimo interesse pela educação dos filhos, deixa-nos crescer como crescem os cães e os macacos. É por isso que vemos por aí tanta desordem, tanto despudor e tanta criminalidade.
Essa autoridade, entretanto, não pode ser avessa à idade, ao temperamento e ao desenvolvimento íntimo do filho; não pode nunca significar tirania a subjugação, mas amor, ajuda, acompanhamento, compreensão e estímulo, para que ele, sentindo-se protegido e seguro, tenha confiança nos pais e se entregue despreocupado ao seu comando engajando seu ser na execução das ordem recebidas.
Entendemos que o Estado deve proteger adequadamente a instituição da família, pois assim fazendo resguarda e protege direta e indiretamente o menor, sua sobrevivência, seu desenvolvimento pessoal e social e sua integridade, constituindo um verdadeiro direito à personalidade.
No Projeto PREFEITO-CRIANÇA, a história infantil, da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança (1996) sustentou-se que o Município deve almejar e garantir qualidade de vida às crianças e adolescentes, propondo: oferecer às famílias condições de cuidar de suas crianças: moradia, saneamento, emprego, alimentação e políticas de assistência.
Como exemplo de atividade direcionada ao menor, desde março de 1995 a Prefeitura do Município de Campinas (SP) vem desenvolvendo o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima, com a participação do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da UNICAMP, com o objetivo de "recuperar a dignidade das famílias carentes, complementando a sua renda". É uma forma do Estado prover a família para que ela possa prover os seus (filhos) (artigos 203 e 204 da CF, Lei Orgânica da Assistência Social de Decreto 1.366/95 - Programa de Comunidade Solidária).
Ainda, desde 1992 o Estado do Pará vem desenvolvendo em microrregiões de Campos do Marajó, Baixo Tocantins e Araguaia Paraense o programa de Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia (POEMA), coordenado pela Universidade do Pará. Esse projeto tem como uma de suas funções a promoção e o desenvolvimento de ações relativas à medicina preventiva, a partir de cuidados básicos de saúde, com prioridade às famílias carentes, em especial às mulheres e às crianças.
Pensar em infância, além de qualquer demagogia ou manipulação como sujeitos de direitos, consiste em primeiro lugar especificar o sentido e o alcance de seus direitos humanos, entendidos os direitos humanos como meios a fechar progressivamente a brecha entre os direitos do homem e os direitos do cidadão.
Além das ações judiciais, outro caminho é no dever dos adultos em escutar as crianças e os adolescentes. É dever simétrico do direito destes últimos em se formar um juízo próprio e expressar livremente as suas opiniões, pois a situação do menor constitui indicador mais seguro do quanto uma sociedade é capaz de promover a vida, o desenvolvimento pessoal e social e o futuro de seus cidadãos (artigo 16, I do ECA).
Uma sociedade mal-sucedida na sobrevivência e no crescimento de seus menores virtualmente negligencia um dos fundamentos sociais básicos: o direito à vida. Mal-sucedida na educação de seus menores, retira dos jovens o presente e o futuro
Direito ao Leite Materno - O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança estabeleceu para o ano 2000 a redução de um terço da mortalidade infantil em relação a 1990, intitulando-o como Direito à vida e à saúde".
O Encontro determinou que a redução da mortalidade infantil dar-se-á pelos governos por meio de oito compromissos:
1- Proteger a saúde e reduzir o número de mortes de crianças menores de cinco anos.
2- Proteger a saúde das mães e reduzir a mortalidade materna.
3- Oferecer às famílias educação em saúde e nutrição.
4- Priorizar a saúde preventiva, sem descuidar da cura das doenças.
5- Democratizar a gestão das políticas e dos serviços de saúde (artigos 196 a 200 da CF).
6- Tornar disponíveis a todas as famílias água limpa, tratamento de esgoto e coleta de lixo.
7- Oferecer aos jovens educação para uma vida saudável.
8- Oferecer ações de prevenção e retaguarda às crianças e aos jovens vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão.
Quando tratamos da proteção da saúde e redução da morte de menores até cinco anos de idade, uma das soluções foi o incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida e complementar a outros alimentos até os dois anos de idade (artigos 196 a 200 da CF, Lei 8080/90 - Lei Orgânica da Saúde, ECA artigos 4,7 a 14, 87 e 136).
O incentivo ao aleitamento materno necessita de orientação às famílias, preparando os serviços dos agentes de saúde, visando ao fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê, eliminando o uso de leite industrializado, oferecendo alternativas, como banco de leite e proteção das leis trabalhistas para tornar possível o aleitamento.
Qual o Remédio Jurídico para essa Proteção?
Na Itália, a amamentação pertencente à mãe e extensiva ao menor durante a jornada de trabalho é regulada pelo artigo 10 da Lei nº 1.204 de 1971, por seu regulamento e pela Lei 903/77.
Art. 10 - O empregador deverá conceder à trabalhadora mãe, durante o primeiro ano de vida da criança, dois períodos de repouso, de uma hora cada um, também cumuláveis durante a jornada, sendo reduzido para um repouso, quando a jornada diária for inferior à seis horas.
Na França, atualmente os artigos 224-2 e 224-4 do CTF asseguram às trabalhadoras o intervalo de uma hora para o aleitamento, durante a jornada, até que a criança complete um ano de idade.
No Brasil, o artigo 396 da CLT concede à mulher o direito a dois descansos especiais de meia hora cada um para amamentar o próprio filho, até que complete seis meses de idade.
Entendemos que a tutela ampara não somente a maternidade como possui preocupação com as gerações futuras. Tal fato se deve a que, caso o empregador crie empecilhos para o aleitamento, caberá aí um pedido de indenização por danos morais não somente em favor a mãe, uma vez estar ele impedindo o cumprimento de uma obrigação inerente à maternidade, como também indenização em favor do menor, uma vez estar impedido de prover-se de um direito inerente à sua personalidade.
Direito à Alimentação - Existe diferença entre alimentos e alimentação?
No conceito jurídico, alimentação não compreende somente a manutenção alimentícia propriamente dita, mas atende ao suprimento de toda e qualquer utilidade de que necessite o alimentando, inclusive vestuário, educação (Dicionário, 1989), acrescentamos, saúde e tudo o que for necessário à dignidade humana.
Desde o momento da concepção, o ser humano, por sua estrutura e natureza, é um ser carente e em face de sua incapacidade se faz necessária a sua manutenção como um princípio natural e moral. O abandono relacionado ao não cumprimento da obrigação alimentar revela-se como desrespeito devido ao valor absoluto da pessoa (DEL VECCHIO).
O dever de assistência ao alimentando, sendo a nossa maior preocupação no presente trabalho o menor, transformado em lei não possui um caráter meramente legal, mas antes de tudo um caráter moral. Assinalou SILVIO RODRIGUES que, "desde o instante em que o legislador deu ação ao alimentário para exigir o socorro, surgiu para o alimentante uma obrigação de caráter estritamente jurídico e não apenas moral (Direito de Família, n. 162, p. 375).
O interesse dos alimentos, diante da importância do tema, é público familiar, pois trata do interesse à vida, ou seja, manifesta um dos essenciais direitos da personalidade, disciplina os alimentos tem caráter público, sendo, observado direitamente pelo Estado (Cahali, 1997).
É tamanha a importância do tema, que o Estado limita inclusive as manifestações de vontade individuais nas convenções celebradas, impedindo renúncia ou transação, procurando evitar que a sociedade tenha que ampara pessoas colocadas em situação de risco por falta de alimentos (artigo 5° LXVII da CF), pois a função dos alimentos é assegurar aos necessitados aquilo que é preciso para a sua manutenção, propiciando-lhe meios de sobrevivência (artigos 396 do CC e 1722 do Projeto do Código Civil).
Portanto, qual seria a função dos alimentos?
Assegurar ao necessitado aquilo que é preciso para a sua manutenção, entendida esta em sentido amplo, propiciando-lhe os meios de subsistência (artigo 396 do CC).
Ao nosso ver, o Código Civil Brasileiro não deixa claro o que é alimentos, contrariamente aos Códigos espanhol (artigo 142) e mexicano (artigo 308), onde deixam claro que é o meio indispensável para o sustento, habitação, vestuário, assistência médica, educação e posição social da família.
A palavra alimentos é extremamente importante, principalmente no que se refere à formação do indivíduo na sua infância e adolescência, pois é tudo o que é necessário à conservação do ser humano com relação à sua vida.
Temos o posicionamento de que o Estado colocou-se na situação de garantidor da obrigação alimentar, uma vez que influencia e fiscaliza as convenções realizadas entre particulares; daí o surgimento do direito do alimentando, já que, quando uma vez totalmente impossibilitado de receber aquilo que lhe é devido, poderá acionar ao ente estatal exigindo condições mínimas de subsistência.
Sustentamos que, uma vez acionado o Estado, aquele deverá acautelar-se quanto a prestação dos serviço jurisdicional e controle cadastral de seus súditos, evitando-se maiores entraves burocráticos, os quais causam morosidade e desistência do menos amparado, sob pena de ser responsabilizado.
Direito à Habitação - Derivado do latim habitatio, de habitare, quer dizer residir, morar e, no sentido geral, exprime local em que mora ou reside, ou em que habitualmente se encontra a pessoa. A habitação também é objeto de direito, pois um dos direitos inerentes à personalidade é a possibilidade que a pessoa tem de poder fixar-se, morar, residir, ter a sua vivenda, fazendo parte da própria dignidade humana.
Inclui-se na proteção ao menor o seu direito a fixar-se dignamente em algum lugar, havendo influência psicológica no seu desenvolvimento psíquico. Entendemos que o direito a habitação é um direito social, inerente à própria dignidade humana (artigo 7º do ECA).
Levemos em consideração que aquele que está se formando como ser humano, o menor, precisa do resguardo da dignidade humana, devendo a família e o Estado resguardar-lhe o asilo, dando-lhe habitação.
Embora o direito à propriedade seja importante e tenha relevância constitucional, entendemos que essa proteção deveria estender-se à habitação, no seu sentido mais subjetivo, por tratar da própria dignidade humana (artigo 5º, caput da CF e artigo 6º, ambos da CF), passando de mero projeto de desenvolvimento habitacional (artigo 23 da CF) para o próprio direito social. A criança e o adolescente necessitam ter resguardado o seu direito à habitação, sendo que, se a família está impossibilitada, cabe ao Estado esta função até que aquele complete a maioridade.
A Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social do Estado de São Paulo, em maio de 1995, publicou trabalho sobre o atendimento à infância e ao adolescente em situação de risco e social, lançamento a seguir o Projeto CASA DA AMIZADE. Ele sustenta que a criança deve ser abrigada em local o mais próximo possível da residência familiar, e mesmo não possuindo família devem ser consideradas os laços afetivos construídos com outras pessoas com as quais conviveu, como professores, amigos ou vizinhos (incisos III, IV e V do artigo 92 do ECA). Deu-se extensão além, determinando-se que as crianças e os adolescentes a serem atendidos deverão utilizar-se dos recursos sociais da região, como a escola, a creche, o posto de saúde, a biblioteca, o centro esportivo e de lazer, etc.
Ora, o direito à habitação é reconhecido como direito inerente às personalidade humana, daí a necessidade do seu reconhecimento constitucional.
Direito à Educação - "Todas as leis protetoras são ineficazes para gerar grandeza econômica do país; todos os melhoramentos materiais são incapazes de determinar a riqueza, se não partirem da educação popular, a mais criadora de todas as forças econômicas, a mais fecunda de todas as medidas financeiras" (Rui Barbosa 1849/1923 - Reforma do ensino primário).
Com os pensamentos que norteiam acima, concluímos que cada criança que perde a chance de estar na escola aprendendo é mais um cidadão brasileiro sem preparo para a vida e o trabalho. O preço pago pela má qualidade de ensino é humano, pois não investir em educação é fazer com que o menor brasileiro acredite no seu fracasso e incapacidade. E a educação é a alma da sociedade que passa de uma geração para a outra; se continuarmos com o inteligível entendimento de que a educação não merece privilégios, estaremos sustentando a própria estagnação da sociedade!
O Texto Constitucional, nos artigos 205 a 214, a Lei nº 5.692/71 (Lei de Diretrizes e Bases) e o Estatuto da Criança e Adolescente, nos artigos 53 a 59, resguardam o direito à educação, porém o que vemos é uma despreocupação com o Ensino Fundamental oferecido pelo governo, criando uma massa não pensante.
Se, de um lado, são gerados adultos não pensantes passíveis de maior controle, sem qualquer tipo de consciência crítica, de outro a sociedade sofre enorme prejuízo econômico, pois uma população despreparada não leva o país ao desenvolvimento.
O Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em 1990 em Nova York, pela Organização das Nações Unidas, onde reuniram-se 71 chefes de Estado e de Governo, entre eles o do Brasil, e mais representantes oficiais de 88 países, assinaram o PLANO DE AÇÃO para a sobrevivência, proteção e desenvolvimento da criança, traçando metas a serem atingidas até o ano 2000.
A partir disso, no Brasil um movimento nacional de mais de cem organizações governamentais e não governamentais firmou o Pacto pela Infância, com três compromissos fundamentais:
- Ensino Fundamental de qualidade;
- fim da violência contra a criança;
- compromisso com a sobrevivência da criança
-
Para promover a admissão e a permanência na escola pública de crianças de 7 a 14 anos que vivem em precária situação social e familiar e em condições de carência material, o Governo do Distrito Federal criou em 1995 dois programas: Bolsa Familiar para Educação e Poupança Escola, sob responsabilidade da Secretaria de Educação (Fonte: Fundação Getúlio Vargas/Fundação Ford. Programa Gestão Pública e Cidadania).
A educação traça a cidadania do indivíduo e prepara o Estado para o futuro. Fundado nesse interesse, em 1994 foi firmado o Pacto de Minas pela educação, com o desafio de garantir ensino e qualidade para todos. O Pacto de Minas pela educação mobiliza pais, alunos, professores, empresários, políticos, profissionais liberais, trabalhadores, movimentos populares, cada um participando como pode (Pacto de Minas Pela Educação - Secretaria Executiva, Av. do Contorno, 8.000, salas 1601 e 1602, Belo Horizonte, MG).
Direito ao Trabalho - O Brasil é um dos países que mais maltrata suas crianças. Essa situação pode ser observada todos os dias: nas ruas, em cada esquina de farol, debaixo de qualquer viaduto. Mas uma das formas mais sutis e constantes de ignorar o direito das crianças a se desenvolverem integralmente é a sua exploração como mão-de-obra barata. As crianças que trabalham estão absolutamente prejudicadas em seu desempenho escolar, pois raramente freqüentam a escola. Isso afeta também a sua formação intelectual, bem como fica comprometido o seu desenvolvimento físico, emocional e moral de forma irreversível. O uso de mão-de-obra infantil é proibido por lei, no ECA, Capítulo V, artigo 60: "É proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo em condições de aprendiz".
No programa de atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de risco pessoal e social da Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social, de maio de 1995, constatou-se que 63,3% dos jovens entre 15 a 17 anos alocados em atividades produtivas não possuíam carteira assinada, verificando-se ainda que quase 50% da população trabalhadora menor de 18 anos não possui direitos trabalhistas e previdenciários. No que se refere à jornada de trabalho, constatou-se que, na faixa entre 10 a 14 anos, 68,1% dos jovens ocupados trabalhavam mais de 40 horas semanais, proporção que atingia 86,1% na faixa entre 15 e 17 anos. Observou-se ainda que a indústria de transformação é a principal fonte de ocupação para as crianças e os adolescentes da Grande São Paulo (31,7%), seguindo-se a prestação de serviços (21,6%) e o comércio (20,9%).
Constatou-se, no ano de 1990, que o Município de São Paulo foi responsável por 16% dos acidentes de trabalho do país. Por meio de levantamentos, foi constatado que 60% dos trabalhadores menores de 18 anos estão alocados em setores de alto grau de risco, ou seja, os mais intensos da CLT.
Em matéria realizada pela Revista Veja em 30 de outubro de 1996, p. 46 e seguintes, cujo tema era "Quem sustenta a casa?", discorre-se sobre a rua violenta que machuca as crianças, mas na qual as famílias miseráveis enchem a panela. Entendemos que a solução dada pelo ECA (artigos 60 a 69 do ECA) e pela CLT, onde somente os menores acima de quatorze anos podem laborar, não espelha a realidade existente no país. Somos partidários de que a legislação deveria, sim, permitir que os jovens pudessem laborar a partir dos doze anos, porém sendo determinado ao empregador o dever de patrocinar educação, segurança e alimentação durante o período em que o menor permanecesse em atividade. Deveriam ser resguardados não somente todos os seus direitos trabalhistas como também o dever de indenização por danos morais e patrimoniais em caso de não cumprimento, sem prejuízo de multas pertinentes pelas autoridades competentes e havendo ainda como incentivo programas de benefícios tributários para as empresas que cumprissem rigorosamente o determinado na lei.
Há de considerar-se manifestação do Centro de Referência da Criança e do Adolescente da OAB, em especial da Advogada Lia Junqueira, que sustenta que " não adianta o governo oferecer creche e até escola se na casa não há comida para a família". (VEJA, 30.10.1996). É fácil acusar os pais de explorar seus filhos. Faz parte do sentido lógico nas famílias de baixa renda que todos tragam sua contribuição para o sustento do grupo. Do ponto de vista delas não ocorre aí qualquer problema (antropóloga Cyntia Sarti, da Universidade Federal de São Paulo).
Portanto, somos do entendimento de que as autoridades necessitam regular a situação fática, não impedindo que pessoas realizem atividades dignas para transferirem-se para o trabalho informal (trabalho de rua), no presente caso a criança e adolescente.
Uma das tentativas está sendo utilizada pelo Estado de São Paulo por meio do "Projeto Criança Legal", da Secretaria da Criança, Família e Bem Estar Social, onde desloca-se a competência unicamente do poder público, colocando-a como responsabilidade de todos através do engajamento de toda comunidade, procurando humanizar o atendimento das crianças carentes.
Uma das atividades é o Sindicato da Criança, que atua no sentido da formação profissional, procurando dotar a criança e o adolescente de conhecimentos técnicos que possibilitem sua inserção no mercado de trabalho (oferecimento de cursos, colocação em empresas).
O Conselho Nacional de Amparo à Criança e ao Adolescente, através da Resolução 42 de 13.10.1995, aprovou as diretrizes nacionais para política de atenção integral à infância e adolescência em diversas áreas, inclusive no trabalho, visando às garantias fundamentais do ser humano.
Proteção do Menor - O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 6.069/90), em seu artigo 2º, distingue a "criança" (menor de 12 anos) do "adolescente" (entre 12 e 18 anos). Somente para esse último é que prevê "garantias processuais" (artigo 110). Para a criança, só fala em "medidas de proteção" (artigos 99 a 102 e 105). O que significaria então medidas de proteção?
Não poderia um menor de nove anos vir a juízo formalmente e perante ele e advogados restasse declarações, assinando respectivo termo, sendo tal fato demonstrado como insensibilidade do juízo e abusiva, podendo ser corrigida com um habeas corpus (STJ - 6ª T, Rec, de HC 3.547-1- SP, Min. Adhemar Maciel; j. 09.05.1994; v.u., DJU, Seção I, 30.05.1994, p. 13.513).
A criança e o adolescente, como figura que espelha o futuro e dela depende o desenvolvimento sadio do país, necessita de proteção adequada e eficaz. A proteção da criança e do adolescente possui como característica a intervenção do Estado na proteção direta da família, dando absoluta prioridade a ela, pois, se a família não está bem, a criança e o adolescente estarão desprotegidos.
A Constituição consagra a família como base da sociedade e objeto de especial proteção do Estado, cabendo-lhe proteger a criança e o adolescente. Ora, se a família vai bem, a situação da criança e do adolescente melhorará, caindo sensivelmente os índices negativos, cabendo ao Estado a proteção do menor, restringindo-se somente àqueles que não possuem qualquer ente familiar.
O que acontece hoje é a necessidade de proteção e amparo não somente quanto aos menores desprovidos de família, mas aqueles que se encontram colocados no seio familiar, porém em situação de risco.
O Decreto nº 408, de 27 de dezembro de 1991, que regulamentou o artigo 3º da Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, criou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), na tentativa de dar ao menor maior proteção e amparo, cumprindo, assim, o determinado no Texto Constitucional. O Conselho Nacional de Proteção de Criança e Adolescente, através das Resoluções 44 (06.12.1996) e 47 (06.12.1996) regulamentou as diretrizes do artigo 88, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de haver integração operacional para agilização na política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente que praticaram ato infracional, visando à integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, regulamentando ainda a execução da medida sócio-educativa de semiliberdade a que se refere o artigo 120 do ECA.
A proteção integral da criança e do adolescente refere-se também à saúde, sendo aprovadas pelo CONANDA as diretrizes nacionais para a Política de Atenção Integral à Infância e Adolescência nas Áreas de Saúde, Educação, Assistência Social e Trabalho e para a Garantia de Direitos. Também foi reconhecido e aprovado na íntegra o texto oriundo da Sociedade Brasileira de Pediatria, relativo aos Direitos da Criança e Adolescente hospitalizados (CONANDA -Resolução 41, de 13.10.1995).
Conforme determinação do ECA, na política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente haverá um conjunto articulado de ações governamentais, não-governamentais, da União dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O município de São Paulo criou, fundado no ECA, o Grupo Executivo Municipal Intersecretarial de Articulação de Projetos de Auxílio à Criança e ao Adolescente em situação de risco (GEMINTERO), em uma tentativa de solucionar problemas vividos pelos menores em situação de risco nas ruas de São Paulo (Decreto 35.179, de 08.06.1995) e a mesma preocupação teve o Estado de São Paulo (Lei nº 9.145, de 09.03.1995).
A proteção também se estende ao fornecimento de produtos e serviços aos menores, previsto no ECA especificamente nos artigos 81 e 82, visando a que aqueles não possuam qualquer prejuízo quanto à sua integridade física em face dos vários produtos oferecidos pelo mercado.
A preocupação é extrema em função dos avanços e da integração entre os entes governamentais. Como exemplo citaremos a Lei Municipal 12.644, de 06.06.1998, que veda a comercialização de produto de vidro moído" a menores de dez anos e projeto de Lei estadual AL, que proíbe a venda de cigarros e demais produtos derivados do tabaco a menores.
No Censo Demográfico de 1991, realizado em conjunto com a Fundações das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sob o tema "Crianças e suas Condições de Sobrevivência", ficaram claras as condições de sobrevivência das crianças de até seis anos no Brasil. O censo visou à identificação de municípios-alvo, tendo em vista a alocação mais eqüitativa de recursos e o norteamento efetivo dos compromissos assumidos pelo Brasil no Encontro Mundial de Cúpula pela Criança, realizado em Nova York, em favor da melhoria das condições de sobrevivência, proteção e desenvolvimento das crianças.
Dos resultados apresentados, ficou evidenciado que o país se divide em duas áreas bastante polarizadas: o Norte/Nordeste, que se encontra em situação bastante crítica, e as Regiões Sul, Sudeste e alguns Estados do Centro-Oeste, que ostentam os melhores índices de condições de sobrevivência do país. Isso veio a confirmar a enorme desigualdade existente no desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes Regiões e Estados do país.
As piores condições de sobrevivência encontram-se em doze Estados, que possuem uma população de 8,9 milhões ou 38% do total de crianças na faixa etária de zero a seis anos. O Maranhão encabeça a lista dos que se encontram em situação mais precária, estando quase empatado com o Piauí. Também aparecem o Acre e Pará como representantes da Região Norte e Tocantins no Centro-Oeste.
Concluímos que o sistema normativo procura resguardar a proteção do menor, porém o sistema social é falho, sendo impossível dar-se eficácia a um conjunto de leis complexas, se as bases sociais de resguardo à proteção humana não asseguram a sobrevivência digna e a informação das famílias carentes, sendo aí o foco principal da existência da situação de risco no que se refere ao menor.
REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS - TEORIA DO VALOR DO DESESTÍMULO – (Sérgio Pinheiro Marçal)
1. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo 5º, inciso X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Na mesma linha, o Código de Defesa do Consumidor, promulgado em 1990, estabeleceu em seu artigo 6º, inciso VI, que é direito básico dos consumidores a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.
2. Esses dois dispositivos legais ampliaram a responsabilidade por danos morais causados à honra e em razão da deficiência do fornecimento de produtos e serviços (product liability), que até então era incipiente.
. A nosso ver, a teoria em questão também poderia ser chamada de teoria do valor do estímulo, só que tendo como referencial a suposta vítima. Nos parece que a tentativa de se punir alguém pela fixação de indenização em valor extremamente elevado pode gerar uma total distorção do sistema de reparação dos danos morais, estimulando que pessoas venham a se utilizar do Poder Judiciário para buscar o enriquecimento às custas de fatos ligados à dor e ao sofrimento. Não que esses eventos não mereçam ser indenizados. Simplesmente, não devem gerar riqueza.
9. São conhecidos os efeitos que as indenizações milionárias vêm provocando nos Estados Unidos da América. Temos a impressão de que a aplicação da teoria dos punitive damages está se tornando um verdadeiro fator de desagregação da sociedade americana, onde os cidadãos tendem cada vez mais a afastar sua própria responsabilidade para imputá-la a terceiros. Cada vez menos as pessoas assumem os próprios erros ou opções, preferindo transferir a responsabilidade de seus atos a terceiros e obter algum dinheiro com isso.
10. Na outra ponta, todos passam a temer qualquer evento que possa acarretar responsabilidade. Vemos diariamente na imprensa casos ocorridos nos EUA, como o de pais que se recusam a receber, em suas residências, colegas de seus filhos sem que estes portem termos que os isente de responsabilidade por qualquer acidente que eventualmente ocorra durante o dia. Escolas se recusam a dar uma aspirina para um estudante, com receio de que este tenha uma crise alérgica.
11. Hoje não se adquire um produto norte-americano que não contenha um warning extremamente detalhado. Existe aquele caso clássico, que fica entre a lenda e a verdade, da senhora que acionou o fabricante de um microondas, visto que ela havia dado banho no seu gato de estimação e colocado o animal para secar dentro do forno. Diante do resultado, alegou que não havia qualquer advertência no manual de instruções do produto.
12. Devemos evitar isso!
13. Cabe observar que o nosso sistema legal é absolutamente diferente do sistema norte-americano, do qual a teoria está sendo importada. Não se pode admitir, frente às regras do nosso ordenamento, o emprego de teoria que estimula a fixação de indenizações sem vislumbrar o efetivo prejuízo sofrido, com a idéia de punir o ofensor e dar exemplo à sociedade.
14. No Direito brasileiro, o dano é da vítima e se mede no universo desta (arts. 1.537 e seguintes do Código Civil). Já a indenização fixada com fundamento no desestímulo se mede pela capacidade financeira do agressor, o que não encontra previsão legal entre nós.
15. Mesmo para fixação dos danos morais, há que se obedecer princípios que tenham por referência os reflexos danosos sofridos pela vítima. Esse é o alicerce da teoria da reparação dos danos no nosso sistema.
16. Não se nega a possibilidade de haver indenização milionária em casos excepcionais. De fato, isso pode ocorrer sem que se fale na teoria do valor do desestímulo, mas tão-somente se observe o universo da vítima.
17. Se o fato que gera a responsabilidade civil tiver potencial ofensivo apto a causar um prejuízo milionário ao agredido, a indenização deve ser milionária. Se o mesmo fato não traz reflexo danoso à vítima, ou se esse reflexo é limitado, a indenização não poderá ser milionária apenas pela circunstância de que o agressor tem uma situação financeira privilegiada.
18. Quando se fixa a indenização tendo por referência a capacidade financeira do ofensor, há um total desvirtuamento do nosso sistema de responsabilidade civil. Deixa-se de ter em consideração o dano, para se considerar a punição pretendida. Devemos ter em mente, entretanto, que a punição e o exemplo à sociedade, no nosso ordenamento, é privilégio do Direito criminal, não cabendo à jurisprudência criar um sistema civil que não tenha embasamento legal. É princípio consagrado no Direito brasileiro que não há pena sem lei prévia que a estabeleça.
19. Evidentemente que os malprestadores de serviços, que causem danos ao seus consumidores, devem responder por isso, mas dentro de um padrão de razoabilidade. Aliás, com a competição cada vez mais acirrada dos mercados consumidores, o fornecedor irresponsável não sobreviverá.
20. Da mesma forma, aquele que ofende a honra ou a intimidade de terceiro também deve responder por isso. Mas sem que haja o exagero da condenação milionária desagregada do efetivo dano sofrido, de modo a fazer crer que a honra pode ser vendida desde que se pague um bom preço.
21. O estímulo para que as pessoas busquem a transferência de responsabilidade, com a fixação ordinariamente de indenizações milionárias, é um risco à sociedade. O desafio é encontrar a exata medida entre o estímulo à responsabilidade e o desestímulo à busca de indenizações milionárias.
DIREITO COMPARADO
1. Direito mexicano
O código mexicano no artigo 156 estabelece como impedimentos para a celebração do casamento, a embriaguez habitual, a morfinomania, a eteromania e o uso indevido e persistente das demais drogas enervantes. A impotência incurável para a cópula, a sífilis, a loucura e as enfermidades crônicas e incuráveis, que sejam, ademais, contagiosas ou hereditárias (inciso VIII), o idiotismo e a imbecilidade (inciso IX).
Procura com essas medidas o direito mexicano, proteger a saúde dos nubentes dos males que lhes poderão ser causados se vierem a contrair núpcias com pessoas portadoras de doenças consideradas como impeditivas do matrimônio.
O Código de Menores do Estado Mexicano de Guerrero, no Título II, da Proteção Biológica, Capítulo I - da Proteção Preconcepcional, é mais amplo do que o Código Civil, estabelecendo deveres aos cidadãos de unirem-se legal e eugenicamente, contribuindo, assim, para a boa e sã população do Estado, sendo atribuição deste fornecer aos seus concidadãos noções científicas de Eugenia, nas suas escolas e instituições sanitárias e assistenciais. (art. 6º e 7º)
As mulheres e os homens ao atingirem a puberdade, cumprindo as determinações do Estado, têm o dever de se prepararem para a maternidade e paternidade a fim de que se realizem nas melhores condições biológicas, morais e sociais. (art. 8º)
O artigo 9º, incisos de I a IV, refere-se a exigência da apresentação de um certificado médico ao oficial do Registro Civil, para que seja autorizada a celebração do matrimônio. O certificado médico deverá ser expedido por uma instituição sanitária oficial ou por médico particular, legalmente autorizado para exercer a profissão, constando que a instituição ou o médico que o expediu, instruísse os futuros contraentes sobre a responsabilidade que lhes cabe na procriação e em todos os riscos que acarretaria a ocultação de alguma enfermidade transmissível entre ambos, ou de pais a filhos.
No certificado deverá constar, ainda, que nenhum dos contraentes apresenta dados clínicos de qualquer das enfermidades que impedem o matrimônio, devendo vir também acompanhado de um atestado expedido por um laboratório de análises clínicas, oficial ou particular, contendo resultado das análises sorológicas que se tiverem feito nos pretendentes, para descobrir as enfermidades transmissíveis, e que esteja acompanhado por uma radiografia dos pulmões. O certificado médico pré-nupcial perderá a validade se não for utilizado dentro de três dias seguintes ao de sua expedição. (art. 10)
No artigo 11, incisos de I a X, temos enumeradas as doenças que impedem a celebração do casamento, como a sífilis, a tuberculose transmissível, a lepra, o alcoolismo inveterado, as toxicomanias, a idiotia ou imbecilidade, a esquizofrenia, a psicose maníaco-depressiva e a paranóia, a epilepsia constitucional, a coréia de Huntington (doença hereditária que causa a demência incurável aos trinta e cinco ou quarenta anos, só se manifestando depois do indivíduo atingir a idade necessária para ter filhos), a hemofilia (só na mulher).
Esses impedimentos não são dispensáveis, excetuando-se quando o casal tiver filhos, embora vivendo em concubinato, quando, por sedução ou estupro, resultar gravidez, ou em caso de morte.
Há uma punição penal de prisão de um a oito anos para aqueles que mesmo sabendo serem portadores de alguma das enfermidades previstas no artigo 11, tiverem relações sexuais em condições propícias à procriação.
O Código de Menores do Estado Mexicano de Guerrero é, entre as legislações modernas, o mais completo em matéria de princípios eugênicos, sua preocupação não é essencialmente a proibição de casamentos de pessoas doentes, mas sim desenvolver na população, através da orientação ativa do estado, o ideal de preservar-se as boas condições de saúde para legá-las também aos filhos, evitando a degeneração da espécie.
2. Direito francês
Na lei francesa, encontramos uma medida não tão rigorosa quanto a da proibição do casamento de pessoas portadoras de moléstias graves, que consiste na necessidade da apresentação de um certificado pré-nupcial, após o que será realizado o casamento.
Entretanto, PLANIOL e RIPERT (33) consideram esta disposição muito severa, "quer porque favoreça o concubinato, quer porque é inumano recusar o casamento in extremis a um contagiado, quer enfim, porque sua aplicação implicará numa violação do segredo médico".
Em definitivo, uma lei de 16.12.1942 (art. 4º), substituída por uma disposição de 02.11.1945, que dispunha sobre a proteção maternal e infantil, inseriu parcialmente no contexto do artigo 63 do CC francês, a determinação de exigir que cada um dos futuros esposos submeta-se, antes do casamento, a um exame médico, onde o resultado é comunicado ao próprio interessado, permanecendo ele livre para decidir pela realização ou não do matrimônio.
O certificado médico deverá ser entregue ao oficial do Registro Civil, no momento do casamento e, praticamente, no momento da publicação prévia. Ele não contém nenhuma indicação sobre o estado de saúde do interessado, mas o médico não deve entregá-lo sem antes ter procedido a um exame radioscópio e a um exame sorológico.
O certificado não deve datar de mais de dois meses, podendo ser por três meses para os casamentos por procuração, nos casos em que ele é admitido. (art. 63, alínea 2)
O oficial do Registro Civil que celebrar o casamento sem exigir o certificado médico, será processado diante do tribunal de primeira instância e punido com uma multa que não poderá exceder cem francos, hoje de dois mil a vinte mil francos. Um decreto de 15 de abril de 1946 estabeleceu o modelo do certificado.
O cônjuge submetido à exame pelo médico de sua escolha, não tem a obrigação de comunicar o resultado do exame ao oficial do Registro Civil, nem mesmo ao seu futuro cônjuge; é deixada à sua consciência o desvelo de tirar das constatações médicas as conclusões que deveriam se impor.
Nos casos graves, o Procurador da República, na circunscrição onde será celebrado o casamento, pode dispensar os futuros esposos ou um deles da entrega do certificado médico, e este não é exigível no caso de casamento in extremis. (art. 169, al. 2 e 3)
COLIN e CAPITANT (34) entendem que a medida adotada pela lei proibindo o casamento se não houver a apresentação de um certificado médico anterior às núpcias, não evitaria as uniões ilícitas, pois o que é perigoso para a raça não é o casamento, mas o ato sexual e a procriação de filhos por indivíduos doentes. Se é impossível proibir esses atos, é melhor, moral e socialmente deixá-los efetuar-se legitimamente, pois "o verdadeiro remédio não é a acumulação das formalidades em vista do casamento, mas no progresso da medicina e da higiene de uma parte, e da educação moral da outra parte".
O exame médico pré-nupcial é uma das condições gerais essenciais para que o casamento se realize, seu objetivo destina-se a esclarecer os futuros esposos sobre as doenças contagiosas ou hereditárias que cada um poderá ter e transmitir ao outro.
Mas, o exame médico no sistema francês está eivado de princípios individualistas, deixando aos nubentes a livre escolha do médico, e submeter-se ao exame separadamente do outro cônjuge, ficando, finalmente, cada um deles, sabendo em absoluto segredo dos resultados do seu próprio exame.
Não estão os noivos obrigados a comunicarem um ao outro as constatações médicas, pois o certificado entregue pelo médico e que deve ser entregue ao oficial do Registro Civil atesta somente que o interessado foi examinado em razão do casamento.
Um resultado desfavorável do exame não pode, portanto, ocasionar um impedimento ao casamento, a lei faz somente um apelo à consciência do doente, tendo o médico apenas um dever de aconselhar o seu paciente sobre as possíveis e desastrosas conseqüências que do casamento poderão advir, ficando, entretanto, o casamento ao seu livre arbítrio.
A idéia de um controle médico dos casamentos encontrou na França muita desconfiança e a comissão de reforma do Código Civil pronunciou-se contra a manutenção do certificado pré-nupcial. A exigência dessas medidas, no entanto, estariam evitando possíveis ações de anulação de casamento ou de divórcio.
3. Direito alemão
Na época nacional socialista da Alemanha, foi instituída a lei da saúde no casamento, datada de 18.10.1935, sendo obrigatória a apresentação de um certificado médico que habilitava os cônjuges para o matrimônio.
Se no exame médico fosse constatado que os nubentes eram portadores de enfermidades infecciosas ou hereditárias, ou mentais, ou que fossem, ainda, incapazes por prodigalidade, alcoolismo ou viciados, a lei proibia-lhes o casamento.
A atual lei alemã do casamento, datada de 20.02.1946, não se refere ao exame pré-nupcial como requisito hábil para os cônjuges contrairem núpcias.
No § 4º proíbe o casamento entre parentes na linha reta, entre irmãos bilaterais e unilaterais, assim como entre afins na linha reta, independentemente de basear-se o parentesco em nascimento legítimo ou ilegítimo. Não faz nenhuma referência ao casamento de colaterais de terceiro grau, nem exige que os futuros noivos apresentem um certificado médico que lhes ateste gozarem de boa saúde e que estão habilitados para o casamento.
4. Direito italiano
O artigo 83 do CC italiano dispõe que não pode contrair matrimônio o interdito por enfermidade mental. É necessária a apresentação de um certificado médico que ateste a sanidade do futuro cônjuge, para que o juiz julgue o impedimento, devendo ser juntado aos outros documentos que devem ser apresentados ao oficial do Registro Civil no ato do pedido de celebração.
As doenças somáticas, com exceção da impotência, não constituem impedimento ao matrimônio, apesar de ser muito discutido o problema eugênico.
Na Itália, o problema da eugenia foi amplamente debatido no Congresso da Sociedade para o Progresso das Ciências, ocorrido em Nápoles, em abril de 1914, sendo invocadas normas dirigidas a impedir o casamento entre pessoas doentes.
À Câmara dos Deputados foi proposto que se introduzisse uma disposição no Código Civil, de que os futuros cônjuges deveriam exibir, junto com os documentos para a publicação do matrimônio, a declaração, em forma autêntica de cada um deles, da apresentação de um certificado médico atestando as condições sanitárias, do outro. A justificativa de tal pedido embasava-se, principalmente, no fato de que muitos futuros esposos ignoram suas condições de saúde, não avaliam a suficiência dos sintomas de que possam estar afetos e outros, ignóbios e egoístas, fingem ignorar o próprio estado físico que o exclui do matrimônio. (35)
Mas, a maioria da comissão não aprovou a inclusão no sistema legislativo do CC italiano, do certificado pré-nupcial, sustentando as opiniões contrárias, que impedir o casamento àqueles que são portadores de doenças hereditárias, seria uma medida injusta, contrária aos princípios da moralidade, lesiva aos direitos naturais referentes a cada um dos indivíduos.
IX - CONCLUSÃO
Não podemos negar que a influência genética hereditária que os pais exercem sobre os filhos é muito grande, e que essa transmissão de caracteres pode, muitas vezes, ser perniciosa, causando à prole uma série de doenças e defeitos irrecuperáveis.
O que as legislações têm procurado com a adoção da medida obrigatória da apresentação do exame médico pré-nupcial e do seu resultado negativo, é impedir o casamento de pessoas que podem degenerar a raça gerando uma prole deficitária.
Vimos que o impedimento de muitos casamentos prolifera um crescente número de uniões ilegítimas, pois uma vez proibidos de se unirem legalmente, eles optam pelas relações concubinárias.
Entendemos que o exame médico é de real importância para o início de vida de um casal, instruindo-os e dando-lhes uma orientação acerca de seu relacionamento sexual e dos cuidados que necessitam ter se desejarem ter filhos. O casamento é um direito natural que todo ser humano tem, numa busca para a integração com os demais seres do sexo oposto, para se completarem biologicamente e formarem uma família, e, impedindo que pessoas doentes possam legalmente atingir seus objetivos, estamos cerceando-lhes a liberdade e permitindo que somente aqueles que são inteligentemente privilegiados e que gozam de boa saúde, possam consorciar-se, como se todos não fossem iguais perante a lei. Se a norma constitucional não faz distinção de sexo nem de raça, porque haveria essa disparidade quanto à saúde?
O exame médico pré-nupcial é necessário para todos aqueles que pretendem casar e constituir uma família, por isso a lei deve induzir os nubentes para a necessidade de sua realização, num sentido de orientação, para que tenham conhecimentos básicos e indispensáveis para iniciar sua vida conjugal.
O governo deveria, através do Ministério da Saúde, implantar um sistema contínuo de informações, quer por rádio, televisão como por folhetos, principalmente às classes proletárias, transmitindo-lhes o conhecimento de noções básicas de higiene, propagando normas elementares para uma vida sadia, dos cuidados necessários de asseio que devem ter os indivíduos, estimulando-os a um exame médico periódico e ao necessário exame antes de casarem, procurando-se desta forma primeiro prevenir para depois proibir, informando-os também acerca dos perigos que podem de sua união surgir.
O ideal seria que, entre nós, fosse adotado o sistema da obrigatoriedade de todos se submeterem ao exame pré-nupcial, com a facultatividade conferida pela lei de eles mesmos decidirem sob a concretização ou não das núpcias.
Como este sistema carece de aplicação, opinamos, então, pela facultatividade que existe em nosso direito de deixar que os noivos livremente, se desejarem, submetam-se ao exame médico pré-nupcial.
CONCLUSÃO DO ALUNO NOTAS PROPRIAS
Entendi muito interessante o trabalho e o artigo, (que transcrevemos in totum psis litters) para melhor ilustrar o nosso pensamento, e aprofundamento da matéria, já que impossível se torna, separar-se a RESPONSABILIDADE CIVIL, da Ética, da moral, dos bons costumes, do pensamento religioso e teleológico, daí concluirmos que – a via – enseja – deveres – obrigações – direitos e responsabilidades, pois ainda que se tenha problemas, é a vida; é a vida é bonita e é bonita.....(Gonzaguinha).
BIBLIOGRAFIAS
Helder Martinez Dal Col - Mestrando em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá -UEM.
Liane Maria Busnello Thomé - Professora Pesquisadora da Ulbra
Professora de Direito de Família, Direito da Criança e Adolescente, Salbra I e II Mestranda da PUC/RS - Doutoranda da Universidade de Barcelona
Denize Félix - Advogada
Eliana Galvão Dias - Professora do Centro de Ciências Humanas e Sociais da UnG
Sérgio Pinheiro Marçal - Advogado em São Paulo
Notas Bibliográficas:
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(3) ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, Dever de Coabitação - Inadimplemento, José Bushatsky Editor, SP, 1976, pág. 66.
(4) EBERT CHAMOUN, op. cit., pág. 147.
(5) ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, op. cit., pág. 83 e 96.
(6) Apud WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Curso de Direito Civil, Direito de Família. Ed. Saraiva, 1973, pág. 31.
(7) ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, op. cit., pág. 87.
(8) Op. cit., pág. 31.
(9) Apud FRANCESCO DEGNI, Il Diritto di Famiglia, Casa Editrice Dott. Antonio Milani, Pádova, 1943, pág. 69.
(10) Direito de Família, Forense, Rio, 1968, pág. 47.
(11) ORLANDO GOMES, op. cit., págs. 59 e 60.
(12) Medicina Legal, Livraria Freitas Bastos S. A., Rio, pág. 330.
(13) Op. cit., pág. 26.
(14) Op. cit., pág. 337.
(15) HÉLIO GOMES, op. cit., pág. 339.
(16) HÉLIO GOMES, op. cit., pág. 342.
(17) Op. cit., pág. 311.
(18) A Família no Direito Civil Brasileiro, Gazeta Judiciária Editora S. A., Rio, 1954, pág. 101.
(19) Op. cit., pág. 320 e 322.
(20) FRANCESCO DEGNI, Il Diritto di Famiglia, Casa Editrice Dott. Antonio Milani, Pádova, 1943, pág. 65 e 66.
(21) Op. cit., pág. 52 e 53.
(22) Op. cit., pág. 317 e 318.
(23) EDUARDO ESPÍNOLA, op. cit., pág. 66.
(24) Op. cit., pág. 324.
(25) ANTONIO FERREIRA DE ALMEIDA JÚNIOR, O exame médico pré-nupcial para os casamentos consangüíneos, Revista da Faculdade de Direito, vol. 39, pág. 167 e 173.
(33) Traité Pratique de Droit Civil Français, La Famille, tome II, Librairie Générale de Droit e de Jurisprudence, Paris, 1952, pág. 85.
(34) Traité de Droit Civil, vol. I. Librairie Dalloz, Paris, 1952, pág. 340.
(35) FRANCESCO DEGNI, op. cit., pág. 66 e 67.
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