É muito comum, no meio mercadológico, associar a imagem de um produto, de uma marca ou de uma empresa ao conjunto das opiniões que um determinado público - normalmente o público-alvo - expressa em pesquisas de caráter quantitativo e qualitativo.
Os dados estatísticos obtidos através de uma grande variedade de modelos inquiritórios têm sido normalmente aceitos como válidos para determinar a performance comercial de produtos e serviços. E mais: conferem caráter pretensamente científico - e, portanto, objetivo - às informações obtidas, diluindo a desconfiança na relatividade das opiniões subjetivas do público.
Institutos de pesquisa contratados por agências de publicidade especializaram-se em metodologias capazes de detectar desde os sonhos do consumidor até suas mais prementes necessidades do dia-a-dia. As informações apuradas por amostragem passam, assim, a exercer o papel de espelho da realidade, numa ilusória manobra técnica de afunilamento das diferenças em favor da pasteurização de dados em torno de um ou mais elementos considerados "universais" ou "invariantes" no conjunto das opiniões manifestadas.
A arquitetura aparentemente lógica dos dados apurados e selecionados fornece os contornos de uma possível "imagem" do objeto da pesquisa, o que significa dizer, a forma como o público recebe, entende, representa e expressa seus sentimentos e preferências sobre esse objeto.
Tais informações, abstraídas de seu universo significativo, constituem um repertório alienado de destinadores ausentes, assumindo o caráter de uma fala impessoal, asséptica - até mesmo mitológica - e, surpreendentemente dirigida às finalidades previamente estabelecidas. Consumidas como a mais legitima aspiração dos desejos e necessidades do público, retornam ao demandador como subsídios à reformulação das operações discursivas que o texto publicitário utiliza como estratégias de persuasão.
A "opinião", torna-se, dessa forma, manipuladora e manipulada, compreende e faz compreender, age e faz agir, metaboliza e faz transformar seu objeto, deixando definitivamente a passividade que lhe conferem as mais ingênuas teorias do "how to make", que o marketing e a administração de empresas elegeram como balizadoras da boa performance.
Porém, o que nos interessa-nos nesse momento é questionar não as escolhas metodológicas dos institutos de pesquisa ou a ingenuidade dos consumidores de informações simplificadas, mas o entendimento e o consentimento tácito daquilo que se denomina "opinião pública". Para tanto, valemo-nos do ensaio "A Opinião Pública e Seus Porta-Vozes", do semioticista Eric Landowski onde são discutidas questões que relativizam a pretensa cientificidade dessa modalidade de opinião coletiva.
As Instâncias da Opinião
Segundo Landowski, há dois tipos de especialistas em opinião pública: "Uns interrogam-se sobre o seu modo de existência e sobre as condições de sua manifestação, outros respondem por sua existência e se encarregam, por profissão, de manifestá-la". A precisão e o rigor científicos - características que imprimem credibilidade aos resultados das pesquisas - são, porém, a grande preocupação de uns e outros: enquanto os profissionais dos institutos de opinião enquadram dados em modelos matemáticos e estatísticos, os estudiosos das ciências sociais e da sociosemiótica investigam o modo de formação e de transformação dessa opinião, procurando detectar a pluralidade de fatores que interferem na sua dinâmica.
Como "fenômeno que subsume a pluralidade das opiniões singulares" (Landowski, 1992:19) a opinião pública pode manifestar-se também - e muito comumente - por profissionais que mantêm estreito contato com o público, tais como os jornalistas e os políticos. O "misterioso sentido inato de opinião pública "(1992:19) que manifestam apoia-se em práticas que concebem a opinião como "uma espécie de pessoa" . Os homens de propaganda e marketing, assim como os jornalistas, funcionam como porta-vozes de um público que não lhes legitimou representatividade, mas que é susceptível de ser manipulado pelas práticas da provocação, da intimidação, da tentação e da sedução, artifícios narrativos tão utilizados pela propaganda e pelos órgãos de imprensa em matérias interpretativas e opinativas.
Para os porta-vozes da opinião "as sondagens são de um valor sempre aproximativo e só podem proporcionar, no máximo, a fotografia de um momento de opinião"(1992:20). Já os profissionais da sondagem interessam-se em saber o que o publicitário entende por "opinião" e que método utiliza para justificar suas afirmações sobre ela. Arrivismos à parte, Landowski reconhece que, mesmo privada de referência cientificamente comprovada, a opinião pública existe enquanto realidade sêmio-linguística e que a maioria dos problemas que dificultam sua detecção está relacionada à "multiplicidade das acepções... de que os sociólogos foram os primeiros a tomar consciência" (1992:20)
Para distinguir duas categorias importantes de opinião pública - a do público e a dos intérpretes do sentimento público - Landowski reporta-se à organização do teatro grego antigo onde havia o palco (logeion), local em que se desenvolvia a cena e a orquestra, de onde o coro observava a cena e a comentava para o público nas arquibancadas da platéia (koilon). A reação do público era observada e provocada, em muitos momentos, pelos integrantes do coro, que cumpriam dupla função: a de interpretar as cenas para o público e a de instigar os protagonistas da peça no sentido das expectativas desse mesmo público.
A atitude interpretativa do coro "através da qual se exprimem as reações - e, por que não, as opiniões - da Opinião toma especificamente como objeto os atos e as situações que constituem a trama da vida política ". Dessa forma, fica visível a existência de instâncias intermediárias entre a opinião coletiva e o destinatário final dessa opinião, o destinador-ator. As transformações e rearrumações de caráter afetivo, lógico e argumental por que passam as reações percebidas da platéia ensejam o surgimento de uma meta-opinião que pode, ou não, corresponder - em diferentes níveis e graus - ao sentimento do público.
Para atuar persuasivamente nos destinadores e destinatários - em alternância recíproca - a "opinião" desenvolve a competência de fazer agir - e reagir - uns e outros:
"Ela (a "opinião") se transforma, então, numa potência e, de observadora, é ela que se torna, por sua vez, digna de ser observada em seus comportamentos, auscultada quanto a seus estados de espírito, sondada enquanto reserva de energias canalizáveis. Colocada, a princípio, como sujeito cognitivo, ela se metamorfoseia em objeto de conhecimento"( Landowski, 1992:23)
O coro, entretanto, não se manifesta sempre em uníssono. Ele possui um porta-voz, um líder que rege o consenso, numa "mediação suplementar entre a cena e a arquibancada do teatro" (1992:25), o corifeu. Com a autoridade de "chefe do coro", o corifeu concentra as atenções da platéia, que o entende como um harmonizador legitimado e, portanto, como um autêntico representante da opinião da "opinião". Temos, portanto, na cena da dramaturgia ateniense um segundo intermediário encarregado de filtrar as diferenças e perseguir a identidade da cena para com a platéia e vice-versa.
Assim diluída, a opinião "hard" encaixa-se nos formatos da cena e esta se modifica para ser aceita no âmbito da perspectiva da expressão coletiva. Os atores, que por sua vez são comandados por uma direção - personificada ou não em função específica - recebem o "feedback" instantaneamente, adequando-o às possibilidades subjetivas do seu repertório. Para que a cena prossiga sem grandes atritos com a expectativa da platéia, reformulações improvisadas devem ter espaço no texto. Um texto inflexível, atuado sem a participação da recepção, corre o risco de falar sozinho, numa atividade entrópica desestimulante tanto para os atores quanto para o público.
A Opinião e os Contornos da Imagem
É possível perceber, assim, que o grande público - tanto do teatro grego quanto das empresas e de seus produtos - produz sua opinião através da intermediação. Na sociedade moderna - comercial e capitalista - são os discursos da midia e dos denominados "formadores de opinião" - líderes comunitários e sindicais, políticos, empresários, intelectuais, artistas, etc. - que exercem a função de representantes informais da opinião pública, de portadores da voz do consumidor e de produtores e transformadores dessa mesma opinião, através dos recursos, tecnológicos ou não, que permitem pronta e imediata reciprocidade comunicativa.
O crescente avanço das tecnologias de informação tende a diminuir ainda mais o tempo de recepção e resposta aos estímulos discursivos, evidenciando a dinâmica interativa entre destinador e destinatário e a premência da implementação de meios estáveis e altamente flexíveis para a reciclagem do discurso.
Porque os contornos da imagem pública de uma empresa oscilam a todo momento, as pesquisas e sondagens de caráter científico (matemático e estatístico) que congelam - à maneira de uma fotografia - um instante possível e limitado da percepção, não devem ser entendidas como definitivas e consideradas como absolutamente válidas, espelhos da realidade na qual se pretende atuar, num espectro de tempo maior do que o momento em que foi limitadamente produzida.
Ao invés, a criação de meios permanentes e monitoráveis de resposta imediata do público - seja através de comentários e sugestões, seja por críticas e reclamações - afigura-se como procedimento desejável para um mapeamento indefinivelmente provisório dos contornos da imagem pública da empresa, via análise dos dados obtidos.
Os resultados desse contato direto e aparentemente desintermediado com o público - que se expressa voluntariamente - devem ser somados aos esforços de leitura das interpretações midiáticas, disponíveis nos jornais, revistas, programas de TV, eventos de massa, dentre outros e ao contato direto com aquele público privilegiado, os "formadores de opinião".
A confrontação dos dados obtidos "diretamente" com os dados colhidos na midia não deve, necessariamente ter o caráter de conformação. Ao contrário, a recepção torna-se mais enriquecedora para a reciclagem do discurso na medida em que os paradoxos, as contradições e as incongruências sejam valorizadas como índices de novos percursos a serem explorados, novas possibilidades de produção discursiva.
O risco de se mensurar e mapear os contornos da imagem em base a "invariantes" e "universais", técnica tão difundida pelos institutos de opinião, está no fato de se produzir, ao final, imagens tecnicamente previsíveis, muito próximas às "certezas do senso inato de opinião" e, portanto, dispendiosas, empobrecedoras e afuniladoras de perspectivas.
A Administração da Identidade
Um conhecido ditado popular afirma que, nas relações comerciais, "o cliente tem sempre razão". Essa forma de ditadura da opinião "árbitro supremo, cuja vontade comanda a escolha dos valores a serem perseguidos"(Landowski 1992:36) funciona, via de regra, mais como parceira do que como adversária, para usarmos a alternativa aventada por Landowski no seu estudo sobre os desafios à opinião (1992:33-37).
Enganá-la, por meio de recursos de manipulação, é uma forma não-duradoura e arriscada de obter parceria temporária, uma vez que reconduzida à verdade, por constatação ou por elucidação lógica, transforma-se em adversária, impingindo aos atores diferentes graus de fracasso ou insucesso.
A relevância da opinião na formação de uma imagem favorável não tem, evidentemente, um fim em si mesma. Ela se torna imprescindível, porém, no processo dinâmico de administração da identidade, cuja finalidade - nas atividades comerciais - é obter o maior grau possível de adesão e empatia.
Por isso, nas práticas comerciais busca-se primordialmente alargar os espaços da identidade, que podem ser traduzidos por graus incertos e não totalmente previsíveis de afinidade entre produção e recepção, entre os interesses, desejos e necessidades de quem produz e os interesses, desejos e necessidades de quem consome.
Esse "incerto" grau - porque, pelo princípio da alteridade, nunca será líquido e certo - pode ser caracterizado como o espaço propício à persuasão, espaço virtual onde se encontram discurso e imagem, expressão e impressão, produção e recepção. E porque jamais será absoluto e definitivo - porquanto incerto - pode ser graduado, mensurado e administrado.
É nesse contexto que o conhecimento da imagem, formada a partir da opinião opinada, torna-se determinante para o processo de otimização dos recursos discursivos nas atividades comerciais.
Referências Bibliográficas:
Barros, D.L.P. Teoria Semiótica do Texto (1990) São Paulo: Ática
Fiorin, J.L. Elementos de Análise do Discurso (1989) São Paulo: Contexto-Edusp
Greimas, A.J. e Courtés, J. Dicionário de Semiótica (1985) São Paulo: Cultrix
Landowski, E. A Sociedade Refletida (1992) São Paulo-Campinas: Educ-Pontes