Quinze milhões de alcoólatras nas sarjetas brasileiras
Domingo. Antecedendo um jogo de futebol, uma cena digna de ser exibida em todas as televisões do país: duas crianças de 5 e 6 anos, carregando, rumo ao boteco, nervosas e insatisfeitas, uma cesta com seis garrrafas vazias de cerveja. Vão buscar mais líquido precioso, indispensável e bem desejado. Os adultos já nem querem mais saber do “sacrifício” de buscar a loirinha gelada. Isto é obrigação de meninos, ora essa! Mandam as crianças, e sob ameaça: vão correndo e voltem voando! Algum vizinho pergunta alguma coisa e as crianças, numa feliz inocência e tensas por costume, respondem que o pai ou alguém da família vão bater se elas não trouxerem, rapidinho, a encomenda. Cena para governos, imprensa , entidades, Unicef, gente de miolo arejado, juízes, OAB, associações médicas, maçonaria, clubes de serviço, pais e mães interessados e responsáveis, etc... apreciarem; e verem à quantas andam os efeitos que a máfia da cerveja, pinga e outros venenos livres prestam às famílias brasileiras. Tudo em nome da paixão nacional, da alegria, do curtir intensamente a vida, do botar para quebrar, do não estar nem aí, do foda-se que eu não sou de ferro, não é mesmo?
E tome cerveja, coma cerveja, respire violência e faça-se tiragosto. E que momento mais propício para se falar mal do governo, do patrão, do emprego, dos familiares, dos vizinhos, do sentimento patriótico nas cores verde-amarelas e de tudo, hein? Que grande momento (e com que extase!) para os que comungam sandice alcoólica! A loirinha gelada, geladíssima, é a fada mágica que resolve todos os problemas, frustrações, sonhos, o preço da carne, fantasias, situação financeira, recalques, a falta de escola para os meninos, complexos, pobreza, depressão, falta de juízo, ansiedade, quebradeira, nervosismo, raiva do FHC, a merda de salário, ressentimentos, mágoas, paixões carnais, amor não correspondido, negócios mal feitos etc... O resto.... Ah! o resto que se dane; o Brasil ganhando no futebol,e tendo cerveja e pinga, tudo se resolve e o céu fica mais azul, gente boa.
E lá vêm as duas crianças com a cesta pesada; outras crianças brincando na rua e carros em alta velocidade, motoristas impacientes xingando-as e buzinando para desocuparem a rua; na afobação, a cesta cai e quebram duas ou três garrafas; logo vem o choro sofrido, e ouvido em toda as casas, pressentindo um sanguinolento puxão de orelhas e gritos animalescos pela rua afora, numa vergonha sem limites para com os vizinhos.
Em milhares de lares, por todo o país, esta é rotina perversa. E tem sido sempre assim, entra domingo e sai domingo. Na televisão, as moças lindas e peladas glorificando a cerveja como a única fonte de felicidade no mundo. E escondem, com chaves de aço, os 15 milhões de alcoólatras nas sarjetas brasileiras. É muito grande o número de brasileiros, pobres na maioria, no mais completo desespero pelo alcoolismo dos pais (ou filhos). Não sabem mais o que fazer, a quem recorrer. Lágrimas e decepções sem conta. Gritam por socorro e ninguém os atende. Sofrem, agitam, blasfemam, morrem, esperneiam, alienam, ficam enlouquecidos; às vezes, entram na dança também, matam, aleijam, largam seus lares, suicidam, às vezes ficam em completo silêncio; e.... a mancha etílica vai aumentando e devastando; cruelmente aniquilando vontades, personalidades, responsabilidades e muitas carreiras promissoras.
Cada vez mais trabalhadores e jovens, de todas as classes sociais, vão sendo arrastados pela serpente universal para um cenário dantescamente tenebroso; e sem volta.
Pelos caminhos da bebida alcoólica, a paixão nacional de número um, configura-se a maior tragédia que assola e empobrece o Brasil! Este é o lado que os fabricantes, e propagandas, de bebidas escondem com o imenso dinheiro de seus lucros.