Falar sobre a poesia de Civone Medeiros Tönig é se colocar diante do poema moderno e, de imediato, indagar o que seria uma composição poética, pelo menos, tendo em vista a apreensão ou a elaboração da poesia no poema. Inspiração ou transpiração. Eis o dilema da poesia contemporânea.
É impossível estabelecer um tipo de composição ou um juízo de valor absoluto na poética hodierna, já até então problematizada por Rimbaud e Mallarmé, em suas diferenças estéticas. Não há uma determinante composicional hoje no fazer poético. O ato poético é um ato íntimo e solitário, sem testemunha. Cada poeta tem sua verve. Seu timbre, sua opção e rumo, seja de que maneira for. Poesia do risco. Poesia do som. Poesia do grito. As diferenças composicionais são permanentes travessias, sem nenhuma fórmula fixa. Olhar com olhos livres.
Desse ponto de vista, a problematização recorrente no fazer poético de Civone Medeiros Tönig seria a nível de metalinguagem: O que é poesia? Como se apreende ou elabora-se a poesia? Nos fatos, nos acontecimentos, na experiência ou na lapidação vocabular pura? Somente na leitura das “toscas fatias de escrevinhaduras”do livro “Escrituras Sangradas” estas indagações poderiam ser respondidas.
A composição poética de Civone Medeiros Tönig se estabelece nas relações sujeito/objeto, ou seja, corpo/mundo, onde se perpassa uma poética truncada e pontilhada sob um eu-poético fragmentado e sussurrante. Poética de cunho pagão, sugada e sangrada nas sagrações profanas do habitante humano, apreendida e elaborada nas experiências vivenciais, tendo o corpo como foco molecular. Poética mundana. Ritmo solto e trovejante. Derramagem coisificada. Arte/natureza. Corpo/consciência como travessia poética: “Golfar poesia como quem goza e esporra/Como quem orgasma em gozo/Como quem sua e assume” a sua condição de fazer poesia. Longe do academicismo. Inspiração. Transpiração. Respiração. Pulsação: “Ara e sangra o coração cético emotivo/que pulsa em corpo”. Metalinguagem gravita na linguagem dessa camaleoa potiguar: na busca vocabular simples, na tortuagem sintática e no roteiro salpicado. Poesia e prosa: proesia. Poética oxidada pela ferrugem da ventania e do mar. Artéria da alma do mundo urbanóide. Civone Fênix. Ser devorativa e criativa: MamiferAntropofágica oswaldiana: “Não arengo mais nem com a rima nem com arames farpados”. Dicção toante e consoante: sopro corporal como forma poemática. Consciência de um fazer poético: “pretensão de poetar ocasos acasos aos casos”. O corpo fala uma lírica aliterante e reticente, vestida na estética do precário: entre o comum e a complexidade, o banal se torna original. Poética da confissão da carne/alma se fazer poesia na lida cotidiana. “Vai-se saturno, ficam-se os anéis”, sem abrir mão das “toscas improvizações sangradas”. Fluxo corporal assoante. Ritmos. Diálogos. Roteiros.
Enfim, Civone é uma poetiza que se doma com o pé sobre a garganta de sua própria canção.
BIANOR PAULINO DA COSTA, Poeta e Crítico Literário - Out/1999-Natal/RN