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Artigos-->A Sucata como Possibilidade Lúdica -- 09/12/1999 - 08:44 (Simão de Miranda) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O QUE LEVA O SER HUMANO A BRINCAR?



Existem, pelo menos, três linhas de raciocínio que buscam respostas a esta questão. À luz dos estudos de Huizinga, são elas: 1. a descarga de ener-gias; 2. a satisfação do instinto de imitação; 3. a necessidade de relaxar-se. Há em comum, entres estas três hipóteses, que seguramente exista uma função biológica.

Visitando o Museu Etnológico de Barcelona, em agosto de 1996, dei-me com uma exposição de brinquedos das mais distintas épocas e partes do mundo, de países muito pobres a outros abastados. Não era permitido foto-grafá-los, mas alguns dos brinquedos deste livro foram espelhados de lá. Foi importante atestar, outra vez, que os brinquedos fazem parte indissolúvel da própria história da humanidade, pois sempre estiveram presentes em todas as épocas e lugares

Montessori, Pestalozzi, Froebel, Dewey e Piaget são apenas alguns dos mais importantes filósofos da educação que sempre defenderam a colabora-ção do lúdico ao processo da socialização e da educação. Piaget, inclusive, foi um dos pensadores que mais destacou o brinquedo como elemento coad-juvante no processo evolutivo da criança e a indispensável capacidade socia-lizadora que possui o mesmo. Froebel, seguiu as trilhas deixadas por Pestalo-zzi e criou dezenas de brinquedos, jogos e outras atividades lúdicas. Mesmo fora da área das ciências sociais e humanas é possível encontrar homens como Einstein que, embora envolto nas densas brumas da exatidão de sua ci-ência, preconizava o tripé LIBERDADE/CRIATIVIDADE/SENSIBILIDADE como aspectos fundamentais para a valorização humana.

Existe um valioso toque de magia no processo de construção dos pró-prios brinquedos. A satisfação em realizá-los é formidável. É como se houves-se uma relação de cumplicidade entre a criança e o brinquedo, como se esti-vessem ali criador e criatura. Entrevistando professores e professoras que desenvolvem trabalhos de construção de brinquedos, com crianças de 1ª e 2ª séries, pedi para fotografar as criações de seus alunos. Ao que me disseram que as crianças recusam-se a deixá-los na escola, pois os vêem como objetos de suas propriedades, nascidos de suas mãos. Então, conclui-se que emer-gem profundas relações de afetividade entre a criança e o brinquedo. E que este não está ali, agora, tão somente como alternativa de lazer; mas, como uma forma de educá-la e torná-la mais feliz. É uma pena que a família, gene-ricamente, tenha atribuído à expressão "brincar" valores pejorativos. Não raro, ouvimos adultos, invadindo a brincadeira infantil, censurarem: "- Menino, dei-xa de brincadeira!!" Quando, na verdade, deveriam estimular e orientar as crianças para a brincadeira.

A imaginação da criança é uma nuvem cheia de segredos. Nós, adul-tos, quando brincamos temos consciência que estamos brincando. A criança, não. Para ela é a realização de uma atividade de muito valor, semelhante ao que o trabalho simboliza para nós. A carência do brinquedo, quando criança, deixa lacunas incompletáveis nas idades posteriores. Bandet & Sarazanas ( 1973) alertam para o fato de que



uma criança que não brinca, é uma criança que não vive; está privada dos benefícios que os brinquedos lhe trazem sob o ponto de vista afetivo, motor e intelec-tual, vive num mundo empobrecido a que faltam os estímulos essenciais.



Em meus livros anteriores deti-me na pesquisa da linguagem lúdica sob a forma de "jogo". E, desta vez, estou tratando de "brinquedo". Portanto, sinto necessário distinguir rapidamente estes dois conceitos. Entende-se por JOGO, a atividade lúdica - física ou mental - organizada por um sistema de re-gras que definem a perda ou o ganho (Aurélio, Nova Fronteira, 1988); já BRIN-QUEDO pode ser compreendido como o objeto, o acessório concreto do acontecimento lúdico, geralmente ausente de regras.

Há muito tempo venho alimentando o desejo de realizar um trabalho que resgatasse os velhos e amados brinquedos que saíam das minhas mãos. Depois que decidi abraçar este desafio, objetivei, além de atiçar o saudosismo de muitos, criar uma possibilidade recreacionista e pedagógica - por quê não? - às crianças de hoje. Mas, tenho que ser sincero: pensei muito nas cri-anças carentes socio-economicamente. Daí, surge outra possibilidade: a de oferecer a elas atividades essenciais aos seus desenvolvimentos, por meio de sugestões de brinquedos que, de repente, podem nascer da sucata da sua rua. Há muito o que se criar a partir, por exemplo, de recipientes plásticos para amaciante de roupas ou detergentes líquidos. Desde cabeças de bone-cos a locomotivas, há uma gama de possibilidades. Basta apelar à imagina-ção e à criatividade.

Nós, adultos, herdamos inúmeras características culturais de nossas gerações passadas. Pergunto, pois, ao caro leitor: que herança estamos le-gando às nossas crianças? Será que estamos preferindo enterrá-las, quando optamos por alimentar a geração video-game? O que vejo com clareza é que os brinquedos produzidos em série têm substituído o verbo CRIAR pelo verbo POSSUIR, no vocabulário infantil. As crianças dos grandes centros urbanos recebem esta influência de forma mais crônica. A cada dia emergem do solo dezenas de metros cúbicos de concreto, roubando praças e parques. Tristes meninos das metrópoles! Não têm mais espaços, nem carrinhos de rolimã, onde ele poderia por em prática a lógica e o raciocínio na construção do seu brinquedo valioso. E o patinete? Hoje atende pelo pomposo nome de "walkie machine", e nem é preciso empurrá-lo.



O VALOR DO IMPERFEITO



Estamos passando por um processo lento, mas gradual, de desumani-zação das sociedades urbanas. Antevejo a hora em que a TV anunciará, com alarde, a pipa "remote control". E onde ficarão as nossas tradições popula-res? Haverá a interrupção de uma herança cultural de inúmeras gerações? Será irremediável? A chamada cultura de massa praticamente impõe o con-sumo de brinquedos produzidos em série, de qualidade inquestionável, mas de gosto duvidoso. Quanto ao nosso brinquedo, manufaturado pela própria criança, não possui - é notório - a perfeição estética que o outro. Mas, aí está embutida outra lição: o valor do imperfeito. Ora, se minha criação leva minha digital, é porque nada mais é que o reflexo mais verdadeiro da imperfeição do meu ser, permanentemente em aperfeiçoamento. A escola e a família têm a responsabilidade de não permitir que percamos nossa identidade cultural. Por acreditar nesta premissa com tanta ênfase, encantei-me com a citação de CHANAN, Gabriel & FRANCIS, Hazel (1984) ao garantir que



a criança criadora - que será o adulto criador de amanhã - cria o que necessita. O industrial cria o que imagina que os demais necessitam. Somente uma criança que cria seus brinquedos será o homem adequado para o amanhã que desejamos.





Conheça este livro de Simão de Miranda

FAÇA SEU PRÓPRIO BRINQUEDO - A SUCATA COMO POSSIBILIDADE LÚDICA, Campinas: Papirus, 1998.

Distr. no DF: J. Quinderé - CLN 310 - Bl. D Subsolo - FOne: 347 8461

COntato com o Autor:

384 1746

simao@persocom.com.br
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