Parte da imprensa continua fazendo o jogo do governo. Tentando passar à opinião pública que o déficit previdenciário é culpa do privilégio a que estariam sendo beneficiados os servidores públicos, que recebem, é bem verdade, proventos integrais exagerados, se comparados às aposentadorias, concedidas pelo INSS, aos trabalhadores da iniciativa privada. A Rede Globo de Televisão iniciou, ontem, dia 10, uma série de reportagens sobre o tema. Porém, no meu entendimento, a emissora foi bastante infeliz e tendenciosa na sua estréia.
O fato é que, em seu famoso jornal nacional, comparou-se banana com laranja. Mostrou-se o exemplo de uma operária, com salário mensal de R$500,00, e que contribui, mensalmente, para a Previdência, com R$50,00 (equivalente a 10% do salário) e que, ao se aposentar, irá receber, apenas, R$ 400,00. Enquanto que, segundo o jornal, parte dos servidores públicos, que ganham, em média, R$10 mil reais mensais, receberá, a título de proventos, a integralidade de seus vencimentos: R$ 10 mil reais mensais.
Dito assim, parece uma imensa injustiça. Mas a emissora esqueceu de alguns “detalhes” importantes. Primeiro, que não se respeitou o conceito de igualdade, previsto na Constituição, segundo o qual todos são iguais perante a Lei.; Claro, desde que não sejam desiguais. No caso, foi o mesmo que comparar o salário de um Juiz com o da operária. O que se me afigura tendencioso.
Primeiro, porque as atribuições são diferentes. Depois, os juízes contribuem, mensalmente, para a Previdência, com R$ 1.000 reais. Muito acima dos R$ 50 reais a que se obriga a citada operária.
Segundo, porque os juízes estão organizados em carreiras, ingressam no serviço público pela via do sistema do mérito (concurso público) e são proibidos de exercerem a advocacia fora do serviço público. Depois, diferentemente da operária, não recebem, os servidores públicos em geral, o benefício relativo ao FGTS. Onde estaria o privilégio, se são dois regimes distintos e duas situações empregatícias diferentes?
Ademais, resta enfatizar que a grande maioria dos servidores públicos não se encaixam entre os que ganham salários como aquele que foi exemplificado na aludida reportagem. É bom lembrar, que nada impede que a operária, ou qualquer cidadão, se assim o desejar, conclua seu curso superior de Direito, obtenha a experiência exigida para o cargo, e preste concurso para ingresso na magistratura.
Faltou, também, na reportagem, dizer que os recursos arrecadados com a contribuição dos servidores públicos, por serem calculados com base no valor total de sua remuneração ( e não limitados a um teto estabelecido em lei, como é o caso dos trabalhadores do setor privado), não são destinados ao INSS.
Sendo assim, o desvio daqueles recursos, pelos governantes de plantão, é causa primeira do malfadado “rombo” previdenciário. O servidor faz a sua parte: contribui, e muito. O governo pega os recursos, e os emprega em áreas que nada têm a ver com a Previdência. Claro que se trata de um buraco sem fundo. Esta é a principal causa do déficit da Previdência.
Por fim, não se pode admitir que um juiz passe a ser tratado de igual forma ao operário de determinada fábrica, para fins de aposentadoria. Seria dar tratamento igual para situações diferenciadas. Isto, sim, caracterizaria verdadeira e odiosa injustiça.
E tem mais: Não se falou na possibilidade, ao meu ver, mais acertada: criar um regime no qual os trabalhadores sejam tratados iguais aos servidores públicos. Nivelar pelo alto, e não por baixo. Desse modo, aumentar-se-ia o fluxo de recursos para a Previdência.
Depois, seria bastante administrar, com competência, este imenso volume de recursos. Criando estruturas mais consistentes de fiscalização e controle, coibindo a corrupção ativa e passiva, e cobrando, com mais afinco, daqueles que devem fortunas ao sistema previdenciário. Do contrário, estaremos diante de mais um engodo: a privatização parcial da Previdência, deixando um sistema único a ser administrado pelo governo, altamente injusto, que coloca, num mesmo patamar, profissionais da importância de juizes, promotores, técnicos e cientistas, com os operários de formação profissional e escolaridade bem inferior, sem falar na complexidade das atribuições afetas à cada um.
Não se faz reforma da Previdência para pagar contas atrasadas, criadas pela incompetência, nem para encobrir rombos oriundos do descuido no trato da coisa pública.