Uma pesquisa realizada pelo Grupo Catho, que entrevistou cerca de dez mil altos executivos, mostrou que grande parte deles aceitaria uma transferência para Curitiba, mesmo que a proposta não incluísse aumento salarial.
Divulgada na semana passada, a pesquisa mostrou também que a cidade é a considerada a capital ideal, entre todas as citadas, para os entrevistados passarem a morar. E não é à toa.
Curitiba é vendida pela mídia como a capital brasileira com a melhor qualidade de vida. A revista Exame, por exemplo, é uma das suas grandes divulgadoras, através de seguidos guias de “melhor cidade para se fazer negócios”. Também não é à toa.
A cidade é fruto de um meticuloso planejamento, iniciado nos anos 70 pelo então prefeito Jaime Lerner, atual governador do Estado do Paraná.
A excelência deste planejamento mostrou resultados: boa parte dos brasileiros demonstra vontade de, pelo menos, conhecer a cidade do Jardim Botânico, da Ópera de Arame, das estações-tubo e de outros tantos “monumentos” feitos de acrílico e tubos de ferro.
O chamado city marketing é um dos responsáveis. Com o intuito de atrair novos investidores para a cidade, ele tem como uma das principais estratégias martelar, martelar e martelar na mente das pessoas que belos monumentos e uma considerável área verde são fatores que realmente melhoram suas vidas.
Detalhe: o city marketing não constrói mitos sobre algo irreal, o que é impossível. Apenas pega fragmentos do real e os hipervaloriza, transformando-os em estereótipos. Atraentes edificações (Faróis do Saber, o famoso Jardim Botânico etc) e eficientes slogans (cidade modelo, capital ecológica...) a cidade tem de sobra.
Chamando a atenção dos executivos, o city marketing curitibano faz com que estes empresários não hesitem em levar para Curitiba também suas empresas. A cidade se desenvolve, torna-se cada vez mais atraente e o círculo vicioso dificilmente tem fim.
E aí chegamos a uma inevitável e verdadeira conclusão: Curitiba realmente é uma excelente cidade para se viver. Especialmente se você pertencer à classe média ou, mais especialmente ainda, às classes acima dela. Serviços high tech não faltam. Shoppings, bosques e parques para passear também não. O sistema de transportes parece excelente.
O problema é se você não fizer parte da classe média – o que dificilmente será o caso de você, leitor que, por sinal, tem acesso à internet. Porque o maior trunfo desse tipo de marketing é justamente fazer parecer que não existe pobreza em Curitiba – o que atrai ainda mais os empresários e executivos.
Claro que não é um trunfo somente do city marketing, e sim de sua associação com um planejamento minuciosamente estudado para deixar as classes mais baixas bem distantes do centro.
Você visita a cidade, conhece todo a região central e bairros próximos e “se encanta”: só se vêem pessoas de pele clara, bem-vestidas, as ruas são limpas, os ônibus biarticulados passam rapidamente pelas canaletas exclusivas e tudo mais.
Onde, afinal, estão os pobres? Estrategicamente chutados para a periferia, longe do circuito de qualquer city tour imaginável. Longe de terem o “comportamento curitibano” divulgado pela imprensa. Não chegam perto de teatros, nem de shoppings, nem de Óperas de Arame. Cada vez mais afastados e excluídos da cidade e de sua vida requintada.
O leitor dirá que é assim em qualquer lugar. Não. Ao menos não com uma divisão de espaços tão sutil e ao mesmo tempo tão agressiva. Mais violenta que em outras capitais porém mais sutil por não ser obra do acaso.
É obra, em grande parte, do “administrador Jaime Lerner” idolatrado pela imprensa. Perseguição? Não mesmo.
É só constatar quando tudo começou: em meio às suas duas gestões como prefeito na década de 70. E perceber quando o projeto do “paraíso em meio ao caos brasileiro” começou a dar resultado e ser amplamente divulgado: na década de 90, em mais uma de suas administrações da Prefeitura Municipal.
Discípulos não faltam. O atual prefeito, Cássio Taniguchi, só não tem a cara de Lerner. De resto, poderia ser filho dele.
Quando se deu conta de que a população finalmente se mostrou descontente, já estava no inesperado segundo turno das eleições de 2000. Disputando com – quem diria – o PT de Ângelo Vanhoni. É, aquele partido de descontentes e agitadores. Light, mas PT.
As frases feitas formadas com sujeito, predicado e um “cidade modelo” no meio já não surtiam muito efeito eleitoral. O que fazer? Recorrer aos ensinamentos do mesmo city marketing: as “imagens-síntese” (na prática, os slogans e monumentos) devem ser constantemente recicladas e reelaboradas para se adaptarem ao tempo.
Criou-se então uma nova “imagem-síntese”: o slogan agora era “capital social”. Sim, era chegada a hora de fazer algo pelas classes mais baixas, ainda distantes da Prefeitura e dos altos executivos que fazem cooper em um belo parque curitibano. Mas descontentes.
O segundo mandato do discípulo Taniguchi já está chegando à metade. E a “capital social”? Na próxima vez em que visitar Curitiba, seja altruísta, esqueça o turismo e procure-a nos bairros mais afastados. Talvez lá você encontre. Mas acho difícil.