Severino Cavalcanti, a julgar pelo seu nome, é representante da mais numerosa família brasileira. Os Cavalcanti, de origem francesa, podem ser considerados mais numerosos que os Silva por terem um “ancestral” em comum, ao contrário do último grupo, formado por várias famílias homônimas de origens diferentes.
A representatividade de Severino, no entanto, vai além. Deputado federal pelo PPB de Pernambuco, ele carrega consigo parte dos votos dos pernambucanos em 1998. E é primeiro-secretário da Câmara dos Deputados.
Por ser deputado, Severino faz parte de um grupo que, assim como os senadores da república, recebe exatamente R$ 8.270,00 por mês, além do décimo terceiro e de mais dois salários extras por ano, o que dá uma média mensal de R$ 10.153,00. Para que ninguém passe a noite nas ruas de Brasília, o país acrescenta R$ 3 mil aos vencimentos de deputados e senadores, a título de auxílio-moradia. Além disso, eles podem ser ressarcidos em até R$ 7 mil por mês se comprovarem que tal dinheiro foi gasto em atividade parlamentar.
Atividade feita, por exemplo, nos curtos períodos em que não estão trabalhando arduamente na Câmara ou no Senado. Em geral, estes períodos estão compreendidos entre as tardes das quintas-feiras e as tardes das terças-feiras seguintes, e são utilizados por nobres parlamentares, como Severino, para ouvir e atender aos anseios de seus eleitores. Afinal, não podem limitar-se a ficar confinados em Brasília apenas discutindo e votando projetos, emendas e medidas provisórias. Precisam saber do que seu povo precisa.
Talvez seja exatamente neste ponto que Severino tenha cometido um pequeno equívoco, provavelmente involuntário. Este distinto senhor sugeriu, no início da semana, uma medida para aumentar os modestos salários de deputados e senadores de R$ 8.270,00 para cerca de R$ 17 mil mensais. Continuariam incluídos aí os merecidos dois salários extras, o décimo terceiro a que todo trabalhador tem direito, o incontestável auxílio-moradia e o justíssimo ressarcimento por atividade parlamentar.
O equívoco reside no fato de que, ao contrário do que Severino imaginou, não era exatamente um aumento para os parlamentares que a população que ele representa mais desejava. Enquete feita pelo site do Jornal da Globo, apesar de não ter caráter científico, mostrou que cerca de 76% dos brasileiros – incluídos aí os pernambucanos – preferiam uma redução nos atuais salários, 23% achavam que poderiam continuar os mesmos e somente 1% aprovava um aumento. Para se ter uma idéia, tal porcentagem é inferior à proporção de pernambucanos que elegeu Severino deputado federal.
Para prestar contas a seu povo e justificar sua polêmica sugestão, este honesto cidadão utilizou-se de uma série de sólidos argumentos. E foi além. Numa magnífica demonstração de altruísmo, deu o mais incontestável de todos eles: afirmou que não estaria legislando em causa própria e sim pensando nos futuros deputados e senadores, aqueles que foram eleitos ainda no mês passado e que só assumem suas cadeiras no ano que vem. Afinal, todos eles merecem um salário melhor, que lhes garanta uma vida mais digna, menos... severina.
Tamanho altruísmo, generosidade, amor ao próximo e tantos outros adjetivos que qualificam Severino devem tê-lo contagiado a tal ponto que fizeram-no esquecer de um detalhe: ele, Severino Cavalcanti, acaba de ser reeleito deputado federal pelo PPB de Pernambuco, com 80.668 votos. E será beneficiado em caso de aumento.
Estaria ele legislando em causa própria? Provavelmente não. Alguém já dizia, sabiamente, que errar é humano. Severino, certamente, tinha boas intenções. E merece nossa mais respeitável consideração.