Um ano depois dos acontecimentos de 11 de setembro, apareceu o primeiro sinal de vida inteligente em um governo do ocidente desenvolvido.
O primeiro-ministro canadense, Jean Chrétien, atribuiu ontem a culpa pelos atentados contra o World Trade Center aos próprios governos ocidentais. Foi o primeiro importante líder ocidental a reconhecer isso publicamente.
O premiê disse que o modo como o mundo ocidental está lidando com os países subdesenvolvidos só tende a causar um afastamento ainda maior entre países ricos e pobres. O que cria ainda mais ressentimentos do lado dos mais pobres.
Há nove anos no poder, Chrétien é da esquerda moderada do Partido Liberal canadense, e costuma adotar uma postura desconfiada em relação aos governos republicanos norte-americanos, tal como o que está aí.
Transcrevo aqui uma de suas declarações: "Não se pode exercer o poder a ponto de humilhar os outros. É isso que o mundo ocidental – não só os norte-americanos, o mundo ocidental – precisa perceber. Há conseqüências em longo prazo se você não prestar atenção à realidade em 10, 20 ou 30 anos".
No entanto, a lucidez de Chrétien ainda não encontrou similares no poder ocidental. E, obviamente, já causou furor.
Stephen Harper, do partido de direita “Aliança Canadense”, reagiu às declarações de Chrétien, acusando-o de “culpar vergonhosamente a vítima”.
O discurso de Harper é idêntico ao de George W. Bush e passa longe do que se possa chamar de "inteligente". Segundo Harper, "o que estava por trás dos incidentes de 11 de setembro eram as forças do mal e do ódio".
Harper ainda aconselhou o primeiro-ministro a pedir desculpas aos EUA e às famílias das 23 vítimas canadenses nos atentados. No entanto, a rádio CBC (que entrevistou Chrétien), recebeu hoje inúmeras ligações de apoio ao premiê. Bom sinal.
O que não mudará em nada a postura de Bush. Que, aliás, só viu sua popularidade crescer após os atentados. Passou a ser visto por boa parte dos americanos como “o homem que enfrentou o terror”.
Bombardeou o Afeganistão para tirar do poder o Talebã, o mesmo grupo apoiado pelos EUA anos antes para tirar a Rússia da região. O objetivo principal, no entanto, não foi alcançado desta vez: ninguém sabe onde está Bin Laden. O problema não era exatamente o Talebã, e sim o seu padrinho.
A tentativa de concentrar todos os esforços contra um único culpado não deu certo, como se vê. Sabendo que não conseguiria muito contra Bin Laden, Bush teve de eleger outro alvo para sua cruzada anti-terror: o Iraque, ou melhor, Saddam Hussein.
A tendência é que Bush continue tentando eleger inimigos da paz. Inimigos isolados, individuais. Todo o mal do mundo se concentra em Bin Laden. Ou em Saddam Hussein. Ou em quem mais der na telha de Bush.
Afinal, é muito mais fácil matar Bin Laden ou Saddam Hussein do que eliminar de vez a causa principal de tamanho ódio contra os Estados Unidos e, conseqüentemente, contra o ocidente desenvolvido: a sua arrogância.