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Artigos-->Festim Diabólico -- 14/02/2003 - 01:23 (Fernando Jasper) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A montagem costuma ser apresentada como o fator responsável pela fundamentação estética do cinema, como o grande diferencial dele em relação a outros meios, como um dos alicerces de sua apreciação e compreensão como arte. Natural que uma montagem bem elaborada seja componente fundamental dos melhores filmes, dos melhores diretores. O que seria, por exemplo, de Eisenstein sem ela? E de Hitchcock?



Em praticamente todos os filmes deste último, a montagem é, dentre todos as peças que constróem a linguagem cinematográfica, talvez a que mais evidencie a obsessão do diretor pela perfeição. Uma das principais características de Hitchcock é justamente o exaustivo trabalho no roteiro, que constitui o ponto de partida para uma boa montagem.



Um ótimo exemplo disso é a famosa cena da ducha de Psicose, onde há uma seqüência de nada menos que 70 ângulos diferentes em apenas 45 segundos de filme, uma sucessão interminável de cortes e mais cortes, que dão ainda mais movimento ao assassinato da personagem que tomava seu banho. Fruto da percepção do diretor de uma geração de espectadores de mentalidade visual, como definiu Marshall McLuhan, na qual, segundo o crítico Luiz Carlos Merten, “as percepções não eram mais lineares, como na leitura de um livro, e sim assimilações instantâneas da cena como um todo”. Como esses “novos espectadores” captavam de imediato a mensagem de uma cena logo no início da tomada, um prolongamento seria prejudicial, colaborando para que o filme se tornasse demasiadamente lento e maçante. Como solução, a aceleração da velocidade da montagem.



No entanto, em Festim Diabólico (1948), Hitchcock trata de contrariar tudo o que foi dito até aqui a seu respeito e a respeito da importância da montagem. Contrariou, conseqüentemente, sua própria lógica de produção e linguagem cinematográfica. Trata-se do primeiro filme em cores do diretor, mas não é exatamente essa a inovação mais importante. Ao contrário da maioria dos filmes (incluindo-se aí os outros filmes do diretor), que são constituídos por milhares de cortes, em Festim eles não passam de oito. E o que é mais incrível: fora o primeiro corte, que divide uma cena externa (onde aparece, inclusive, o próprio Hitchcock, passeando com um cachorrinho) e uma imagem do interior de um apartamento, todos os outros sete só estão ali porque a duração de qualquer rolo de película não pode ser superior a 10 minutos (Festim tem 80).



O que essa quase ausência de cortes significa? Em primeiro lugar, que os atores devem ter sofrido nas mãos do diretor. Sempre perseguindo a perfeição, Hitchcock não tolerava qualquer deslize dos atores (e também de todos os outros envolvidos na produção do filme). Se alguém errasse lá pelo oitavo minuto de um plano-seqüência, toda a cena teria de ser refeita.



Mas a tal escassez de cortes significa algo bem mais importante. Significa que, dos três componentes “fundamentais” da produção cinematográfica – o enquadramento, o movimento de câmera e a montagem –, um deles foi simplesmente esquecido, deixado de lado. Aconteceu com a montagem, até então considerada “intocável”. A trama de Festim Diabólico, originalmente denominado Rope (enforcamento), inicia justamente com um enforcamento, que vem logo após a única cena externa do filme. A narração é linear no seu sentido mais amplo: no momento do enforcamento, quando dois rapazes matam um colega tentando cometer um crime perfeito, ainda é dia, e todo o desenrolar da história dura exatamente o tempo do filme: oitenta minutos. É o chamado tempo real (não confundir com tempo presente), e Hitchcock procura mostrar isso até através das amplas janelas do apartamento, que revelam um horizonte claro que, aos poucos, vai ficando avermelhado, escurecendo e, finalmente, dando lugar à noite.



O melhor de Festim é a graça e a mestria com que o diretor conduz os intermináveis planos-seqüência, caracterizados pela belíssima coreografia que a câmera faz ao longo do tempo, alternando os personagens enquadrados, suas conversas, suas atitudes. É exatamente essa alternância que constitui a linha narrativa do filme, encadeando sua trama. No final, o “balé” da câmera serve para ilustrar a fala do personagem Ruppert, que acaba desmascarando os dois assassinos: enquanto Ruppert conta como faria para matar uma pessoa e esconder seu corpo, a câmera percorre os ambientes e enquadra todos os objetos que ele vai descrevendo, mostrando o mesmo caminho percorrido pelos assassinos para matar e esconder o corpo do colega.



Ainda sobra tempo para aparecerem elementos presentes em outros filmes de Hitchcock, como os diálogos irônicos e a ausência de trilha sonora para compor um quadro dramático – com sucesso, o diretor consegue induzir a sensação de suspense apenas através dos movimentos de câmera e mudanças de enquadramento.



Hitchcock provou, neste ousado experimento de linguagem que é Festim Diabólico, que uma montagem de ritmo frenético não é imprescindível para dar ação e velocidade ao filme. Basta um toque de genialidade.

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