Apocalypse Now é o melhor filme de guerra (ou anti-guerra) da história. Ultrapassa até mesmo Nascido para matar, de Stanley Kubrick e Platton, de Oliver Stone. E, para o estranhamento do público comum, que costuma detestá-lo, tem menos cenas de combate que qualquer outro do gênero. É muito mais um ensaio sobre a loucura, a alucinação, a violência gratuita que é qualquer guerra. A mais incisiva e perturbante crítica já feita ao absurdo que foi a entrada dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.
Uma floresta, estática como não poderia deixar de ser, protagoniza a primeira cena do filme ao som de The End, da lisérgica banda norte-americana The Doors. A letra, a princípio, parece não se encaixar com o que se vê. Até que, após algum tempo, esta floresta é bombardeada e logo está tomada pelas chamas. “This is the end, beautiful friend / This is the end, my only friend, the end”. É neste momento que os versos fazem sentido – assim como toda a música, que mais parece o canto de um enlouquecido – e deixam de sugerir somente uma homenagem de Coppola a seu ex-colega da faculdade de Cinema Jim Morrison, vocalista do Doors.
Nada melhor que contar a história do capitão Williard ao som de Doors, a trilha perfeita para um ser que começa o filme ensandecido num quarto de hotel de Saigon, no Vietnã, à espera de uma missão que nunca vem. A segunda cena do filme é quase tão memorável como a primeira: a música se confunde com o ruído da hélice de um helicóptero, que se confunde com o ruído das pás do ventilador de teto do quarto de hotel ocupado por Williard, e a câmera registra com precisão a seqüência de desvarios do capitão. Uma seqüência tão bem filmada que com sucesso transmite ao espectador a insana atmosfera que, a princípio, domina somente aquele quarto.
O capitão parece retomar a consciência quando finalmente recebe a missão, e vai novamente entregando-se à alucinação conforme desce o rio que o levará ao Camboja, lar do já enlouquecido Kurtz, coronel norte-americano que abandonou o exército da pátria para formar o seu e através dele avançar além dos limites de sua própria brutalidade pode chegar. A excelente trilha sonora do filme, que vai de Creedence a Rolling Stones, volta ao Doors nos momentos cruciais, onde a loucura parece imperar.
Enquanto desce o rio estudando a folha corrida dos doentis crimes de guerra cometidos por Kurtz, Williard vê os doentis crimes de guerra cometidos à sua frente por soldados americanos contra mulheres e crianças vietnamitas. E vai, aos poucos, se convencendo de que Kurtz não é mais louco do que os altos comandantes dos Estados Unidos e do que todos aqueles que defenderam a entrada do país na guerra. À medida que se convence disso, Williard passa a admirar o coronel, a invejá-lo e pensa se realmente deve matá-lo, cumprindo assim a sua missão.
Memorável a passagem em que Cavalgada das Valquírias, de Wagner – trilha sonora dos helicópteros com alegres soldados que bombardeiam uma aldeia – transforma-se em trilha sonora do próprio filme, reproduzindo com fidelidade a atmosfera bélica vivida pelos soldados.
Na parte final do filme, Williard finalmente conhece Kurtz, parece retomar a consciência e cumpre a missão que lhe fora designada: mata o coronel. Quando sai do “templo” erguido por este, vislumbra uma multidão que, de joelhos, passa a idolatrá-lo como um novo deus, que substitui o antigo. E, novamente, surge a tentação de fazer o mesmo que Kurtz: deixar-se ser invadido pela violência inerente a todos os homens e dominar aqueles que o veneram.
Acusar o filme de ser chato e cansativo é fácil – basta assisti-lo como propõe uma simples sinopse: a história de um homem que precisa matar o outro durante a guerra, desce o rio de barco numa viagem interminável, e o mata. Mas basta um mínimo de senso crítico para perceber que a viagem que ele descreve é muito mais moral que geográfica.
Mais interessante ainda é conhecer seus bastidores e perceber que é praticamente a história de um quase apocalipse real, o do próprio Coppola. As filmagens deveriam durar seis semanas, mas se estenderam por 16 intermináveis meses, graças a um furacão que destruiu todos os sets de gravação. Marlon Brando, 45 quilos acima do peso e mais rabugento que nunca, ameaçou abandonar tudo e exigiu ser filmado somente de longe ou nas sombras, para esconder a barriga. O ator Martin Sheen teve um ataque cardíaco. Os 32 milhões de dólares inicialmente previstos para a produção se esgotaram logo, o que quase impossibilitou o fim de um projeto que já tinha mais de dez anos (em 1969, o estúdio procurado não aceitou o roteiro de Coppola, alegando inexperiência do diretor). O diretor por várias vezes ameaçou o suicídio e, tomado pela loucura, transformou-se praticamente num coronel Kurtz real. A montagem durou quase dois anos, graças ao seu perfeccionismo.
Mas o filme saiu. Tão perfeito que a versão Apocalipse Now Redux (1979/2001), que acrescentou diversas cenas extras, algumas divertidas, outras desnecessárias, só provou que a original já era suficiente, definitiva. A obra-prima de um Francis Ford Coppola mais doente e inspirado que nunca.