Mais um filme a retratar a guerra do Vietnã. Mas não é apenas mais um filme. Ao lado de Apocalipse Now e Platoon, Nascido para matar é um dos três melhores sobre o tema. Vestígios de Hollywood? Sim, porque não? Mas com uma lucidez que Hollywood jamais apresenta. A intenção aqui é mostrar a guerra como ela foi, e não como determinadas produções pretendem mostrar – tem um novo filme destes por aí, Fomos heróis, do mesmo diretor de Pearl Harbour. Só isso credencia o filme a ser uma patriotada só (será que um cara desses consegue dormir direito depois de tanta mentira?).
Ao contrário deste e de outros filmes, em Nascido para matar não há heroísmo, e sim fracasso norte-americano a cada vietcong morto. É uma crítica parecida com a de um outro filme de Kubrick, o também anti-guerra Glória feita de sangue (1957).
A primeira parte do filme, que exibe exclusivamente o treinamento de fuzileiros, consegue ser mais chocante que a segunda, onde a guerra mostra sua face. Para comandante da tropa, não foi escolhido um ator, e sim R. Lee Erney, um militar de verdade que impressionou Kubrick com seus métodos de treinamento, exibidos em detalhes no filme.
Kubrick mostra aqui o quão detalhista é capaz de ser. Assim como em 2001 o filme era lento para poder acompanhar com coerência os movimentos dos astronautas, em Nascido para matar a rigidez estética combina com a rigidez do treinamento. Uma ótima oportunidade para se abusar das cenas de corredores e de enquadramentos tão simétricos quanto as formações dos pelotões. Impecabilidade experimentada trinta anos antes, em Glória feita de sangue.
Todas as cenas do treinamento (todas mesmo) são tão perfeitas quanto o comandante exige que os soldados – especialmente o desajeitado Pyle – sejam. E é no treinamento que se justifica o título do filme (ao menos na versão em português). Numa verdadeira lavagem cerebral, os fuzileiros são instruídos a matar, matar e matar. Seus gritos de corrida envolvem, necessariamente, tal verbo. Enlouquecido, Pyle aprendeu a conjugá-lo. Segundo o comandante, atirar era a única coisa que ele fazia direito. Foi o que Pyle fez em uma noite, no impecável banheiro (banheiros, aliás, parecem ser uma fixação de Kubrick). Após conversar longamente com seu fuzil, Charlene, matou o comandante. E se matou.
A ineficácia do treinamento aparece na segunda parte, quando vários dos soldados apresentados na primeira são mortos por um único vietcong. Ou melhor, uma única. Após encontrada e mutilada, a mulher pede para ser morta. O executor é Joker, soldado que sempre sonhou em matar mas, confinado no cargo de “assessor de imprensa” militar, jamais havia tido a oportunidade de fazê-lo. E o fez, tão orgulhoso quanto deve ficar um americano que acredite nos seus convencionais filmes de guerra sobre o Vietnã.
Destaque para as constantes cenas de soldados andando ao lado de tanques, ou correndo ao lado de explosões. A câmera é colocada paralelamente ao movimento, porém mais lenta que ele, e pelos “enquadramentos em movimento” desfilam soldados, tanques, explosões. Acredito que a impressão de eterna repetição não é involuntária. As guerras sempre se repetem, assim como os tanques e os soldados. São muitos, e desumanizados.