O documentário sueco Arquitetura da destruição (1989), de Peter Cohen, pode parecer, a princípio, apenas mais um filme sobre o nazismo. No entanto, sua forma de tratá-lo é exatamente oposta à utilizada por Leni Riefenstahl – cineasta que produziu filmes de propaganda nazista – já que foi produzido bem depois de se conhecer os devastadores efeitos da ideologia.
Sua temática é bem diferenciada de tantas outras produções que se propuseram a falar sobre tal assunto: Arquitetura se encontra entre os pouquíssimos filmes que tratam da importância da estética para a realização do ideal nazista. O diretor Peter Cohen foi considerado tendencioso por alguns críticos, por dizer ou tentar mostrar que boa parte dos líderes do regime eram artistas frustados e medíocres. Nem por isso o filme deixa de detalhar com riqueza a constante idéia nazista de embelezamento do mundo.
Divide-se em duas partes bem distintas. Na primeira, expõe essencialmente as artes e a cultura produzidas e admiradas pelo alto escalão nazista, que remetem ao “embelezamento do mundo” pregado pelo regime. Construções grandiosas, esculturas e pinturas que exaltam a perfeição do corpo humano. Tudo isso em contraposição à cultura moderna, que seria reflexo das deficiências físicas dos judeus e das deficiências mentais de seus artistas. Para o nazismo era necessária, portanto, uma purificação da arte alemã, que viria também com a purificação de seu povo – em outras palavras, o extermínio de judeus, homossexuais, deficientes físicos etc.
É justamente desse extermínio que trata a segunda parte do filme, quando as artes são deixadas de lado. Passa-se a falar muito mais da II Guerra Mundial, especialmente do que acontece depois da derrota alemã na Rússia. Naquele momento, entrou em declínio a tentativa alemã de dominar todo o mundo para prevalecer um objetivo antes secundário: eliminar os judeus. Ou seja, aqui a tentativa de embelezamento do mundo concentra-se muito mais na aniquilação das “pessoas imundas e proliferadoras de pragas” que seriam os judeus. Em todos os casos, eles serviram de bode expiatório como culpados pelo mundo “feio” e “impuro” visto pelos nazistas.
Arquitetura da destruição se encerra com um passeio da câmera por dezenas de retratos da hierarquia nazista encontrados intactos após a guerra dentro de um lugar chamado “porão dos vencedores”. A narração, neste momento, é mais incisiva do que em qualquer outro ponto do filme, expondo claramente a opinião do diretor sobre o nazismo. Para ele, a força motora do regime foi essencialmente estética, já que seus líderes teriam uma bagagem mental obscura e uma estranha noção de política. Nunca existiu um inimigo político real, e, portanto, os mortos não foram os inimigos, mas sim pessoas inocentes que contrariaram o absurdo ideal estético nazista.
Em todo o documentário, predominam as narrações em off, intercaladas por alguns trechos de discursos de Hitler e narrações de filmes da propaganda nazista. Ou seja, como acontece na maioria dos documentários, o texto é a parte fundamental – mesmo que o filme em questão trate da estética nazista, algo muito mais “visual” que “sonoro”. Apesar de o documentário seguir uma certa lógica, partindo das raízes do nazismo até chegar à sua queda, a narração não é exatamente linear, já que tem várias costuras, “idas e voltas”, ao tratar dos diversos aspectos de tal estética.
As quase duas horas de imagens servem muito mais para “ilustrar” a narração do que para conduzi-la, especialmente nos momentos em que se fala sobre as obras apreciadas e produzidas pelo alto escalão nazista. Todo o período que expõe a formação artística de Hitler, por exemplo, é ilustrado por uma seqüência de imagens de diversos quadros e esboços do ditador. Aí se encontra um aspecto curioso de Arquitetura da destruição: apesar de ser contrário ao nazismo e à sua estética, são justamente as imagens dessa estética que o diretor mais utiliza.
Além das exibidas na introdução e no final do filme, as raras imagens captadas são das obras de arte a que o texto condutor se refere. No restante, Arquitetura é constituído por longas seqüências de cenas de arquivo, em preto e branco, intercaladas por fades que duram três ou quatro segundos, provavelmente para “dar um descanso” ao espectador. Por ser um documentário mais atado ao modelo convencional, seu principal atrativo não é a forma, mas sim seu forte e, às vezes, chocante conteúdo.