Usina de Letras
Usina de Letras
32 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63100 )
Cartas ( 21348)
Contos (13299)
Cordel (10354)
Crônicas (22576)
Discursos (3248)
Ensaios - (10634)
Erótico (13588)
Frases (51550)
Humor (20165)
Infantil (5580)
Infanto Juvenil (4926)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141243)
Redação (3356)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2441)
Textos Jurídicos (1966)
Textos Religiosos/Sermões (6341)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->O Brasil não precisa ir até Miami -- 14/02/2003 - 18:49 (BRUNO CALIL FONSECA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Brasil não precisa ir até Miami apenas para adquirir objetos. Ele pode também vender ali suas idé-ias. Na arquitetura, por exemplo, há espaço para isso. É o que se deduz da análise feita pelo arquiteto Carlos Faggin, a respeito da recente viagem feita àquela cidade por um grupo de profissionais vinculados à AsBEA. O texto fluente de Faggin é um estímulo à leitura. A viagem para Miami teve o patrocínio das empresas Gail e Knauf.



"Não conhecia Miami, ainda. Parte porque, na minha cabeça, a cidade se confundia com a Disneyworld, coisa que não é meuobjeto de desejo; parte porque ainda me afogo no preconceito, comum aos arquitetos brasileiros, de que ali não há vida inteligente para a arquitetura, e por isso não há nada de interessante para ver. Enfrentei esse meu dragão discriminatório há um mês, tracionado pelo AsBEA Tour e meus companheiros de todas as viagens.



A primeira impressão foi de estar ainda em algum país latino-americano, qualquer um, mas nunca nos EUA. A começar pelo castelhano, familiar, mesclado com o português que se ouve em todos os cantos. Ao fundo, o inglês. Curioso enclave latino-americano na América! A cidade geográfica é um pântano drenado ao longo do tempo e um conjunto de ilhas agora intercomunicadas por pontes e aterros, que formam um aglomerado urbano composto de algumas dezenas de pequenas e médias cidades, num contínuo urbano de baixa densidade e, predominantemente, horizontal.



De história recente, a Miami metropolitana começou a ter expressão há pouco mais de um século. No final do século XIX tudo aquilo que hoje se vê não passava de grandes extensões de praias desertas caracterizadas por baías e enseadas abrigadas no caminho entre os portos importantes da costa leste americana, o Caribe e a América do Sul.



O grande impulso veio após a Guerra da Secessão, quando a estabilidade política e econômica fez os americanos lançarem seus olhos para a península, ensolarada durante quase todo o ano e colocada no centro do Golfo do México. Entreposto marítimo natural e colônia de férias nacional, parecia ser este o destino da região. A crise de 1929 trouxe o abandono dessa idéia na mesma velocidade que trouxe o desemprego.



Essa parada sócio-econômica, se rebatida na arquitetura, imobilizou o art decó que, em Miami, mantém o caráter hollywoodiano que já havia estacionado por ali com a indústria cinematográfica, na década de 20, mesclado com as livres interpretações das raízes latinas da arquitetura colonial mexicana. Restam poucos exemplos dos bangalôs, das primeiras décadas do século, construídos em madeira, pobres em acabamentos, mas simpáticos e acolhedores: de certa forma caiçaras!



A inventividade curiosa americana fica bem representada pelo Barnacle, casa litorânea de madeira, hoje patrimônio nacional. Originalmente térrea, foi levantada com macacos ferroviários quando seu dono decidiu transformá-la em sobrado: o segundo piso foi feito sob o primeiro! O aglomerante dessas poucas tradições é verde. Pretensiosamente se pretende que aquela vegetação seja tropical. Talvez, se formos rigorosos, não seja; entretanto pelo trabalho do homem o que se vê é o resultado de admiração e determinação: admiração que os americanos de Miami alimentam pela exuberância das rain forests do sul do equador, e determinação de trazer a qualquer custo um pouco dessas espécimes para ambientá-las lá.



O fato é que isso vem sendo conseguido, e com sucesso. A verdade é que os EUA, país de clima frio e, no máximo, subtemperado, tem um pedaço de terra que se alonga na direção do trópico. A segunda guerra mundial mudou de novo o ambiente desse pedaço do litoral americano. Investimentos foram feitos devido à sua posição estratégica nas águas do golfo. Terminada a guerra, uma nova fase de desenvolvimento deixou vestígios nos everglades de Miami. Edifícios de estilo stream-line, desenho que se popularizou nos eletrodomésticos, automóveis, máquinas de escritório, mobiliário, enfim, tudo que veio a ser produzido até o início dos 60, sobretudo na arquitetura.



Algumas lanchonetes, automóveis e cores, principalmente as aplicadas compulsoriamente nos edifícios tombados do distrito art decó de Miami Beach, lembram a época de James Dean. O estilo internacional também deixou alguns exemplos em Miami downtown, mas nada que possa fazê-la ser confundida com Chicago ou Manhatan, longe disso. O curioso para mim foi ver que há uma arquitetura local contemporânea que se aproxima muito da arquitetura praticada no Brasil e em outros países da América do Sul.



Ali, também as regras compositivas do racionalismo aparecem abrandadas. Os materiais e técnicas construtivas predominantes, daquilo que pude ver, estão mais próximo das alvenarias de blocos de cimento e estruturas de concreto do que dos blocos cerâmicos e da estrutura metálica típicos do norte. O processo construtivo usa mão-de-obra intensiva e deixa a pré-fabricação para painéis divisórios internos e montagens de painéis hidráulicos e elétricos. Isso nos edifícios em altura.



Nos condomínios horizontais, que se espalham até os limites das áreas rurais, as coisas voltam para a tradição revisada do baloon-frame, como também acontece no resto do país. Brasileiros estão presentes na difusão da língua portuguesa, no capital investido no setor imobiliário e nas compras que transformaram nossos turistas nos maiores freqüentadores daquela região. Com isso tudo, esperava ver também um pouco da arquitetura e do paisagismo brasileiros por lá. Mas não vi. Não vi porque de alguma forma não compreensível nossos projetos não acompanharam as construtoras brasileiras que levantaram obras públicas e privadas. Não acompanharam também o capital que saiu buscando retorno seguro de investimento e, principalmente, juros baixos para linhas de financiamento imobiliário. Não acompanharam também a demanda por uma arquitetura sólida e requintada, como é a brasileira, e nem tampouco o nosso paisagismo de reconhecimento internacional, e que hoje não depende apenas de um nome.



A impressão que fica em mim, depois de voltar e refletir sobre o que vi, é de que, pode parecer incrível, há um enorme campo de trabalho para os arquitetos brasileiros em Miami. Não só isso como, também e principalmente, um trabalho que mesmo estando ausente é admirado e imitado largamente. Num ambiente cultural que promete acolhida entusiástica à nossa produção. Posso me enganar mas, por enquanto, penso que antes disso tudo era preconceito. Pude discutir essas impressões, ainda cruas, durante a viagem. Talvez uma exposição de projetos brasileiros em Miami possa servir como entrada nesse mercado que se mostra tão acolhedor para partidos e soluções de projeto aos quais estamos tão bem acostumados. Quem sabe essa exposição seja um bom ponto de partida para os arquitetos brasileiros se aproximarem da América Latina do Norte."



Arq. Carlos Faggin, titular do escritório Carlos Faggin e Associados, é professor de História da Arquitetura na FAU/USP e associado AsBEA

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui