“O soberano não deve mobilizar as tropas movido pela cólera.
(...) Mesmo que depois da cólera venha a alegria, o país aniquilado
não recobra e existência nem os mortos a vida”
(Sunzi, A Arte da Guerra)
Entre os séculos VI e III antes de Cristo, o chinês Sunzi escreveu “A Arte da Guerra”, que não é um manual para alcançar a vitória no campo de batalha, e sim a arte de pensar a guerra, o Estado e suas conseqüências. Relendo essa obra legendária, resolvi refletir mais densamente sobre o conflito devastador que há semanas deixa muitos insones. Neste livro inteligente, Sunzi ensina em primeiro lugar que não devemos banalizar a guerra, ela é sempre terrível. Esclarece também que se o inimigo é muito inferior (caso do Iraque), a vitória está garantida sem a necessidade de mortos e feridos. É um livro valioso, não só pela lúcida visão que proporciona acerca dos mecanismos do poder e da necessidade de evitar o máximo possível a guerra, como por alertar da utilização de espionagem e do engano sistemático para desestruturar o adversário e ter o apoio das massas, criando fissuras que raramente são percebidas.
Ainda sem concluir a Operação Afeganistão, que resultou num país em ruínas e longe de ser democratizado, parece certo o ataque da poderosa máquina bélica dos EUA contra o Iraque. Já foi anunciado que nas primeiras 48 horas, 800 projéteis arrasarão Bagdá, uma cidade com 4.500.000 de habitantes. Mesmo com todos os esforços da humanidade, declarações pacifistas de tantos governos, oposição do Vaticano, palavras de paz de Mandela, do Parlamento Europeu e de representativas personalidades do mundo científico e cultural, o governo do autoritário Bush praticamente decidiu invadir esse pobre país, onde há anos a ONU busca sem resultados provas da existência de armas de destruição massiva que signifiquem perigo para a humanidade. Na verdade, puro subterfúgio para esconder a real intenção: o controle econômico de terras ricas em petróleo. Depois do ouro negro, poderá ser a luta pela posse da floresta amazônica. Tudo é possível vindo deste ianque colérico, que vem interferindo na política da Venezuela e em todos os demais países, como se fosse o dono do mundo.
Os Estados Unidos sempre venderam a imagem de “liberdade e democracia”, e como nos filmes hollywoodianos, firmam esta falsa campanha publicitária na mídia exagerando o poder de supostos vilões como os russos, Fidel Castro, Saddham Hussein ou Osama bin Laden. Um discurso mentiroso num país em que os negros sempre foram desprezados, os orientais tratados como inimigos durante a Segunda Guerra e dezenas de carreiras artísticas foram arruinadas com a perseguição macarthista; um país que enriqueceu explorando a América Latina e foi responsável por milhões de mortos em Hiroshima, na URSS, na Coréia, no Vietnãm e no Afeganistão. Uma autêntica produção do horror num governo que usa armas para o mal (se existe tal para o bem) e quer invadir o Iraque “para livrar o mundo do perigo das armas iraquianas”, numa liberdade e democracia hipócritas que são o slogan que mascara o desejo das reservas de petróleo daquela região árabe.
O que está em jogo é petróleo, poder, dinheiro e vidas humanas. O azar do sanguinário ditador Saddam Hussein é que ele domina o segundo maior campo de petróleo do mundo. Se Saddam não tivesse o petróleo, ele poderia continuar torturando e matando como o fazem outros líderes sem qualquer oposição, já que são aliados do imperialismo norte-americano. Com o petróleo iraquiano nas mãos, a administração Bush pagará os gastos de guerra, freará a crise econômica que abate o seu país e terá um reforço para a sua reeleição, mesmo com o nefasto resultado de milhares de mortos. Portanto, nem a ONU evitará a catástrofe, afinal o objetivo de dominar o Iraque é uma meta há muito planejada, e os EUA tem suficientes bases militares em Kuwait e Arábia Saudita para impor sua vontade.
Uma pesquisa feita pelo EOS Gallup Europe revelou que 82 % dos europeus são contra a guerra. O apoio de governos europeus à intervenção no Iraque, em oposição à opinião pública de seus países, registra a submissão aos EUA contra os próprios interesses nacionais. Em Bagdá chegam delegações solidárias de várias partes do mundo, muitas para servir de escudos humanos. Resultado de uma campanha de desinformação executada pela CIA que corrompe a mídia, autores, jornalistas e outros formadores de opinião, 88 % dos cidadãos norte-americanos apóiam a guerra. A campanha de propaganda é montada de forma a manter a ilusão de que “a América do Norte pode ser atacada a qualquer momento”, retratando a guerra como notável defesa, escondendo assim os seus interesses estratégicos e econômicos. Bush repete nos seus discursos que a guerra é “humanitária” e “necessária para defender a liberdade”. A CIA também influência produções de Hollywood, com estrelas e roteiristas reforçando a mensagem de patriotismo. Mas felizmente nem todos se deixam ser ludibriados ou comprados.
Diversas personalidades norte-americanas do mundo da cultura e do espetáculo procuram persuadir o seu presidente de um ataque ao Iraque. A cantora pop Madonna transformou o seu último vídeo num manifesto antibélico. No Festival de Cinema de Berlin, Dustin Hoffman chamou Bush de manipulador; George Clooney comparou os métodos do dirigente com os de um mafioso de uma conhecida série de tevê; os diretores Martin Scorsese e Spike Lee criticaram a idéia de uma guerra. Robert Redford, no seu Festival de Sundance, arrasou a nova política de Washington. Helen Hunt, Kim Basinger e Matt Damon enviaram carta a Casa Blanca pedindo que se evitasse a guerra. Sean Penn visitou o Iraque e Susan Sarandon, Jessica Lange, Robert Altman, Oliver Stone, Martin Sheen (que interpreta o presidente dos EUA na série “West Wing”) e o escritor Norman Mailer condenam publicamente Bush e o rumo bélico que os EUA tomaram.
O cidadão comum, enganado e manipulado, crente que faz parte de uma democracia, ouve a toda hora as ameaças de “ataques terroristas” e “armas de destruição em massa”, mergulhando na paranóia, no medo e enfraquecendo o movimento antiguerra. Repetidas estas desinformações em todos os cantos do EUA, geram um inabalável patriotismo e reforçam o poder de seus principais atores políticos e militares. Hipnotizados pela mídia obediente, os nortes-americanos estão sendo controlados, ameaçados, intimidados, amedrontados e mantidos num estado permanente de ignorância e medo, perdendo sutilmente os seus direitos de cidadãos. Eles são personagens de mais um período de loucura histórica dos EUA, como já aconteceu muitas vezes, entre eles a desastrosa Guerra do Vietnãm.
O possível ataque contra o oprimido Iraque, um país de desprezível poder militar, tem provocado grandes manifestações de protesto em todo o planeta. Devemos estar solidários com esta sensibilidade. É preciso não baixar a cabeça e lutar contra a ganância e o desequilíbrio do governo Bush, seja escrevendo, firmando abaixo assinados, esclarecendo os desinformados, falando publicamente. Por que também não boicotar os produtos norte-americanos? Deixar de beber coca-cola, abastecer o carro nos postos Esso ou comer no MacDonald’s, limitando assim o lucro e os royaltes para os “guardiões da liberdade”. A Índia tomou certa vez essa posição contra os ingleses e conseguiu sua independência. Necessidade ideológica esta não só pelo mar de sangue que representa uma guerra, aniquilando milhares de inocentes, como por outras inevitáveis conseqüências futuras que atingirão diversos países, inclusive o nosso. Podem ter certeza que mesmo semicolonizados não estamos imunes a ira norte-americana. Lembrem-se também que apesar das bombas ainda não terem aterrorizado o Brasil, milhares de vítimas são massacradas diariamente pela exploração crescente, num regime escravagista diretamente ligado aos interesses dos Estados Unidos da América.
antonio_junior2@yahoo.com
(*) Escritor e Jornalista. Autor de “ArtePalavra – Conversas no Velho Mundo”.