Na certa o assunto já correu mundo. Deu na televisão. E quando se dá na televisão, todo mundo fica logo sabendo. Mas não é o que se poderia pensar à primeira vista. Muito embora, seja forçoso reconhecer, que a má qualidade dos programas apelativos, que invadem nossos lares, da parte de quase todas emissoras, faz uso explícito do verbo comer. Comer, mesmo. Não no sentido literal do termo; mas no sentido conotativo. Porém, isso é um outro assunto. A questão a que me disponho a falar é outra.
Diz respeito a mais nova tecnologia a serviço do consumidor. Nova tecnologia, é bom que se diga, para nós aqui deste imenso e belo país tropical; daqui do outro lado do Equador. O lado sul. O lado dos pobres e dos eternos chamados “países em desenvolvimento”. Ou do terceiro mundo, como queiram. Cujos riscos são avaliados por estrangeiros, coincidentemente banqueiros e executivos do mercado financeiro internacional que, por sinal, ultimamente, não se cansam de elogiar a gestão econômica do novo governo.
Para encurtar o assunto, a moça chegou em casa mais cedo. Estava uma pilha de nervos. E com muita raiva. Havia perdido o seu emprego. Justamente nessa hora em que as noticias não andam boas. Fala-se em guerra. Aumento de juros. Inibição do crédito. Reajuste de preços. Volta da inflação. Crescimento da dívida pública e outras mazelas que pensávamos pertencer ao passado.
E sua mãe tentou acalmá-la. - Não adianta o aborrecimento, disse ela para a filha. - Os problemas têm que ser encarados de frente. - Você tentou dialogar com o pessoal? - Não, mamãe. - Simplesmente porque me deu muita raiva. Você sabe, mamãe! Eu sou uma pessoa muita comunicativa. Gosto de me relacionar com pessoas. De atender o público. De fazer novas amizades. - Por isso que minha raiva é ainda maior, diz a moça. - Pois a pessoa que irá me substituir, a senhora precisa ver. É calada, antipática, e nem olha pra gente. Parece que tem um rei na barriga. - E o pior é que alguns clientes já manifestaram uma certa simpatia por ela. Pode, uma coisa dessa? Calada, fria e feia, do que jeito que ela é? - Não, mamãe, não se trata de preconceito.- É a pura verdade.
E a moça continuou a desfolhar suas desilusões. - Mamãe, e a senhora ainda não sabe do pior. - Lembra quando eu ajudava as pessoas mais idosas? - Aquelas pessoas que tinham dificuldade de pagar a conta com o seu cartão de crédito? – Sim; e muitas outras. - E de arrumar as compras nas sacolas? - Também. - Pois bem. Agora, com a nova contratada, não tem mais essa. A pessoa é que, sozinha, passa as suas compras pelo identificador, registra o valor na máquina, passa o seu cartão de crédito e depois, pasmem, ainda tem que arrumar as mercadorias nos sacos.
E a nova contratada não dá uma palavra. Não ajuda ninguém. Fica só autorizando, ou não, a abertura do portão, tão logo a pessoa acabe de registrar o pagamento de sua conta. Não é um absurdo? Os clientes, a grande maioria, bem que reclamaram. Mas a minoria, não. Acharam moderno. Legal!
Coitados! Além de perder uma boa amiga, um bom papo, como dizem, ainda ficaram sendo empregados do supermercado. Pois eles agora é que fazem tudo. Por conta do sistema de auto-atendimento que foi introduzido, em caráter experimental, em alguns supermercados. Não consigo entender o porquê de eles chamarem isso de “avanço tecnológico”.
É o mesmo caso dos caixas eletrônicos dos bancos. Das catracas eletrônicas que querem colocar nos ônibus. E depois reclamam que o desemprego está crescendo. Eles só esqueceram de uma coisa: estão diminuindo a quantidade de consumidores dos mercados, como um todo. E as máquinas, que também não recebem salários, não terão condições de comprar seus produtos. E cada vez a coisa vai piorando.
No futuro, acredito, deveremos voltar às origens. A população não agüentará muito tempo sem ter com quem reclamar, passar adiante uma fofoca, ou ter uma palavra amiga que lhe conforte num dia triste de chuva.