Mais de mil desculpas mirabolantes escoaram-se pelo ralo da sua mente semi-acordada, enquanto tomava o seu banho da manhã.
Mas, você se olhou no espelho, respirou fundo e, suspirando, muniu-se de coragem para enfrentar seu longo dia de trabalho.
Ontem saiu seu contracheque e, mais uma vez você teve vontade de chorar. Há muito tempo que o dinheiro apenas passa por sua conta e você, às vezes, nem se dá...CONTA! Só descobre quando aquela pessoa para quem você chorou um prazo no cheque, finalmente ao depositá-lo, teve um choque ao recebê-lo de volta: sem fundos. É inevitável a alcunha de caloteiro...
Você pensou: “Culpa minha ou do cara que demorou demais para descontar o cheque? Ou é culpa do sistema? Ou do repasse de verbas do Governo Federal? Ou do Brasil? Ou do continente sul-americano? Quem sabe, do mundo???”
E continua pensando: “Onde foi que eu errei? Será que foi quando fiz o vestibular para Licenciatura? Ou se foi culpa daquele concurso fácil demais? Ou foi por que não estudei para ser Técnico do Tesouro Nacional?...”
Semana passada, você quase saiu na porrada com o cambista que comprou seus vales por vários centavos a menos. Ora, mas que audácia dele ainda ter coragem de ficar pechinchando! Que culpa você tem se o preço do seu vale está pra lá de defasado em relação ao preço real do ônibus?
E ainda teve aquela vez que você, no meio do tratamento dentário, descobriu que seu convênio tinha sido cancelado por falta de pagamento. Meses de dor de dente depois, o convênio mandou-lhe uma cartinha avisando que você estava inadimplente. Ou, displicente? Ou quem sabe, apenas DEMENTE?
A sua família não agüenta mais ouvir você reclamando do seu salário. Eles ficam te alugando para que você estude para outro concurso. Você pensa: “Em qual dos meus três empregos terei tempo de estudar? Talvez, se eu tomar um guaraná em pó com café e Coca-Cola, dê para estudar de onze da noite às seis da manhã...”
É, você certamente esqueceu que já fez isso... E que ficou acabadaço. Tanto, que todos na escola falaram que você estava com AIDS...
Não na sua frente, é claro. Esperaram aquela ocasião em que três dos seus colegas estavam de abono e você estava tentando dar aula a cento e poucos alunos. Mas, nem se fosse na sua frente ia dar para ouvir a fofoca, com todos aqueles meninos gritando ao mesmo tempo...!
No recreio, você sempre fica olhando o relógio fixamente, tentando hipnotizar os ponteiros para que eles andem mais devagar. E fica tão entretido nisso que consegue lanchar aquele macarrão com sardinha todinho, nem ouve o sinal tocar. Mas sempre chega alguém para quebrar sua concentração.
Justo hoje, professor, dia da coragem extrema (porque é sexta, o último dia letivo da semana), ao sair de casa você olhou para o pneu do seu carro e viu que estava vazio. Voltou em casa para ligar avisando à sua Coordenadora do seu atraso provável.
Você não teve culpa da sua Coordenadora estar na TPM e da pessoa que avisou a ela ter transmitido o recado omitindo alguns dados importantes. Você não viu quando ela entrou na sala da Diretora para reclamar de você. Não viu a Diretora pedir a sua folha de ponto e escrever “horas não trabalhadas”. Não ouviu seu grupo se recusar a pegar seus alunos e eles ficarem em algum lugar assistindo a um vídeo.
Você só vai saber de tudo isso quando chegar o contracheque do próximo mês...
E, no dia seguinte, você vai ter vontade de inventar mais mil desculpas mirabolantes para não ir trabalhar. Mas, novamente, as contas atrasadas vão falar mais alto no seu ouvido.
Você, para culpar alguém, vai dar uma suspensão para seu aluno porque ele deu um bom dia para o colega sentado ao lado. Vai ficar revoltado por estar pagando uma greve que não deu em nada. Vai criar caso com a porteira.Vai amarrar a cara. Vai morder quem chegar perto. Não, o dia não está NADA bom!
