Enfim, hoje é quarta de carnaval. O último dia em que o país ainda vagabundeia às custas da pobreza alheia. É difícil passar esses dias, ou pelo menos antes era. Hoje com o computador em casa a tarefa de suportar a ociosidade é mais fácil, porque a gente acaba viajando literalmente, sem sair de casa.
Não sei porque o nosso país, tendo a fama de ser o mais vagabundo de todos os países do mundo, ainda reclama sua parte no bolo e na mesa dos países ricos. E por conta disso, sabemos também que deveríamos já ser um dos países mais rico do planeta, se trabalhássemos tal e qual fazem outros povos. Se esses "outros povos" não são todos eles mais ricos do que são, a explicação está nas mudanças climáticas. Eles têm muitos meses de inverno rigoroso, congelante e é por natureza uma época em que nada se pode fazer, além de esperar o inverno passar. Tanto é que trabalham mesmo debaixo de chuva, tanto na lavoura quanto nas cidades.
Recentemente um estrangeiro em visita a uma fazenda no Mato Grosso do Sul ficou surpreso ao ver os trabalhadores rurais se esconderem da chuva.
Por que? Indagou ele aos trabalhadores. A resposta foi óbvia: porque a gente se molha. O estrangeiro conversou com o fazendeiro e disse para comprar capas de plásticos grossos e eles poderão trabalhar sem se molharem. Nós fazemos assim. Ganha-se tempo. No Brasil com o calor que faz a chuva não traz maiores danos à sensibilidade do trabalhador.
O que o estrangeiro não sabe é que o patrão jamais compraria as tais capas plásticas, além de pagar um salário dos mais injustos do mundo. Este mesmo patrão gastaria e deve ter gasto uma fortuna, simplesmente para permanecer num recinto "vip", bebendo e sambando e assistindo o desfile de escolas de samba.
Aí está realmente a fórmula da vagabundagem: a desconsideração do valor do trabalho. Para o patrão pagar pouco reside o sucesso de seu empreendimento; para o trabalhador pobre trabalhar pouco reside o sucesso de sua sobrevivência.
Talvez, seja por isso que nós brasileiros somos tão vagabundos. Desde as escolas até à vida profissional. Quando estudante eu pensava assim: pra que estudar, se jamais atingirei o nível universitário se meu pai não pode pagar? Meus colegas ricos e também estudantes pensavam, por seu lado também assim: pra que estudar se meu pai pode comprar o meu diploma. Passar no vestibular das escolas pagas até meu cachorro passa. Quero ver é pagar as prestações, que giram em torno de R$600,00 e até R$900,00.
É nisto tudo que reside também o fracasso das autoridades em conseguirem sucesso nos seus mandatos. Devem pensar assim: pra que me esforçar pra esse povo vagabundo, se o que faço não será reconhecido? E assim vai de pergunta em pergunta, desde o nosso nascimento até a morte. Aqui onde moro o número de suicídios é dos maiores. Há duas semanas duas pessoas suicidaram-se no mesmo dia. Uma por enforcamento, outra cortou uma das artérias jugulares. Eles também devem ter feito a tal pergunta: pra que esperar a morte se ela vai vir mesmo?
Até que enfim o ano passado terminou. Hoje começa o ano de 2003 para um povo que tem pressa, mas anda devagar.