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Artigos-->Tanta paz e eu lá -- 07/03/2003 - 09:37 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Álbum de retratos. De pequena, brincando sem inocência, embora a cara sapeca. Entre maracujás, comia amêndoas, risinho capeta. Frases adultas - epígrafes ou epitáfios? Dizias sermões evangélicos, enquanto eu acreditava fingir ouvir. Óculos aros grossos, me entendias futuro do pretérito. Enxergavas desatinos com teu olhar circunspecto de quem já nasceu sabendo. Neste hoje de agora te vejo prevendo mundos. Infância toda passei na escola, no bom sentido. Tudo brancos privilégios, fico sabendo agora. Inveja tinha eu de quem saltava poça de lama lá fora, sem intromissão. Ótima escola porque foi lá que estudei, ou ótima sou eu por lá ter suportado. Seus bancos me mereceram, ou eu é que não fui digna de sua boa sombra mata-aula. Aquela burocracia pasma diante de meus suores vesgos, minha fala engasgada no pomo da preguiça de ousar, porque proibido tanta coisa e permitidas outras tantas que eu sabia aniquiladoras, então a resposta parava no goto. Sabendo desde já a canção que governava a massa, ensaiadinha, na ponta da língua, pronta para vomitar-me ácidos, mesmo assim, saibam todos que passei de ano direitinho. Tanta aula cabulada, e esse o meu segredo de esfinge. Tudo o que dizem que hoje sei foi resultado desses pulos de cerca. Hoje sou pêndulo desgovernado oscilando num mundo de perigos - esse meu oásis, porque por mim escolhido. O prédio velho que me deu sombra? Na primeira queixa do condomínio me expulsou com veemência maior ainda. Por isso não tenho endereço, ocupo uma vaga. E que, para meu espanto, tem muitos querendo. Não me pertenço, sou a própria hora, o momento. Tanto sei desta vida (ou seja, nada) que chego a estar velha de repente, duzentos anos nas costas, carregando o efeito de um coquetel de drogas cantadas e apregoadas. Esta paz que eu não quero duela com o zunido da bala perdida cravada no coração do rapper – equação bizarra.
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